quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Ayres Britto vota pela demarcação contínua da reserva. Leia a íntegra do voto

O ministro Carlos Ayres Britto concluiu seu voto pela demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Segundo ele, o laudo antropológico que fundamentou a demarcação da Raposa Serra do Sol não contém vícios, e a Portaria 534/05, do Ministério da Justiça, incluiu somente terras indígenas nos marcos territoriais da reserva. No voto, Ayres Britto determina que seja cassada decisão liminar do STF (AC 2009) que, em abril, impediu a retirada dos não-índios da reserva. O julgamento está suspenso devido a pedido de vista do ministro Menezes Direito.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Fernando Lugo anuncia reforma agrária

por Michelle Amaral da Silva — Última modificação 22/08/2008 13:03

A medida visa consertar um erro histórico cometido pelo ex-ditador Alfredo Stroessner, que simplesmente doou estas terras aos seus amigos
22/08/2008
Juliano Domingues da
Radioagência NP

O recém-empossado presidente do Paraguai anunciou que irá realizar reforma agrária no país. Fernando Lugo deve iniciar um plano para retomar para o Estado um total de oito milhões de hectares, para depois dividí-los entre as cerca de 300 mil famílias que pedem a democratização do acesso à terra no país. A medida visa consertar um erro histórico cometido pelo ex-ditador Alfredo Stroessner, que simplesmente doou estas terras aos seus amigos. Stroessner governou o Paraguai entre 1954 e 1989.
Uma lista com nome e sobrenome dos beneficiados com a terras doadas será apresentada até o dia 28 de agosto. Outro tema polêmico, mas que ainda não teve desfecho, é a questão dos produtores rurais brasileiros que moram no Paraguai. Eles hoje são os maiores produtores de soja do país e alvo dos movimentos sociais que pedem a desapropriação das suas terras, sob alegação de que a prática do cultivo é feita de forma indiscriminada, sem levar em conta os danos ambientais e sociais que ela causa.Fernando Lugo parece ter apoio popular para tomar esta e outras medidas consideradas polêmicas. Segundo uma pesquisa realizada pela consultoria paraguaia Primeiras Análises (em português), o novo presidente tem uma aceitação de cerca de 90% da população. Além da solução dos problemas dos camponeses, a pesquisa aponta que o povo paraguaio espera melhorias na saúde, educação e geração de empregos.

Justiça condena Veracel Celulose por desmatar 96 mil hectares de Mata Atlântica


por Michelle Amaral da Silva
Ibama e o órgão ambiental estadual também são punidos por liberarem indevidamente plantios de eucalipto
21/08/2008
Luciana Silvestre, de Eunápolis (BA)

“Apenas agora, quinze anos depois, estamos vendo o resultado das primeiras denúncias que fizemos contra a Veracel. Ficou comprovado que aquele processo de implantação sem os estudos necessários foi ilegal”, diz o padre José Koopmans

Em uma decisão inédita, a Justiça Federal da cidade de Eunápolis (BA) condenou a Veracel Celulose e os órgãos ambientais de âmbito estadual e federal – o Centro de Recursos Ambientais (CRA) e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) – pelo desmatamento da Mata Atlântica. Pela ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF), a empresa terá que restaurar, com vegetação nativa, todas as suas áreas compreendidas nas licenças de plantio de eucalipto liberadas entre 1993 e 1996. As áreas ficam no extremo sul da Bahia.
Isso significa que uma extensão de 96 mil hectares, coberta por eucaliptos, deverá ser reflorestada por árvores da Mata Atlântica – um dos biomas mais diversos do planeta e, ao mesmo tempo, mais ameaçados do mundo. A Veracel também foi condenada a pagar uma multa de R$ 20 milhões pelo desmatamento da Mata Atlântica, com tratores e correntão, nos seus primeiros anos de funcionamento (1991-1993).
O Ibama e o CRA foram condenados por concederem, indevidamente, autorizações para a Veracruz implantar os plantios de eucalipto. O Ibama terá que apresentar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) para licenciamento da Veracel. Já o CRA precisará pagar 10% do total da multa.
Para o padre José Koopmans, de Teixeira de Freitas (BA), que acompanhou todo o processo de implantação da empresa no extremo sul do Estado, a sentença da Justiça foi uma vitória. “Apenas agora, quinze anos depois, estamos vendo o resultado das primeiras denúncias que fizemos contra a Veracel. Ficou comprovado que aquele processo de implantação sem os estudos necessários foi ilegal”.
Padre José reitera que, passados tantos anos, o que ficou para a região foi uma total degradação. “Além da completa destruição da fauna e da flora, houve muitos impactos socioeconômicos. A população foi expulsa do campo, sob falsas promessas de emprego. O que vemos hoje é um crescimento da violência e do desemprego, bem como uma falta de estrutura básica, de saúde e educação nesses municípios onde se instalou a monocultura do eucalipto”, ressaltou Koopmans.
O que mais chama a atenção do Fórum Socioambiental do Extremo Sul, integrado por ONG’s, movimentos sociais, pesquisadores e estudantes, é a facilidade com que a empresa conseguiu se fixar na região. Mesmo sem a realização dos estudos necessários, os órgãos ambientais estaduais (CRA) e federais (Ibama) expediram licenças que continuam sendo liberadas indiscriminadamente até hoje. “Essas empresas sempre contaram com o apadrinhamento do Estado, que continua licenciando o plantio de eucalipto, mesmo admitindo que não tem condições técnicas para acompanhar e fiscalizar um projeto desse porte, e mesmo sabendo que a Veracel não cumpre a maioria das condicionantes para continuar em execução”, explicou Ivonete Gonçalves, coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul (Cepedes).

Projeto de expansão
Com a intenção da empresa de duplicar seu empreendimento com a construção da Veracel II, a liberação de licenciamentos ambientais ganha centralidade. Os órgãos desrespeitam a lei e, sob a influência do poder econômico, concedem autorizações mesmo sem estudos como o Zoneamento Econômico Ecológico. É o que confirma Andréia Bragagnolo, diretora de estudos avançados do meio ambiente do Instituto do Meio Ambiente (IMA), antigo CRA. “Não podemos parar a máquina do Estado para esperar a realização dos estudos. Não podemos parar o licenciamento. Temos que continuar e inclusive agilizar o licenciamento em geral. O que dá pra fazer é intensificar a fiscalização”, afirmou.
Essa relação de favorecimento entre os órgãos licenciadores e a empresa Veracel Celulose é objeto de um inquérito civil, instaurado em junho deste ano pelo Ministério Público Estadual da comarca de Eunápolis (veja entrevista ao lado). Estão sendo apuradas denúncias sobre a omissão do Estado da Bahia e de órgãos ambientais estaduais na realização de estudos imprescindíveis para a implantação de projetos como o da monocultura de eucalipto na região, a fim de favorecer a empresa Veracel Celulose na execução de seu projeto.
“Estamos acompanhando o inquérito do MPE e confirmando o que já suspeitávamos: que a Veracel inaugurou uma forma própria para consolidar seu empreendimento junto ao Estado, envolvendo funcionários públicos para obter benefícios em função do aumento da produção e do lucro”, relatou Ivonete.
O que diz a legislação?
Empreendimentos, atividades ou obras que causem significativa degradação ambiental devem apresentar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) antes do licenciamento pretendido de acordo com a legislação federal vigente:
artigo 225 § 1o. IV da Constituição Federal; Lei nº 6.938, de 31.08.81 e seu decreto regulamentador, o de nº 99.274, de 06.06.90; além das Resoluções CONAMA nº 001, de 23.01.1986, que dispõe sobre diretrizes gerais para uso e implementação da Avaliação de Impacto Ambiental, e 237, de 19.12.97, que estabelece normas sobre o licenciamento ambiental.

Estudos necessários para a implantação de projetos de médio e grande porte
Zoneamento Econômico Ecológico (ZEE): instrumento de gestão do território que estabelece, na implantação de planos, obras e atividades públicas e privadas, diretrizes para a proteção ambiental e a distribuição espacial das atividades econômicas, para assegurar o desenvolvimento sustentável. Tem por objetivo geral organizar as decisões dos agentes públicos e privados quanto a planos, programas, projetos e atividades que, direta ou indiretamente, utilizem recursos naturais, assegurando a plena manutenção do capital e dos serviços ambientais dos ecossistemas.



Organizações sociais denunciam o caso há quinze anos
por
Michelle Amaral da Silva — Última modificação 21/08/2008 15:49


Em meados de 1991, a Veracruz Florestal, na época subsidiária do Grupo Odebrecht, adquiriu 47 mil hectares da empresa Vale do Rio Doce. Foram 85 propriedades situadas nos municípios do extremo Sul da Bahia, sendo que, em pelo menos 28, havia vegetação remanescente de Mata Atlântica.
Em 1992, o Ibama concedeu autorização para operações de limpeza de propriedades e plantio de eucalipto à Veracruz Florestal. No mesmo ano, a empresa obteve, junto ao Conselho de Meio Ambiente do Estado da Bahia (Cepram) e ao Centro de Recursos Ambientais (CRA), licença de localização e implantação do projeto sem a realização de um estudo de impacto ambiental, medida necessária para todos projetos de médio e grande porte.
Desde novembro de 1992, organizações da sociedade civil, como o Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH) de Teixeira de Freitas e o Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul (Cepedes), denunciam que a Veracruz Florestal estava derrubando a Mata Atlântica e retirando a madeira nativa com caminhões para plantar eucalipto.
Após as denúncias, o então ministro do Meio Ambiente, Fernando Coutinho Jorge, embargou o projeto de implantação da empresa e determinou que o Ibama fizesse uma vistoria técnica para apurar a veracidade da denúncia.
O grande problema é que esses estudos, além de realizados depois do início das atividades da empresa, foram feitos às pressas, principal crítica feita pelos auditores independentes. Além disso, foram executados por uma empresa consultora fi nlandesa (Jaakko Poyry) que, depois, ganhou contratos de serviços prestados à empresa Veracel. Ou seja, tinha um grande interesse em fazer um estudo de impacto ambiental favorável à empresa.

Reviravolta
Uma nova vistoria foi feita e foi confirmada a veracidade das denúncias das entidades da sociedade, demonstrando inúmeras irregularidades na execução do projeto da empresa. Mas, ao mesmo tempo, o embargo do projeto da Veracel provocou reação da comunidade regional em favor do empreendimento e de sua promessa de muitos empregos. Pressionado, o próprio ministro Coutinho Jorge presidiu uma audiência pública em Eunápolis, em julho de 1993, e, dois meses depois, libera o projeto com recomendações de ajustes. Exige também a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto de Meio Ambiente (Rima).
A Procuradoria Geral da República, acionada pelas ONG’s Greenpeace, SOS Mata Atlântica e IBASE, encaminhou em outubro de 1993 uma Ação Civil Pública, na Justiça Federal, contra Veracruz, CRA e Ibama. A sentença foi proferida apenas quinze anos depois, em junho de 2008. O veredicto foi a condenação da empresa e dos órgãos ambientais.

Quem é a Veracel Celulose?
É uma joint venture de duas das maiores empresas do ramo de papel e celulose do mundo: a sueca-finlandesa Stora Enso e a Aracruz Celulose, cada uma detentora de 50% das ações.
Área: possui cerca de 205 mil hectares de terras no extremo Sul da Bahia, sendo cerca de 96 mil hectares de monocultura de eucalipto.
Produção: mais de um milhão de toneladas de celulose destinadas à exportação, sendo que metade pertence à Aracruz Celulose.
Financiamento público: BNDES (R$ 1,43 bilhões)
Quem a Veracel financia: Jaques Wagner, atual governador da Bahia (R$ 100.000 para sua campanha em 2006).

Empregos para quem?
- gera apenas 410 empregos diretos na fábrica. Possui mais de 180 empresas terceirizadas; há mais de 800 ações movidas contra a empresa por direitos trabalhistas;
- Hoje, em 146.927 hectares da Veracel, moram apenas 71 pessoas, e são gerados apenas 1 emprego em cada 156 hectares de terras;
- Mais de 800 pessoas tiveram que sair das suas casas por causa da Veracel, perdendo seu meio de sustento;
- Em Santa Cruz de Cabrália, dos 193 trabalhadores e empregados que existiam nas terras compradas pela Veracel, apenas 56 trabalhadores restaram, e dos 240 moradores, restaram apenas 14;
- No município de Porto Seguro, o número de trabalhadores/empregados passou de 88 para dois, e o de moradores passou de 138 para nove.

Empregos terceirizados e sem garantias
O principal argumento utilizado pelas empresas de papel e celulose para convencer a população local dos benefícios de sua implantação é a criação de novos empregos. No entanto, essa propaganda esconde a real situação dos trabalhadores dessas companhias: a progressiva precarização do trabalho por meio da terceirização.
“Quando se fala em geração de emprego, é fundamental tratar da qualidade do emprego,não apenas da quantidade. Há muita gente trabalhando para as empreiteiras das empresas de celulose e que não ganha sequer um salário mínimo”, relatou Fábio Moraes, do Sindicato dos trabalhadores nas indústrias de celulose da Bahia (Sindicelpa).
Segundo dados do sindicato, a Veracel possui apenas 410 trabalhadores diretos em sua fábrica e cerca de 9 mil terceirizados, além de contar com serviços terceirizados de 180 empresas.
A lógica da terceirização prejudica profundamente o trabalhador, pois, além de ele não ter a total garantia aos direitos trabalhistas, também é sobrecarregado no cotidiano. Com o passar do tempo, as empresas de celulose foram reduzindo o número de trabalhadores, ao mesmo tempo em que aumentavam a produtividade. “O que era feito por 20 trabalhadores antes, é feito por 4 hoje. Isso é a causa de tantos acidentes de trabalho e de lesões por esforço repetitivo”, explica Fábio.
Diante do anúncio da duplicação da Veracel, o Sindicelpa apresentou sua preocupação. “O aumento da capacidade de produção da empresa ocorrerá pela criação de empregos com vínculo empregatício terceirizado, num processo desenfreado de precarização”, argumentou Carlos Ribeiro Monteiro, do Sindicelpa. Ele ainda ressaltou que teme que o Brasil se transforme totalmente em um paraíso de mão-de-obra barata, o que já vem ocorrendo.
Concomitante a esse processo no Brasil, ocorre o fechamento dessas fábricas na Europa, aumentando o desemprego lá também.

Stora Enso projeta duplicação da Veracel
A Stora Enso anunciou, em maio, a construção de mais uma empresa de celulose no extremo Sul da Bahia, a Veracel II. A previsão é de que a área de plantação de eucalipto seja duplicada.
Jouko Karvinen, um dos principais executivos da transnacional, informou também que a nova fábrica produzirá mais de 1 milhão de toneladas de celulose. Para assegurar a matéria-prima para a segunda linha de produção, serão necessários, pelo menos, 70 mil novos hectares de plantio de eucaliptos.

PORTUGAL: O monumental embuste…

25-Ago-2008 – Fonte: Esquerda.Net

A rentrée do primeiro-ministro está a revelar-se um monumental embuste. O seu anúncio de 1.200 novos postos de trabalho num call center da PT constitui um autêntico bluff: só se concretizarão em 2009, ano de eleições, e serão contratos precários, através de uma empresa de trabalho temporário da própria PT - A PT Contact.
Encerrar serviços em Lisboa, despedindo aqui para empregar ali, deslocalizando-os para Santo Tirso. A PT mais do que criar emprego, o que faz é reduzir custos, pois apenas vai substituir trabalhadores por outros trabalhadores.
A PT tem 30 "call centers", sendo que 80% se concentram em Lisboa e no Porto. As ilegalidades são mais do que muitas e a própria Inspecção de Trabalho já levantou inúmeros processos, mas as ilegalidades e as situações de impunidade continuam, pois os trabalhadores estão vários anos a trabalhar nos call-center, mas sem nunca pertencerem ao quadro da PT.
Demagogia para ver na TV, num aproveitamento lamentável de quem está a sofrer com um dos maiores dramas sociais, a precariedade e o desemprego.
A criação de 150 mil empregos lamentavelmente mais longe...
Mas o primeiro ministro revelou que a demagogia não tem limites, na sua deslocação a Santo Tirso aproveitou também para anunciar que já foram criados 133 mil empregos líquidos desde Março de 2005 e manifestou-se confiante no cumprimento da meta de criação de 150 mil novos postos de trabalho até final da legislatura. Um embuste monumental...
É lamentável que se manipule dados para fins eleitorais em prejuízo dos que não têm trabalho, quando se sabe que o governo Sócrates tomou posse a 12 de Março de 2005 e portanto os empregos criados no seu consulado, ou seja a partir do segundo trimestre de 2005, foram 86 mil empregos líquidos.
O desemprego continua elevado - 7,3 por cento, segundo os últimos dados do INE, mais de 400 mil continuam no desemprego. A precariedade continua a acentuar-se atingindo 1,8 milhões de trabalhadores.
O que foi escondido é que, neste momento, mais de 100 mil desempregados estão em formação profissional remunerada e, por isso, não são considerados desempregados à luz dos critérios usados pelo Instituto Nacional de Estatística, A serem contados como desempregados, a taxa subiria para cerca de 9%.
O desemprego e a precariedade são dois dramas sociais que necessitam de uma resposta séria e que não se compadecem com as manipulações do governo PS.
O código de trabalho de Vieira da Silva também não ajudará à sua resolução, o governo sabe isso. Aprofundar a luta social e mais respostas políticas à esquerda colocam-se como fundamentais para romper com as políticas liberais que Sócrates teima em nos tentar impingir.

José Casimiro

A morte cansada

Cortador de cana trabalha em canavial em Charqueada Joel Silva Folha Imagem


Com produção em alta e salários em queda, excesso de trabalho ronda canaviais
Fonte: Folha de São Paulo

DOS ENVIADOS AO INTERIOR DE SP

Se dinheiro chama dinheiro, como dizem, então pobreza chama pobreza -e tragédia agoura tragédia. Procurada em Guariba para conversar sobre o marido, morto após passar mal no canavial em 2005, Maildes de Araújo se põe a falar do morto de duas semanas antes: o cunhado, também cortador de cana.José Pindobeira Santos tinha 65 anos. Colheu cana até o ano retrasado. "Ele reclamava da barriga, de cólicas", diz a filha Ivanir, faxineira. Voltava da lavoura com dor na virilha. Nunca se tratou ou foi tratado.Pindobeira morreu de obstrução intestinal e broncoaspiração. Não se sabe até que ponto a lida na roça baqueou sua saúde. Nos anos 1960 já cortava cana nos arredores de Guariba.
Seu concunhado Antonio Ribeiro Lopes, o marido da baiana Maildes, veio ao mundo em julho de 1950, três dias antes do fracasso supremo do futebol pátrio, a final da Copa. Migrou de Berilo (MG), município da paupérrima região do Vale do Jequitinhonha.
Em acidentes registrados -a subnotificação é considerável-, o facão rasgou-lhe perna e joelho. Dores no ombro direito o afastaram da roça. Penava com dor de cabeça. O empenho no trabalho desencadeava cãibras na barriga, nas pernas e nos braços. Sofria da doença de Chagas, mas não o licenciaram.Era funcionário da usina Moreno. Sucumbiu no campo e o levaram para o hospital. Causa da morte: "cardiopatia chagásica descompensada".
Lopes integra a relação de duas dezenas de canavieiros mortos no interior paulista de 2004 a 2007, o caçula com 20 anos. A lista foi elaborada pela Pastoral do Migrante -há mais mortes, não contabilizadas.Dela não constam acidentes de trabalho -em 2005, de cada mil trabalhadores no cultivo da cana, 48 sofreram acidente ocupacional, registraram as pesquisadoras da USP Márcia Azanha Ferraz Dias de Moraes e Andrea R. Ferro.
Naquele ano, segundo o Ministério do Trabalho, morreram de acidentes 84 pessoas no setor sucroalcooleiro, incluindo lavoura e indústria (3,1% das mortes por acidentes de trabalho no Brasil). O Ministério Público do Trabalho investiga a razão dos óbitos e sua associação com o caráter exaustivo do corte manual.
Relatório de 2006 da Secretaria de Inspeção do Ministério do Trabalho enumera dezenas de irregularidades em empresas nas quais trabalhavam os lavradores que morreram.
Uma é o não-cumprimento do descanso de uma hora para o almoço. Os cortadores comem em dez, 20 minutos, para logo empunhar de novo o facão. Eles ganham por produção. Nenhum laudo atesta que a atividade foi decisiva para os óbitos. Seria difícil: dos oito esquadrinhados pelo ministério, só em dois houve necropsia.
O texto da Secretaria de Inspeção afirma: "As causas de mal súbito, parada cardiorrespiratória e AVC [acidente vascular cerebral], descritas nas certidões de óbito, não são elementos de convicção que justifiquem a morte natural, como alegam as empresas".
Há indícios sobre por que morrem os canavieiros.
Em 1985, os cortadores do Estado produziam em média 5 toneladas diárias de cana. Em 2008, são 9,3 toneladas, 86% a mais. Há 23 anos, um lavrador recebia R$ 6,55 por tonelada e R$ 32,70 por jornada. Em 2007, 1.000 kg valeram R$ 3,29. A remuneração por dia, R$ 28,90 (menos 12%).
A produtividade disparou e o salário caiu. Com a mecanização acelerada do corte e a expansão do desemprego, ficam os mais eficientes. O homem compete com a colheitadeira.
Os números de 1985 e 2007 são do Instituto de Economia Agrícola. Atualizados para reais de agosto de 2007, encontram-se em artigo dos pesquisadores Rodolfo Hoffmann (Unicamp) e Fabíola C.R. de Oliveira (USP).
"Penoso" e "desumano"
José Mário Gomes morreu em 2005 aos 44 anos. Era empregado da usina Santa Helena, do grupo Cosan, líder da produção de cana no planeta. "O óbito ocorreu nos períodos de maior produtividade, com picos alternados", informa o Ministério do Trabalho.
Valdecy de Lima trabalhava na usina Moreno, como Antonio Ribeiro Lopes. Em 7 de julho de 2005, desabou na roça. Morreu aos 38 anos, de acidente vascular cerebral. Em 17 de junho, decepara 16,5 toneladas.A Moreno alega que as mortes de Antonio e Valdecy "não ocorreram em decorrência do esforço do trabalho". A Cosan diz que as causas do óbito de José Mário "ainda estão sendo investigadas pelos órgãos competentes. A empresa prestou todos os atendimentos necessários e colocou seu departamento de serviço social à disposição da família do colaborador. A Cosan cumpre rigorosamente a legislação trabalhista".
O Ministério Público do Trabalho relaciona as mortes à rotina "penosa" e "desumana" e prepara ação contra o pagamento por produção, quando o grosso da remuneração depende do desempenho. É preciso acumular em oito meses, a duração da safra, o suficiente para 12 -a maioria é dispensada na entressafra.Usineiros e segmento expressivo dos trabalhadores desejam manter o sistema.
O afinco para cortar mais e mais provoca situações como uma acontecida em 2007. Sob o sol, em dia de temperatura máxima de 37ºC à sombra, nove trabalhadores foram hospitalizados após se sentirem mal em uma fazenda de Ibirarema.
Reclamavam de cãibras e vomitavam. Algumas usinas fornecem no campo bebidas reidratantes para a mão-de-obra suportar o desgaste.
Em áreas de corte manual, os canaviais costumam ser queimados antes da colheita. O fogo queima a palha da cana, e restam apenas as varas, o que facilita o trabalho. Quando o facão golpeia as varas com fuligem, o pó se espalha, entra pelo nariz e gruda na pele. A plantação recebe agrotóxicos. O lavrador não costuma receber máscara.
Em tese de doutorado na Unesp, a bióloga Rosa Bosso constatou que o nível de HPAs, substâncias cancerígenas, expelidos na urina de quatro dezenas de trabalhadores era nove vezes maior na safra do que na entressafra.
Em temporada sem colheita, Antonio Lopes sobreviveu como carregador de sacas de açúcar. Maildes o conheceu na lavoura da cana, onde o namoro engatou. Ainda hoje a viúva se orgulha: "Ele não era de enjeitar serviço".

O submundo da cana
Estado que detém 60% da produção nacional de cana-de-açúcar, São Paulo não divide a riqueza derivada do boom de etanol com seus 135 mil cortadores, que vivem muitas vezes em situações precárias
MÁRIO MAGALHÃES
JOEL SILVA

ENVIADOS ESPECIAIS AO INTERIOR DE SP
Pontualmente às 4h42, a canavieira Ilma Francisca de Souza parte para o trabalho com sua marmita fornida de arroz coberto por uma lingüiça cortadinha. Em outro bairro de Serrana, ainda antes de o sol nascer, Rosimira Lopes sai para o canavial levando arroz com um só acompanhamento: feijão.
Durante o dia, elas vão dar conta da comida, que já terá esfriado. A despeito do notável progresso que ergue usinas de etanol com tecnologia assombrosa, o Brasil segue sem servir refeições quentes aos lavradores da cana-de-açúcar.
A bóia continua fria.
Durante dois meses, a Folha investigou as condições de vida e trabalho dos cortadores de cana no Estado que detém 60% da produção do país que é o principal produtor do planeta.

Gente como Ilma e Rosimira.
Em uma das etapas de apuração da reportagem, por 15 dias percorreram-se 3.810 quilômetros de carro, o equivalente a nove trajetos São Paulo-Rio de Janeiro. Um mapa [veja na pág. 6] mostra onde ficam as cidades visitadas.
Pela primeira vez em cinco séculos, desde que as mudas pioneiras foram trazidas pelos portugueses, em 2008 ao menos metade da cana de São Paulo não será colhida por mãos, mas por máquinas. É o que anunciam os usineiros.
Como na virada do século 16 para o 17, quando o país era o líder do fabrico de açúcar, a cana oferece imensas oportunidades ao Brasil, em torno do álcool combustível do qual ela é matéria-prima. O etanol pode se transformar em commodity, com cotação no mercado internacional. As usinas geram energia elétrica.
A riqueza do setor sucroalcooleiro, que movimentará neste ano R$ 40 bilhões, não atingiu os lavradores. Em 1985, um cortador em São Paulo ganhava em média R$ 32,70 por dia (valor atualizado). Em 2007, recebeu R$ 28,90. A remuneração caiu, mas as exigências no trabalho aumentaram. Em 1985, o trabalhador cortava 5 toneladas diárias de cana. Na safra atual, 9,3.
Em 19 cidades do interior -na capital foi ouvido um representante dos empresários- , os repórteres procuraram entender por que, entre nove culturas agrícolas, a da cana reúne os trabalhadores mais jovens.
Exige alto esforço físico uma atividade em que é preciso dar 3.792 golpes com o facão e fazer 3.994 flexões de coluna para colher 11,5 toneladas no dia. Nos últimos anos, mortes de canavieiros foram associadas ao excesso de trabalho.
Conta-se a seguir o caso de um bóia-fria que morreu semanas após colher 16,5 toneladas. Não há paralelo em qualquer região com tamanho rendimento.
Na estrada, flagraram-se ônibus deteriorados, ausência de equipamentos de segurança no campo, moradias sem higiene e pagamento de salário inferior ao mínimo.
Conheceram-se comunidades de canavieiros que dependem do Bolsa Família, migrantes que tentam a sorte e lavradores que querem se livrar do crack e de outras drogas.
Descobriram-se documentos que comprovam a existência de fraudes no peso da cana, lesando os lavradores.
EscravidãoNo auge e na decadência do ciclo da cana-de-açúcar, os escravos cuidaram da lavoura e puseram os engenhos para funcionar. A arrancada do etanol brasileiro foi dada por lavradores na maioria negros.Assim como os escravos sumiram de certa historiografia, os cortadores são uma espécie invisível nas publicações do setor. Exibem-se usinas high-tech, mas oculta-se a mão-de-obra da roça.Impressiona na viagem ao mundo e ao submundo da cana a semelhança de símbolos da lavoura atual com a era pré-Abolição. O fiscal das usinas é chamado de feitor.
Acumulam-se denúncias de trabalho escravo. É um erro supor que as acusações de degradação passem longe do Estado mais rico do país e se limitem ao "Brasil profundo". Uma delas é narrada adiante. Em São Paulo, localiza-se Ribeirão Preto, centro canavieiro tratado como a nossa "Califórnia".
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem minimizado os relatos sobre trabalho penoso nos canaviais. No ano passado, ele disse que os usineiros "estão virando heróis nacionais e mundiais porque todo mundo está de olho no álcool".
O medo de retaliações é grande entre os canavieiros. Nenhum nome foi mudado nos textos, mas algumas pessoas, a pedido, são identificadas apenas pelo prenome ou nem isso. As entrevistas foram gravadas com consentimento.
São muitos esses anti-heróis: segundo os usineiros, há 335 mil cortadores de cana no Brasil, incluindo os 135 mil de São Paulo. No Estado, prevê-se a extinção do corte manual para 2015, junto com as queimadas que facilitam a colheita.
Ilma e Rosimira compõem uma espécie em extinção. Por meio milênio, os cortadores, escravos ou assalariados, viveram tempos difíceis. Nos próximos anos, não será diferente: com baixa qualificação, eles terão de procurar outros meios de sobrevivência.
Não há sindicato que não constate queda nas contratações.
O canavial não está tão longe quanto parece: ao encher o tanque com 49 litros de álcool, consome-se uma tonelada de cana; quando se adoça com açúcar o café da manhã, milhares de brasileiros já estão na lavoura de facão na mão.

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FSP 25/8/2008



Madeireiros armados voltam a atacar índios Guajajara no Maranhão

25-Ago-2008 – Fonte: Correio da Cidadania

Na madrugada de ontem, 24 de agosto, um grupo de madeireiros armados invadiu novamente a terra Araribóia, do povo Guajajara-Tentehara, atirando contra casas de duas aldeias (Catitu e Buracão). Felizmente, nenhuma pessoa ficou ferida, pois elas já haviam percebido a presença dos invasores e se esconderam no mato. O ataque aconteceu algumas horas após o fim da 1ª Assembléia do Povo Guajajara, que ocorreu numa aldeia da mesma terra indígena, próxima do município de Amarante, no Maranhão.
Segundo informação dos Guajajara, o grupo veio para buscar o motor de um caminhão madeireiro que estava abandonado próximo às aldeias. Eles teriam ouvido barulhos na estrada e, quando chegaram ao local, viram um caminhão Mercedes Bens, cor azul, cheio de homens armados. Quando os pistoleiros notaram a presença dos Guajajara, começaram a atirar. Os indígenas fugiram para a mata.
Em seguida, logo após resgatar o motor do caminhão, os invasores voltaram em direção ao município de Amarante. Ao passar pelas aldeias Catitu e Buracão, atiraram incessantemente contra as casas. Desde ontem, as duas aldeias estão abandonadas e o clima é de terror na região.
O caminhão abandonado é o mesmo que provocou a invasão da aldeia Lagoa Comprida, em outubro do ano passado, quando os madeireiros mataram o Sr. Tomé Guajajara, de 60 anos. Desde aquela época, os indígenas cobram da Fundação Nacional do Índio (Funai) a retirada do caminhão do local. Alertavam que a permanência do caminhão dentro da terra indígena poderia trazer novos conflitos. Apesar dos alertas, a Funai não retirou o veículo da área.
Na manhã de hoje, 25 de agosto, Pedro Henrique, Procurador da República no município de Imperatriz (MA), solicitou o envio de policiais para proteger a terra Araribóia. João Francisco, Secretário Estadual da Igualdade Racial, que esteve na terra durante a Assembléia, se comprometeu a executar as ações necessárias.
Alguns participantes da Assembléia acreditam que o ataque foi uma retaliação ao encontro, que mostrou a decisão dos Guajajara de lutar para acabar com a violência e perseguição que têm sofrido nos últimos anos.

Demarcação em ilhas
Os Guajajara são a quinta maior população indígena do Brasil, com 27 mil integrantes. Destes, 20 mil vivem no Maranhão. Em 1984, parte de suas terras foi homologada. Esta homologação, no entanto, ignorou aldeias localizadas em 62 mil hectares não titulados pelo governo. A exclusão dessa área foi resultado de pressões da elite local e abriu espaço para a ação de invasores que atuam no corte ilegal de madeira, em carvoarias e no plantio irregular de soja, eucalipto e arroz.
A equipe do CIMI-MA acredita que os interesses desses invasores estão por trás dos atentados recentes. Este ano, a Justiça Global enviou um informe à Organização das Nações Unidas (ONU) denunciando a situação e solicitando apuração dos crimes cometidos contra os Guajajara. Segundo levantamento do Cimi, 10 indígenas foram assassinados neste estado em 2008.

Publicado originalmente no site do Cimi (Conselho Indigenista Missionário).
Mais informações: (98) 3221-4442

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Organizações da região de Carajás ampliam mobilização por justiça nos trilhos de operação da Vale


Escrito por Rogério Almeida
20-Ago-2008 – Fonte:
Correio da Cidadania

A região de Carajás passa por profundas reorientações em seu território por conta do avanço da fronteira de grandes corporações sobre as reservas minerais e o agronegócio. Algo similar ao que ocorreu com a implantação do Projeto Grande Carajás na década de 1980. No pólo de Açailândia, a oeste do Maranhão, registra-se a ampliação do mesmo através da construção de uma aciaria e uma termoelétrica. É conhecido o caráter poluente do modelo de geração de energia a partir de termelétricas.
No vizinho Pará, no município de Marabá, uma aciaria da Vale também será construída. Além da ampliação da produção e verticalização do pólo de gusa, outros municípios passam a ter os territórios pressionados por conta da exploração mineral, como as tensões que se desenvolvem em Ourilândia do Norte, Tucumã, Xinguara e São Félix do Xingu.
A fábrica da Vale em Marabá tem sido motivo de festejo do governo petista em várias propagandas. A ação do governo petista em relação do grupo Vale tem sido orientada pelo aceno positivo às demandas da corporação, e mesmo com a prestimosa presença do presidente da República em inaugurações de projetos, como o registrado no município de Barcarena, por ocasião da ampliação da produção da fábrica Alunorte, do setor de alumínio.
A ferrovia de Carajás foi inaugurada na década de 1980, e que se encontra em fase de ampliação, corta 22 municípios nos estados do Pará e Maranhão. A via escoa o minério de ferro extraído na maior reserva do mundo, localizada a sudeste do Pará, no município de Parauapebas. O minério percorre 893 km até chegar ao porto do Itaqui, na capital do Maranhão, São Luís. Hoje, 12 trens com 330 vagões fazem chegar a vários cantos do mundo o minério sugado das terras amazônicas.
Por toda a extensão do projeto, há passivos sociais e ambientais, cidades inchadas por conta da migração, narrativas de tragédias de mortes de gente e animais, como os registros realizados em assentamentos da reforma agrária em Parauapebas cortados pelos trilhos da companhia.
E são esses passivos sociais e ambientais já conhecidos de alguns e ampliados por outras frentes que interessam a um conjunto de movimentos sociais articulados numa frente denominada ‘Justiça nos trilhos: a Companhia Vale do Rio Doce e a violência sócio-ambiental’.
A ação do coletivo iniciou em 2007 e tem entre os articuladores Missionários Cambonianos Brasil, Fórum Carajás, Fórum Reage São Luís, Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, Caritas Maranhão, Sindicato dos Ferroviários do Pará, Maranhão e Tocantins e a CUT Maranhão.
O objetivo da frente em primeiro plano é o acúmulo de informação e forças no Pará e Maranhão e exterior para a realização de grande debate sobre os impactos da ferrovia de Carajás. Nesse sentido, a partir de uma parceria com universidades do Maranhão e Pará, vem construindo uma base de dados jurídicos e sócio-econômicos. Uma outra ação da frente tem sido a mobilização em municípios impactados pela ferrovia e nas capitais dos estados, São Luís e Belém. A reunião da capital do Pará ocorreu no dia 19 de agosto na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
O encontro foi o momento de apresentar a frente Justiça nos Trilhos, divulgar o site (
http://www.justicanostrilhos.org/), informar sobre a agenda e definir algumas ações visando um grande painel durante o Fórum Social Mundial, a ser realizado em janeiro do ano que vem em Belém.
Incrementar a comunicação sobre os impactos sociais e ambientais a partir da ferrovia da Vale para o exterior e as comunidades originárias foi um dos pontos indicados na reunião. A ocasião ganhou o apoio da coordenação do Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) e do regional do Fórum Social Mundial. Até se alcançar o FSM, a frente deseja realizar reuniões nos municípios de Marabá, São Luís, entre outros.
Os municípios de Açailândia e Bom Jesus da Selva já realizaram rodadas de debates sobre a frente que deseja a partir da mobilização garantir indenizações para as famílias afetadas pelos impactos da ferrovia, garantir compensações na região e reimplantar o Fundo de Desenvolvimento, extinto com a privatização ocorrida em 1997.
Rogério Almeida é colaborador da rede
http://www.forumcarajas.org.br/, articulista do IBASE e Ecodebate.

INCRA trai os trabalhadores e cede aos interesses da Vale

20-Ago-2008 – Fonte: Correio da Cidadania

Os trabalhadores rurais assentados nos Projetos de Assentamento Campos Altos e Tucumã, nos Municípios de Ourilândia do Norte e São Félix do Xingu, bem como suas organizações de apoio e assessoria, vêm a público manifestar total indignação com a decisão do presidente do INCRA, publicada no dia 11.08.08, que desafetou parte dos referidos assentamentos, atendendo pedido da Mineração Onça Puma Ltda, Empresa do Grupo VALE.
Temos informações de que a decisão do presidente Rolf Hackbart foi tomada de forma unilateral, contra o posicionamento do Conselho Diretor do INCRA, que deveria ter sido consultado previamente. Resta agora ao Conselho Diretor referendar a decisão. Tivemos informações de que o Presidente do INCRA foi pressionado pelo Planalto a agir assim, sob pena de perder o cargo.
Com esta decisão, o INCRA rompeu seu compromisso com os trabalhadores de negociar a assinatura de um Termo de Compromisso com a Mineradora antes de desafetar a área, o que prejudica muito os assentados.
Além disso, manifestamo-nos também contra o estado de abandono em que se encontram as centenas de famílias assentadas pelo INCRA há mais de 10 anos nos Projetos de Assentamento parcialmente desafetados. Os impactos e prejuízos que já estão sofrendo desde 2003, praticamente inviabilizam a permanência dos mesmos. Até agora o INCRA não se manifestou sobre essa situação e nem se fala em indenização pelos prejuízos. Afinal, como o órgão gestor da política de reforma agrária, o INCRA tem inegável responsabilidade com os trabalhadores assentados e não pode se eximir de assumir o seu papel.
Ademais, com relação às famílias que foram pressionadas a negociar suas benfeitorias, o INCRA mantém uma postura rígida no sentido de excluí-las sumariamente da Relação de Beneficiários (RB) e conseqüentemente do Programa de Reforma Agrária, eximindo-se de qualquer responsabilidade com o reassentamento das mesmas. Isso é particularmente grave, considerando que, com sua conivência e omissão, o próprio INCRA contribuiu para agravar a vulnerabilidade dos assentados face à pressão da empresa em conseguir a negociação das benfeitorias.
Diante disso, exigimos que o INCRA tome urgentemente uma posição clara no sentido de assumir a sua responsabilidade com os trabalhadores assentados, bem como com relação àqueles que foram pressionados a negociar suas benfeitorias com a empresa.

Ourilândia do Norte (PA), 19 de agosto de 2008.

Jessé Vieira Rodrigues
ASSOCIAÇÃO DOS PEQUENOS PRODUTORES RURAIS DA COLONIA BOM JESUS – ASCOBOJE

Domingos Helinton dos Santos
ASSOCIAÇÃO DE PEQUENOS PROODUTORES RURAIS DA COLONIA CAMPOS NOSSOS

Adrelino Trindade de Jesus
SINDICATO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS RURAIS DE OURILANDIA DO NORTE

Francisco Bandeira da Silva
SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE TUCUMÃ

José Julião do Nascimento
ASSOCIAÇÃO DOS LAVRADORES DA COLONIA SANTA RITA

Frei Henri Burin des Roziers
ADVOGADO DA CPT SUL DO PARÁ – OAB-PA 6053-A

José Batista Gonçalves Afonso
ADVOGADO DA CPT DE MARABÁ – OAB-PA 10.611

Lobbies impõem usinas do Madeira em detrimento da natureza e da população

Escrito por Gabriel Brito
20-Ago-2008 – Fonte:
Correio da Cidadania

O governo brasileiro liberou a assinatura dos contratos para o início das obras das usinas hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau, no rio Madeira, Rondônia. Cercado de controvérsias a respeito dos estudos de impacto ambiental na região, o projeto, disputadíssimo por grandes empreiteiras, é contestado por diversos membros da sociedade organizada e opinião pública. Para tratar das principais questões acerca do tema, o Correio da Cidadania conversou com o presidente da ONG Rio Madeira Vivo, Iremar Antônio Ferreira.
Para o pesquisador em energia renovável, todo o processo a que assistimos na região Norte do país atende a uma lógica de forte instalação do capital privado na Amazônia. Na verdade, existem muitos outros motivos além do abastecimento energético, como se alega, para a ocupação cada vez maior dessas regiões do país por parte das grandes empresas. A entrevista completa pode ser conferida a seguir.

Correio da Cidadania: Como você avalia a liberação do início das obras nas hidrelétricas do Rio Madeira?
Iremar Ferreira
: Não só eu, da Rio Madeira Vivo, mas as demais entidades e movimentos, como o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), avaliamos todo esse processo de licenciamento - que já ocorre à revelia da lei no que se refere a estudos confiáveis de impacto, contestados até pelo MPF (Ministério Público Federal) - como uma ofensa ao direito das populações que habitam essa região e também ao consumidor de forma geral, pois os custos dessas obras e a incerteza do investimento em vista da fragilidade dos estudos nos deixam preocupados.
E fragilidade dos estudos aliada a essa pressa do governo em tocar o projeto compromete a segurança e o resultado do empreendimento, tanto para a região como para a população.

CC: Tocando nesse ponto, qual a confiabilidade do estudo que foi apresentado pelos consórcios?
IF
: Estamos tratando da região de um rio que tem um potencial pesqueiro grande e que, antes de garantir a economia local, garante a subsistência das famílias. Além do mais, os estudos já demonstram que 50% do potencial pesqueiro sofrerão alteração. Somente quando analisamos um pouco mais é que vemos as conseqüências, principalmente pelo fato de se barrar uma região que já possui um processo natural de seleção das espécies, de acordo com a época do ano, ou seja, o equilíbrio que o rio proporcionava será alterado para pior, pois o sistema de ‘escadas’ criado - um canal com diferentes níveis que permitem a reprodução dos peixes - é complicado para os que dependem do inverno para subir. Somente algumas espécies conseguem superar tal dificuldade e esse é um ponto muito direto na economia - pois muitas famílias se beneficiam do peixe - e também da segurança alimentar da região.

CC: Há algum debate sério com as comunidades locais e a sociedade a fim de discutir a importância e os motivos da obra ou estar-se-ia passando por cima de tudo?
IF
: Lamentavelmente sim, e isso é um dos pontos que embasa a ação do MPF, que foi iniciada em março do ano passado e ainda não foi analisada, ao falar justamente desse ponto, da fragilidade da participação social. Uma obra de tamanha envergadura, que afetará milhares de pessoas, não está sendo discutida como deveria, em seus reais problemas. O que tem sido levado às comunidades é que simplesmente vai ser melhor. Só que, para os empreendedores, o melhor é essas pessoas saírem de lá, daquelas condições de moradia, pois teriam moradias melhores, embora longe do espaço em que vivem. Isso cria nas pessoas uma expectativa de melhoria mesmo; só não se fala como isso ocorreria de fato.
Vindo para a cidade, eles terão de pagar pela energia. Mas lá eles não tinham de se preocupar com esse gasto, pela forma de vida deles, assim como com a água, por exemplo. Sendo deslocados para algum centro, urbano ou rural, passarão a ter alguns gastos novos. Tais pontos não são discutidos, muito menos a questão da sobrevivência. Não vão ter mais o peixe, pois a várzea onde eles se alimentavam e procriavam no verão não existirá mais. Ficarão a mercê de uma indenização que não se sabe de quanto será, porque a avaliação disso é baseada na valoração de mercado. E com uma indenização de cinco mil reais por uma casinha de madeira, o que a família vai conseguir de moradia? Na área urbana de Porto Velho não se consegue nada. Isso quer dizer que eles se deslocariam para as periferias da cidade, onde não há serviço público algum. Significa colocar à margem pessoas que já viviam à margem, porém por opção própria e com qualidade. Neste caso, porém, seria na periferia de Porto Velho.

CC: O aspecto sócio-econômico futuro passa ao largo das discussões, portanto.
IF
: Sim, esse fator não é levado em conta, tanto que os dados que eles levantaram durante o estudo são furados. Dias atrás uma ONG daqui, a ADA Açaí, fez a divulgação de um estudo para averiguar os verdadeiros impactos sócio-econômicos, com a perspectiva de contrapor aqueles apresentados pelas empresas.
Eles calcularam em cerca de 3 mil as famílias a serem afetadas, enquanto nós calculamos em 10 mil. E isso apenas do Santo Antonio para cima, de Porto Velho para cima, sem contar as famílias que serão afetadas abaixo. Quer dizer, somente nesse espaço já detectamos muitas famílias que eles sequer visitaram. Dessa forma, imagine como é a informação recebida pela comunidade. Os 30% visitados já recebem pouca, os outros nenhuma.
De modo particular na Amazônia, em qualquer empreendimento de infra-estrutura, ainda mais com esse custo, subestimar os impactos para apressar as coisas significa que só mais à frente vamos perceber o rombo sócio-ambiental. A capital já recebe 80 famílias por mês, sem ter nada aprovado. Imagine no que vai se transformar a cidade, que já tem 400 mil habitantes e infra-estrutura zero, com mais 150 mil pessoas?
Será criada uma corruptela, como chamamos aqui, com péssimos serviços, más condições de vida, altos preços (o cimento, por exemplo, está a 36 reais a saca). A vida da população já está comprometida.

CC: E como caminha a luta contra a construção das usinas, é realmente possível brecar os projetos?
IF
: As forças são muito desiguais. Nas instâncias de proteção dos direitos da sociedade, que são os Ministérios Públicos, há toda uma movimentação de informação e contra-informação, a fim de gerar uma oposição para o que dizem os construtores, mas o processo legal é muito lento e o retorno não vem em tempo, o que é um problema sério, pois se trata do canal legal de defesa. Fora isso, a sociedade fica vulnerável. Por mais que tente denunciar, não tem eco nos meios locais, a imprensa não dá cobertura a atividades que se opõem a esses empreendimentos. Além do mais, com vistas a cuidar do lado legal, a Procuradoria Geral da União colocou 10 advogados para acompanhar todas as ações que entrem contra o empreendimento, com o intuito de sufocá-las na fonte, evitando assim qualquer contratempo jurídico.
Enfim, é um processo totalmente articulado com todos os empréstimos que virão e atendendo às regras das financiadoras, de querer diminuir os problemas burocráticos. A sociedade fica desprotegida, mas tentamos ainda assim, mesmo sem recursos, ocupar os poucos espaços (igrejas, escolas, rádios comunitárias) para transmitir um maior conhecimento dos fatos à população. Também estamos tentando articular uma campanha internacional, iremos a um congresso em Barcelona para pressionar o governo brasileiro e as instituições financeiras a olharem com mais cuidado o caso, pois estão comprometendo toda a Amazônia, não só a brasileira, mas também a peruana e a boliviana.
O Madeira alimenta e é alimentado por centenas e milhares de outros cursos d’água e tal interferência pode significar a morte de muitos rios, sendo que, paralelamente, perdem as populações que dependem desse processo.

CC: Você destacaria interesses ‘ocultos’ por trás do Complexo Madeira?
IF
: É bem claro que esse empreendimento tem um objetivo muito evidente: viabilizar a hidrovia Madeira-Mamoré-Guaporé, para permitir o escoamento de grãos, o que é uma perspectiva de expansão da infra-estrutura na América do Sul. Ou seja, a expansão da soja pelo cerrado brasileiro e boliviano é fundamental para dar seqüência à lógica do capital na Amazônia. E o complexo do Madeira é a base disso. A idéia é viabilizar as duas barragens inicialmente, depois a terceira barragem em cachoeira, em Guajará-mirim, e criar todo esse leque de navegação para escoamento de grãos, barateando o processo. A lógica que está por trás de tudo é essa, não a de gerar energia para conter o apagão. Está ligada a muitos outros interesses, inclusive o mineral. Há alguns dias, o governo brasileiro assinou um protocolo de financiamento de uma carreteira que cortará toda uma região de potencial mineral perto do Peru. Portanto, são muitos interesses concatenados.
A integração que se quer construir é de infra-estrutura e economias, sem a preocupação de valorizar a cultura dos povos. Pelo contrário, se tiverem de ser colocados para fora para que o capital se instale, serão. E já estão fazendo isso, com toda propriedade, como se vê no STF, com os direitos indígenas sendo questionados. É um absurdo colocarem abaixo os direitos indígenas por conta das pressões políticas. E esse é todo um conjunto de questões que se relaciona com o que acontece no Madeira, pois temos índios isolados na região do rio sobre os quais a FUNAI não faz estudo algum. Isso porque, se fizer, inviabiliza o empreendimento. Portanto, é melhor manter tudo em silêncio e procurar alterar a lei o quanto antes para garantir que as coisas caminhem. É preciso entender todo esse cenário, pois não está em jogo o Madeira pelo Madeira, e sim toda a Amazônia.

CC: De toda forma, o abastecimento energético é um problema a ser enfrentado pelo país no curto prazo. Não se construindo as usinas, quais alternativas você acreditaria serem as mais adequadas para a garantia do fornecimento energético do país nos próximos anos?
IF
: Quando olhamos para a questão mais micro, vemos que as PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas) seriam um caminho. O Madeira tem uma correnteza muito forte em seu curso, o que permitiria que se instalasse por lá essas usinas hidrocinéticas, que são um sistema de turbina, como uma roda d’água no rio, que com sua força vai gerando energia, agregando vários pequenos blocos e gerando um maior. Mas tudo isso se encaixaria num processo de produção para atender a demanda regional. No entanto, não é isso que se pretende com o Madeira, cujo projeto é atender à demanda nacional. Tanto é assim que, na discussão em torno do sistema de transmissão, se será alternada ou contínua, a alternada perderá, pois custaria mais 10 bilhões, conta que ninguém gostaria de pagar. Portanto, optar-se-á pelo sistema contínuo, o que custará para a Amazônia uma continuidade no isolamento da energia, que será capitalizada por outros cantos.
Estudos feitos por pessoas e institutos sérios, como Unicamp e WWF (World Wide Fund), já analisaram que, se pegarmos todas as usinas já existentes e as repotencializarmos, teríamos dois Madeiras ou mais de aproveitamento das barragens já existentes, com muito menos impacto ambiental. Mas não tem lobby pra isso! Não é interessante para o lobby das turbinas, do cimento, do ferro, das empreiteiras de forma geral. E são elas que movimentam essas obras, capitaneando todo o processo.
Nós temos estudos e potencial para atender às demandas regionais, mas isso é relegado a segundo plano, porque não é interessante para o capital que pretende se instalar com toda essa força na Amazônia.
O olhar sobre a Amazônia ainda é o do colonizador: aproveitar os recursos naturais até as últimas conseqüências para gerar lucro. O que prevalece, infelizmente, é a lógica de grandes blocos de energia, concentração de poder, renda e tudo mais.
Apesar de tudo isso, a sociedade civil ainda se articula e resiste, de forma propositiva. O que colocamos é isso: somos contra o empreendimento do Madeira porque existem outras alternativas; o empreendimento Madeira é nocivo para a população, não somente a local, mas de todo o país, que terá de pagar um alto custo. Não teremos benefício algum, apenas custos, que já pagamos há muito tempo por essas práticas predatórias. Já tivemos o ciclo da borracha, o do minério, o do boi... Estamos perdendo a floresta para o boi; em Rondônia há 3,5 cabeças de gado para cada habitante e a maior parte da população não pode comprar carne. E por aqui, em Porto Velho, a população de periferia depende do peixe pequeno, do período do verão, da ida à cachoeira para pescar, pois é disso que vivem. Defendemos a qualidade de vida, melhorias de infra-estrutura, mas de acordo com o interesse e os direitos humanos das populações.

CC: Pensando mais especificamente nos impactos dessas obras no bolso da população, ao menos as tarifas tendem a diminuir?
IF
: Bom, tarifa de energia é como petróleo: ela é taxada, carimbada. E quando olhamos para a estrutura de um empreendimento desse porte, vemos a aplicação de centenas de derivados de petróleo em todo seu processo. Logo, carregam-se automaticamente todos os custos; é um ponto bem claro.
E tem mais: se vamos gerar tanta energia assim, que ao menos se aplique tarifa social para a população. Mas nem isso se discute aqui, tampouco se prevê fazê-lo para o futuro. Conclusão: o preço da energia será mais caro, pois todos os custos estarão embutidos na tarifa, ainda que fiquemos sem um kw sequer de energia de sobra, até porque, pelo andar da carruagem, o que a Aneel aprovará é a corrente contínua.
Dizem que com o sistema interligado Rondônia receberá energia também. Pode até ser, mas sabemos que tal sistema puxa mais energia, e, como não há nenhuma política de atração, quando terminar esse processo, todo mundo vai embora, levando o canteiro de obras para outro lugar. Além do mais, reitero, poderemos não ter mais nossa sobra de energia, devido à demanda que teremos nos próximos tempos por parte das novas empresas que virão dar suporte às obras. Dessa forma, vamos ficar a mercê do sistema interligado, que puxará nossa energia e nos deixará sem a sobra. E como não teremos condição de atrair investimentos, por não possuirmos um parque industrial, passaremos a conviver com o fantasma do apagão. Não tendo como puxar a energia gerada, ficamos com saldo negativo.
E ainda há o problema dos peixes. Ao trancar o lago nesse processo de construção, em 5 anos teremos problemas seríssimos de reprodução de peixes em todo e qualquer barramento, apodrecimento de vegetação e produção de gases tóxicos que acabarão com a vida dos peixes. Sem contar que, ao se represar qualquer rio daqui, a possibilidade de procriação de malária aumenta. Para as populações da região, isso compromete não só a saúde, como também a sobrevivência, do ponto de vista do trabalho. Se o leque de malária se amplia, fica muito complicado. Tem um caso até pitoresco aqui, o do povo indígena karitiana, que, no período de chuva, especificamente, sofre muito com a malária.
E o rio que banha a área deles está acima, ou seja, sofrerá influência no verão das cheias contínuas que eles pretendem impor ao Madeira, de Santo Antônio para cima. Logo, a possibilidade de esses rios que banham as terras indígenas subirem todo o seu lençol freático, mantendo uma cheia, poderá manter constante a malária. Será tudo em efeito cascata. Guajará-mirim, na fronteira com a Bolívia, nesse ano, teve uma das maiores cheias, sem nenhum barramento no rio. Tendo duas, e depois uma terceira barragem, todo o mercado local será comprometido.
Há também toda uma conseqüência dessa atração de imigração. Já temos seríssimos problemas com as áreas de preservação ameaçadas por grileiros. E com uma leva de pessoas jogadas à própria sorte, elas vão procurar o que fazer. São 20 mil vagas prometidas nas obras, mas isso durante 3 meses, e só no terceiro ano, sendo que as famílias já estão chegando hoje. Essa ocupação desordenada que vem em busca do sonho do emprego é uma grande ameaça. A cidade já é complicada, dentro da proporção populacional é uma das mais violentas do país. E com mais famílias migrando para a periferia, os índices de violência, tráfico e prostituição só aumentariam. Esses são apenas alguns processos que podemos elencar, mas existem outros, como a expansão da soja.
Na região acima de Jirau já existe uma região sendo preparada para a soja, ou seja, estão rumando ao Acre - o que afetaria projetos discutidos há décadas no estado, que agora se vêem ameaçados com as pastagens de soja, dando uma perspectiva de eixo de saída para o Pacífico. Enfim, é um cenário bem complexo.

CC: Que fontes de energia renováveis você acredita terem mais potencial e que mereceriam mais investimentos do país?
IF
: Na Amazônia tem Sol o tempo todo, portanto, a energia solar é estratégica, ponto fundamental. Poderia garantir-se nessa grande região, junto às comunidades locais, blocos de captação de energia solar e colocá-los no sistema. Ela é cara, porém, está disponível o ano todo.
As PCHs, como já disse, também são outra alternativa viável. Elas já foram implantadas em algumas pequenas regiões amazônicas e, apesar de não estarem obedecendo a muitos critérios e as formas como foram elaboradas terem trazido problemas na região de Rio Branco, esse é um modelo que possibilita desenvolvimento sustentável para as populações. A hidrocinética tem potencial muito grande no próprio Madeira. A carga é pequena? Correto, mas, juntando pequenas cargas, pode-se conseguir uma maior, isso é algo lógico.
Tem também a opção da biomassa. Desperdiçamos em Rondônia - da casca do arroz, do café, de todos os produtos que se colhem aqui - muita biomassa. No processo de queima há certa poluição, é verdade, mas já existem tecnologias que diminuem a emissão de poluentes.
E temos ainda os óleos vegetais. Inclusive faço parte de um projeto de um grupo de pesquisa de energia sustentável da Universidade Federal de Rondônia. Estamos trabalhando com babaçu para gerar energia para as comunidades da região do Guajará-mirim, aproveitando também a cadeia produtiva deles, desde a casca até a utilização do óleo para fins medicinais, alimentícios, de higiene e limpeza. Temos uma diversidade de oleaginosos nativos na região, que não é biodiesel, que pode ser trabalhada no processo de geração de energia para essas comunidades isoladas.
Todas são opções que oferecem condições de desenvolvimento e qualidade a essas famílias.

CC: E não seria possível a demanda nacional também ser contemplada por essas alternativas?
IF
: Sim, claro, pois, se o sistema está interligado, toda essa possibilidade de co-geração e diversidade de fontes é jogada no sistema. Mesmo tratando-se de pequenas cargas, vão se juntando todas e gerando cargas maiores.
Mas acontece que o PROINFA (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica) não funciona, não vale para a região amazônica. Temos algumas iniciativas para o Sul e Sudeste, mas, para as regiões do Norte/Nordeste do país, não se implementa nada do PROINFA. Isso é um problema sério, pois se perde todo um potencial dessas regiões e não se trabalha nada. Já existem projetos de pesquisas que demonstram a viabilidade dessas fontes, mas não se trabalha nada.
Temos possibilidades, muitas, a questão, portanto, é transformá-las em políticas públicas. Isso depende do poder público e dos nossos representantes. Infelizmente, o lobby político fala mais alto e acabam prevalecendo as mesmas propostas de sempre.
É certo que o processo hidrelétrico é mais limpo que o térmico, porém, dependendo de como se faz, pode ser tão nocivo quanto, inclusive colaborando para a produção de gases para o efeito estufa. Existem diversos artigos que tratam desse tema, de que as usinas, de modo particular na Amazônia, contribuem significativamente para a emissão de gases causadores do efeito estufa.

Licença para hidrelétricas abre caminho para privatização irrestrita do Madeira

Escrito por Luis Fernando Novoa Garzon
20-Ago-2008 – Fonte:
Correio da Cidadania

A emissão da Licença de Instalação da Usina Hidroelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira, a 13 de agosto, à revelia das pendências e irregularidades que se mantêm desde o licenciamento prévio, é realmente um fato revelador. O IBAMA, mutilado no que sobrava de sua autonomia técnico-administrativa, mostrou-se bem à vontade na sua nova condição de fiel despachante dos grandes projetos do PAC. O ministro Minc teve mais uma oportunidade para confirmar sua condição de destravador geral do que for do interesse específico de empreiteiras, mineradoras, petrolíferas e congêneres. Que ninguém duvide do empenho do governo Lula em disponibilizar mais energia barata para os setores eletrointensivos e em privatizar os rios da Amazônia e territórios conexos.
A definição da viabilidade e da adequação para a instalação da primeira hidroelétrica no rio Madeira não teve qualquer escora em critérios técnicos. Ao contrário, o que se viu foi um reiterado contorcionismo "técnico-científico" procurando ocultar riscos estruturais do projeto como a sedimentação acelerada quando fechados os reservatórios, as inundações decorrentes, a remobilização do mercúrio acumulado por décadas de garimpo na região, a interrupção do ciclo migratório dos peixes sem que haja sistemas de transposição testados para o bioma amazônico e a bomba demográfica e social a eclodir em Porto Velho, cidade desaparelhada de equipamentos sociais e urbanos e sem previsão de possuí-los.
Governo e concessionárias simplesmente se eximiram de calcular e prever os danos potenciais em nome da imensa potencialidade dos benefícios descolados desses mesmos danos. Os patrocinadores do Projeto Complexo Madeira não estão agindo diferentemente de conhecidos conglomerados financeiros que se capitalizam no curto prazo com papéis podres, demonstrativos contábeis artificiosos e maquiagens dos rombos. A velha fórmula de socialização dos prejuízos levada a um extremo canibalístico. Sem ocultação e disfarce dos problemas de fundo do projeto ele não se capitaliza, e só se licencia à base do estupro institucional, da ruptura até mesmo com os marcos já muito flexíveis do processo de licenciamento ambiental no país.
Antes de sofrer a intervenção por conta do "atraso" na emissão da Licença-Prévia dessas usinas, o IBAMA emitiu em março de 2007 um parecer técnico que dizia que os estudos apresentados não forneciam margens mínimas de segurança e de verificabilidade quanto aos seus impactos cruciais. O que há, portanto, é um parecer técnico inconclusivo, seguido de um parecer técnico "conclusivo" nada digno desse nome, elaborado por uma equipe despossuída de autonomia operacional, sob enorme pressão política e dos mercados e sem contar com informações adicionais, visto que os estudos considerados insuficientes não foram refeitos.
Tanto as condicionantes da Licença-Prévia, licença que vale para as duas usinas, como as condicionantes da Licença de Instalação, licença que vale neste momento para Santo Antonio, dão evidência dessa precarização institucional. As 33 condicionantes iniciais requeriam diagnósticos que deveriam estar consolidados nos estudos ambientais prévios, ou seja, a tarefa do monitoramento de parâmetros pré-definidos foi substituída pela construção desses parâmetros durante as fases seguintes, o que significa na prática que é o próprio empreendedor que certifica a adequação social e ambiental de sua obra. Temerário caminho que se faz ao caminhar guiado por interesses particularistas cegos ao que não for faturamento e lucro. Temerário modo de compatibilizar grandes desastres com grandes negócios.

Calamidade anunciada e condicionada

As 40 condicionantes apensadas à Licença de Instalação jogam novamente para frente o monitoramento-diagnóstico que é a tônica do auto-licenciamento das usinas pelas próprias concessionárias. Adicionalmente, impõe-se aquilo que seriam "compensações paralelas" aos efeitos colaterais das obras. O Consórcio MESA S.A., durante o período de concessão (35 anos), terá de "adotar" a manutenção e custeio da Estação Ecológica de Jaru, no interior de Rondônia, e do Parque Nacional do Mapinguari, no sul do Amazonas, junto com a Eletrobrás (LI/2.43). Isso significa terceirizar a gestão das florestas públicas em reforço progressivo à lógica de sua privatização. O consórcio deve também financiar a delimitação definitiva das terras indígenas Karipuna e Karitiana (LI/2.45). Essas medidas seriam a sinalização de um mea culpa, na verdade uma confissão e meia do que representa o início dessa construção em termos de especulação fundiária nas margens do rio, de adensamento do arco de fogo e de expansão desordenada da fronteira agrícola sobre as florestas remanescentes e os territórios das populações tradicionais.
A condicionante referente ao Programa de Conservação de Peixes (LI/2.17) propõe somente agora a realização de amostragem do ictioplâncton, conjunto de larvas e ovos de peixes, das cabeceiras do rio até Humaitá e, em seguida, a medição da contribuição da bacia do Madeira em relação à bacia Amazônica. O que deveria ser exigência e requisito prévio converte-se em pedido de registro do desastre em curso. Para suavizar esta hipótese, é solicitada ao consórcio a apresentação de proposta de um segundo Sistema de Transposição de Peixes (STP), na margem direita do rio (LI/2.20). Duplica-se assim a insanável impropriedade de um mecanismo projetado sem estudos exaustivos acerca dos peixes migradores do Madeira, de seu ciclo reprodutivo, de sua dinâmica temporal-espacial na bacia. Mesmo os especialistas contratados para atestar a viabilidade desse STP nada mais puderam senão estimar que eram "boas" as chances de seu funcionamento. Agora podemos ficar tranqüilos com a torcida redobrada pelo êxito do mecanismo? As milhares de famílias ribeirinhas brasileiras e bolivianas, que retiram parte substancial de sua renda da pesca dos bagres migradores ao longo da bacia do Madeira, podem ficar tranqüilas? "Nervoso, vai pescar!", diz o ditado corrente na região mais piscosa da Amazônia. O problema com as usinas será ficar nervoso por não pescar, sem mais poder pescar.
Outra lacuna exemplar foi a ausência de estudos detalhados a jusante e que agora são requeridos. A condicionante 2.9 em seu item H requer finalmente o monitoramento dos processos erosivos a jusante e o reconhecimento da ocupação e o registro dos usos dos meios físico, biótico e antrópico. Comprova-se mais uma vez a metodologia de encobrir riscos estruturais, permitindo que o próprio concessionário possa aferi-los e maquiá-los no decorrer do licenciamento.
Igualmente crucial seria a avaliação anterior da qualidade da água e riscos de sua contaminação com a construção de uma usina a cerca de 7 km do centro da cidade de Porto Velho. Mas foi somente na autorização da instalação da primeira usina é que se exigiu o diagnóstico da sazonalidade do lençol freático e verificação da qualidade da água alternadamente nas estações seca e chuvosa. Sabendo que as águas do Madeira logo abaixo do reservatório ficarão comprometidas, o IBAMA gentilmente solicita "verificar se as estruturas de captação de água de Porto Velho são adequadas para mitigar o impacto, e se assim não forem, prever sua reestruturação." (LI/2.11-J). Para a melhoria do sistema de saneamento de Porto Velho, hoje praticamente inexistente, prevê-se, portanto, investimentos do consórcio de até 33 milhões de reais (LI/ 2.44). Pode-se dizer que esta obrigação resulta da aplicação do princípio poluidor-pagador em que se taxa o lucro obtido com atividades poluentes. Torna-se moeda de troca para o consórcio aquilo que o governo do estado e a prefeitura nunca priorizaram. A exigência de investimentos na expansão da rede de saneamento do município significa que a grande maioria da população, doravante, terá o atendimento de um direito fundamental atrelado a uma negociação público-privada.
A condicionante referente ao Programa de Remanejamento da População (LI/2.27) requer que se insira no processo de negociação do deslocamento de pessoas um Caderno de Preços regional, com instrumentos de verificação de sua validade, o monitoramento da reinserção social e recomposição da qualidade de vida, com indicadores qualitativos e quantitativos comprovadores dos níveis de recomposição. Assim como ocorre com os demais programas constantes no Projeto Básico Ambiental, o que se apresenta aqui é um conjunto de boas intenções subscritas pelos empreendedores. Na prática, o Consórcio MESA, antes mesmo da emissão da Licença de Instalação, já iniciou os trâmites de retirada da população ribeirinha da área do canteiro de obras, sem observar qualquer proporcionalidade nas negociações.
As famílias da comunidade de São Domingos, na margem esquerda do rio, foram individualmente pressionadas a aceitar a proposta indenizatória feita pelo consórcio, tendo como "opção" receber em juízo. Os valores indenizatórios impostos unilateralmente pelo consórcio variaram de 1.700 a 3.000 reais o hectare, enquanto é notório que não se adquire terreno próximo ao rio e ao centro urbano, para o qual os ribeirinhos dirigem ainda sua produção agroextrativista, por menos de 7 mil reais o hectare, valor em ascensão desde o anúncio das obras. Depois da primeira leva de despejo, referencial para os demais desapossamentos, é que chegam os critérios? Essas "negociações" então serão refeitas ou veremos mais letra morta para combinar com a paisagem de morte do rio e das culturas que sempre abundaram a seu redor?

O banquete do rio Madeira

Não se supõe aqui "impacto nulo" de qualquer empreendimento, mas sim que se apresente o impacto previsível, por meio de estudos fidedignos. Deveria ser obrigação do empreendedor prever todos os efeitos desfiguradores que sua obra irá acarretar e se responsabilizar por cada um deles, antecipando-se. Nem esse mínimo legal, que deveria servir de patamar inicial, tratando-se de um megaprojeto em região tão preciosa e delicada, foi observado no caso das usinas no rio Madeira. O que se viu foi protelação de informações cruciais, rebaixamento de exigências e muita sede de todos os interessados para se chegar ao pote. Estão literalmente pagando para ver, ou para que não se veja, imponderáveis inaceitáveis na construção dessas usinas, tendo em vista os direitos da população brasileira e boliviana ameaçada, o frágil equilíbrio do bioma amazônico e todas as precauções decorrentes.
Houvesse rigor técnico e diálogo efetivo com as populações do entorno dessas usinas, não se viabilizariam ou seriam necessários mais alguns anos para serem viabilizadas em formato muito distinto, e que certamente não conviria ao setor privado interessado na janela de oportunidade dos preços crescentes da energia no "mercado livre" e nas facilidades creditícias e regulatórias que o governo vem oferecendo para fazer valer esse projeto piloto do Madeira. Piloto porque virão muitos outros em sua esteira, buscando o "aproveitamento ótimo" dos rios da Amazônia pelo setor privado, direta e indiretamente.
Um projeto que se lastreia na e por causa da eliminação de salvaguardas técnicas e legais e dos direitos sociais e ambientais só se mantém de pé pelo arbítrio de quem paga a conta e de quem depois carimba. Arbítrio privado-público imune a questionamentos de mérito e de forma, pois erigido em nome de todos. Estado de exceção para exorcizar o risco apagão, laboriosamente magnificado pelos interessados justamente em expandir a geração hidroelétrica a qualquer preço. Trata-se de um ensaio geral de um salvo-conduto para os grandes projetos de infra-estrutura considerados prioritários pela "nação". Fast track (via rápida e incondicionada) para aquilo que as transnacionais considerarem prioritário acessar e controlar no país.
A frágil engenharia do projeto precisou contar com a cobertura de uma pesada engenharia política para ser aprovada. Quem patrocina o jogo dita as regras do mesmo, e, a cada momento, como lhe convier. Licenciamento self-service, móvel, auto-licenciamento, são conceituações que espelham bem a forma como esse projeto foi e está sendo entronizado. A oferta do rio Madeira em banquete oligopolista é que permitiu à transnacional Suez, que controla o consórcio "Energia Sustentável do Brasil", vencer o leilão de Jirau com uma proposta de tarifa que trazia embutida a mudança de localização do eixo de barramento. O consórcio Madeira Energia, controlado pela Odebrecht, agora reclama da mesma liberalidade que lhe beneficiou desde o início. O governo, o instituidor do boca-livre com o bem público que é o rio Madeira, pediu "civilidade" aos comensais para que tenham bons modos à mesa. Ameaça hipotética de (re)estatização para que se calcule bem o quanto vale a privatização do maior afluente do rio Amazonas.

Luis Fernando Novoa Garzon é sociólogo, professor da Universidade Federal de Rondônia e membro do Fórum Independente Popular do Madeira.

E-mail:
l.novoa@uol.com.br
*Acesso à LI de Santo Antonio na íntegra: http://www.ibama.gov.br/licenciamento/modulos/documentos.php?COD_DOCUMENTO=22393

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Grito dos Excluídos prepara manifestações para a semana do 7 de setembro



Carta da Comissão 8/CNBB apoio ao 14º Grito de 2008

Irmãos e Irmãs! Companheiros e companheiras!
A Coordenação Nacional do Grito dos Excluídos, juntamente com as Pastorais Sociais e movimentos populares, conta com o apoio e a participação de todas as comunidades, escolas e organizações sociais na realização das diversas atividades do Grito Nacional, a se realizarem em muitas localidades do nosso país na semana que antecede o dia 7 de setembro. Neste ano, na sua 14ª edição, o Grito dos Excluídos reforça a Campanha da Fraternidade, tendo como tema "A Vida em primeiro lugar – Direitos e participação popular".
Uma das maiores atividades do Grito dos Excluídos acontece no dia 7 de setembro, no Santuário Nacional de Aparecida, juntamente com a Romaria dos Trabalhadores. Nos estados, municípios, dioceses e paróquias, as iniciativas visam somar esforços em defender todas as formas de vida, desde o seu início até o seu declínio natural. O grito visa também: lutar contra as formas de exclusão e as causas que levam o povo a viver em condições de vida precárias e muitas vezes sem perspectiva de futuro; denunciar a política econômica que privilegia o capital financeiro em detrimento dos direitos sociais básicos; construir alternativas que tragam esperança aos excluídos e perspectivas de vida para as comunidades locais; promover a pluralidade e igualdade de direitos, bem como o respeito nas relações de gênero, raça e etnia; multiplicar assembléias populares para discutir a organização social a partir do município, fortalecendo o poder popular em tempos de eleições municipais.
Diante de situações de exclusão, Jesus defende os direitos dos fracos e o direito a uma vida digna para todo o ser humano. O compromisso com esta causa nos compromete com o esforço de superação da exclusão em nosso país, participando da construção de uma sociedade justa e solidária.

Dom Pedro Luis Stringhini – Presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz.
Website:
http://www.gritodosexcluidos.org/
E-mail:
gritonacional@ig.com.br

Crise de alimentos?

Escrito por William Luiz da Conceição - 18-Ago-2008
Fonte:
Correio da Cidadania

Há mais de quatro meses o mundo se vê apreensivo por conta de uma supostamente grave e aguda crise de alimentos, que afeta principalmente os países taxados como "subdesenvolvidos ou atrasados", mesmo tendo estes as maiores áreas plantáveis do mundo. Segundo o relatório de Direitos Humanos da ONU, mais de 100 mil pessoas, em especial crianças e idosos, morrem de fome todos os dias.
No Brasil, além do aumento no preço de alimentos básicos e mais utilizados pela maioria da população, como o arroz e o feijão, parece que o fantasma do passado chamado inflação começa a atormentar novamente. Num supermercado em Joinville, um quilo de feijão "carioquinha" chegou a custar 10 reais no mês de julho.
A grande mídia, principalmente a Rede Globo e seu jornalismo, omite os debates acerca desse problema de alimentos realizando matérias superficiais que mais confundem do que esclarecem a população, informando que o problema é de falta de alimentos, o que não é verdade, porque a produção mundial cresceu 4% na safra 2006/07 e a produção de milho cresceu 24% em todo o planeta. "Com os recursos naturais que temos, bem como a produção já disponível, poderíamos alimentar sem problemas 12 bilhões de pessoas. Quase o dobro da população mundial atual, que é de 6,2 bilhões", comenta o presidente da FAO, Jacques Diouf. Então, quais os verdadeiros motivos para essa "crise de alimentos"?.
A crise da produção de alimentos é conseqüência da liberação geral do comércio de produtos agrícolas, possibilitando que as empresas transnacionais como Bunge, Monsanto, Cargill, ADM, Nestlé, Unilever, Syngenta, Coca-Cola, Parmalat, Danone, Ralston Purina e outras controlem a produção e o comércio dos principais produtos agrícolas (sementes, fertilizantes e maquinários). É também fruto das políticas neoliberais iniciadas na década de 90 e fortalecidas nos governos FHC e Lula, que estão tirando a capacidade do Brasil de produzir alimentos que nossa população necessita graças a uma política voltada ao agronegócio e à monocultura, principalmente da cana-de-açúcar e da soja para exportação, e tendo o mercado (multinacionais, latifundiários e especuladores) controlado as bolsas de produtos agrícolas, de compra e venda atual, possuindo assim o poder de manipular os preços de alimento básicos, sem benefício algum aos pequenos e médios agricultores e também aos camponeses (maiores produtores de alimentos, responsáveis por cerca de 65% do total consumido internamente). São esses e os mais pobres que acabam como as maiores vítimas mundiais.
"A fome e a desnutrição não são efeitos de fatalidade ou de eventos geográficos. Ela é resultado da exclusão de milhões de pessoas do acesso à terra, à água, às sementes, dos conhecimentos e bens da natureza para produzirem sua própria existência. Ela é resultado das políticas impostas pelos países desenvolvidos, por suas transnacionais e seus aliados nos países pobres do sul, na perspectiva de manter a continuidade da hegemonia política, econômica, cultural e militar sobre o atual processo de reestruturação econômica global". Assim declara o relator de direitos da alimentação das Nações Unidas, sr. Jean Zigler.
Ainda no atual momento, discutem-se os problemas e contribuições dos agrocombustíveis na crise e, segundo o relator da ONU para os Direitos Humanos, "a expansão do cultivo dos agrocombustíveis é uma temeridade, substitui os alimentos, eleva os preços e se constitui num crime contra os pobres". Na região centro-sul do Brasil, maior defensor internacional do etanol, já se vê a cana-de-açúcar substituindo as lavouras de milho, mandioca e feijão, assim como a pecuária de leite e a pecuária de corte. O governo Lula dá a seguinte explicação sobre o aumento dos preços: "A culpa é dos subsídios que os governos dos países ricos dão aos seus produtores. Se caíssem os subsídios, os agricultores do sul poderiam aumentar sua produção e exportar para eles a menor preço". O presidente critica outros países por protegerem seu mercado e investirem em seus produtores, mas por que não faz o mesmo no Brasil?
Portanto, não há uma crise de alimentos. Há uma situação de aumento especulativo dos preços, que não está relacionada com a oferta e a procura. A causa da fome e da desnutrição está relacionada com a distribuição de renda nos países, com a oportunidade de trabalho e, fundamentalmente, com a falta de políticas que estimulem e garantam a produção agrícola. Hoje, as 255 maiores fortunas pessoais do mundo somadas são equivalentes a toda a renda de 2,5 bilhões de pessoas, ou seja, acumulam o mesmo que 40% de toda população mundial. Nos últimos 5 anos, não houve diminuição da produção, pelo contrário, a produção seguiu crescendo mais do que a população do planeta.
Também o modo de produção agrícola baseado no uso intensivo de fertilizantes químicos, agrotóxicos e a mecanização intensiva (Revolução Verde) têm afetado o equilíbrio e a fertilidade dos solos, além de ameaçar a água potável. Devido a essas técnicas que exigem irrigação intensa, hoje se consome 70% de toda água potável do mundo na agricultura. Estima-se que desde a Revolução Verde (monocultura de pinos, eucalipto etc.), cerca de 45 milhões de hectares tenham sidos danificados, bem como há hoje, no mundo, 1,6 bilhões de pessoas que não têm acesso à água necessária. Esse modelo tecnológico está fadado ao fracasso em todo planeta.
A Via Campesina Internacional, através dos movimentos sociais, entrega propostas para a saída dessa "crise" e pontua algumas necessidades, como a de reconstruir as economias baseadas em políticas que busquem e incentivem a soberania alimentar de cada país; regular e controlar o mercado internacional de produtos agrícolas e aplicar direitos básicos; garantir e estimular a produção de alimentos entre seus principais produtores – os camponeses; impedir que a OMC (Organização Mundial do Comércio) siga ditando normas para o comércio agrícola mundial; realizar a reforma agrária nos países nos quais as terras não foram democratizadas.
É necessário que os estados retomem com todas as forças as políticas agrícolas públicas, porém agora voltadas apenas para a agricultura camponesa, tendo como principais políticas agrícolas necessárias o crédito rural subsidiado na produção, garantia de compra da produção camponesa, seguro agrícola, assistência técnica, extensão rural do Estado (gratuita), sistema de armazenamento público e a subordinação da produção de agrocombustíveis às políticas de soberania alimentar e energética, ou seja, que não substitua áreas de produção de alimentos e nem afete biomas e ecossistemas ricos como a Amazônia, mas que seja combinada em pluricultura. Assim, cada comunidade pode produzir, sem monocultivo, a energia e o alimento de que precisam para seu bem-estar.

Willian Luiz da Conceição é militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra em Santa Catarina.
Contato:
ligaspartakus@gmail.com

O capital internacional está dominando a agricultura brasileira

Hoje, quase todos os ramos de produção agrícola estão controlados por grupos de empresas oligopolizadas, que se coordenam entre si.
Por João Pedro Stédile (*).

Nos últimos anos houve um processo intensivo e permanente de concentração e centralização das empresas que atuam e controlam todo processo produtivo da agricultura mundial.
Concentração é o conceito utilizado pela economia política para explicar o movimento que as grandes empresas fazem. Ir aglutinando, acumulando e se constituindo em grandes grupos. Assim, em cada ramo de produção vai se gerando uma situação de oligopólio, em que algumas poucas empresas controlam aquele setor. O segundo movimento do capital foi a centralização, que é a situação em que uma mesma empresa passa a controlar sozinha vários setores de produção, às vezes sem mesmo relação entre si.
Esses dois movimentos lógicos do capital foi complementado no setor agrícola com um processo de internacionalização do controle do mercado e do comércio a nível mundial. Ou seja, algumas empresas passaram a atuar em todos os países e controlar o mercado a nível mundial.
Esse movimento do capital, que era mais perceptível desde a teoria do imperialismo nas grandes empresas industriais, nos últimos dez anos passou a dominar também o setor agrícola. E o pior, agora, sob a hegemonia do capital financeiro, a velocidade e o volume de capital que aportou na agricultura veio com muito mais força e abrangência, do que havia acontecido nos demais setores produtivos ao longo do século 20. E isso aconteceu, porque nos últimos anos acumulou-se nos países ricos, muito capital na forma de dinheiro, ou seja capital financeiro. E esse capital foi se deslocando para a compra de ações das empresas mais lucrativas também do setor primário. Assim, em poucos anos, por efeito da aplicação desse capital financeiro na compra de ações, a concentração e a centralização se deu de forma impressionante.

Resultado

Hoje, quase todos os ramos de produção agrícola estão controlados por grupos de empresas oligopolizadas, que se coordenam entre si. Assim, no controle da produção e comércio de grãos, como a soja, milho, trigo, arroz, girassol, estão apenas a Cargill, Monsanto, ADM, Dreyfuss, e Bungue, que controlam 80¨% de toda produção mundial. Nas sementes transgênicas, estão a Monsanto, a Norvartis, a Bayer e a Syngenta. Com controle de toda produção. Nos lacticínios e derivados encontramos a Nestlé, Parmalat e Danone. Nos fertilizantes, aqui no Brasil, apenas três empresas transnacionais controlam toda produção das matérias primas: Bungue, Mosaico e Yara. Na produção do glifosato, matéria prima dos venenos agrícolas, apenas duas empresas: Monsanto e Nortox. Nas máquinas agrícolas também o oligopólio é divido entre a AGco, Fiat, New Holland, etc.
Esse movimento que se desenvolveu a partir da década de 90, se acelerou nos últimos dois anos, com a crise do capitalismo nos Estados Unidos. As taxas de juros nos países centrais caíram ao nível de 2% ao ano, e, comparado com a taxa de inflação levou a que os bancos percam dinheiro. Então, o capital financeiro para a periferia dos sistema para se proteger da crise e manter suas taxas de lucro. Nos últimos dois anos, chegaram ao Brasil cerca de 330 bilhões de dólares na forma de dinheiro. Parte desse recurso foi aplicado através dos bancos locais, para incentivar as vendas a prazo, de Imóveis,eletrodomésticos, e automóveis, a taxas médias de 47% ao ano. Uma loucura, comparado com as taxas dos países desenvolvidos.
Outra parte do capital foi aplicado na compra de terras. Reportagem da Folha de São Paulo estimou que o capital estrangeiro comprou nos últimos anos, mais de 20 milhões de hectares. Em especial nas regiões do centro-oeste e na nova fronteira agrícola do chamado Ma-pi-to, (Maranhão, Piauí e Tocantis) aonde os preços das terras estavam muito baixos. Outra parte rumou para a amazônia em busca de áreas de minérios, de projetos de hidrelétricas, e garantindo a posse de imensas áreas de biodiversidade que mais tarde darão retorno para serem exploradas por seus laboratórios.
Na área de celulose, três grandes grupos norueguês (aracruz), sueco-finlandês (stora enzo)e americano (international paper) deslocaram toda sua produção para as ricas condições edafoclimáticas encontradas no Brasil. Assim, estão previstos uma expansão do monocultivo do eucalipto em toda região que vai do sul da Bahia até a fronteira com o Uruguai e mais seis novas fábricas projetadas. Serão milhares de hectares desse plantio industrial que destrói tudo e se transforma num verdadeiro deserto verde.
Também, houve elevada aplicação de capital estrangeiro na expansão do monocultivo da cana de açúcar para produção e exportação de etanol. A área de cana passou de 4 para 6 milhões de hectares. Há projetos para 77 novas usinas de etanol, que serão construídas ao longo de quatro grandes alcodutos projetados para trazerem o álcool do centro oeste para os portos de Santos e Paranaguá. E da região de Palmas(TO) para o porto de São Luis (MA). Dois desses alcodutos são da Petrobras e dois serão de investidores estrangeiros.
Aceleraram também seus investimentos na produção e multiplicação de sementes transgênicas, em especial do milho. Daí a pressão e o lobby das empresas Syngenta, Monsanto e Bayer, para que o governo liberasse suas variedades de milho transgênico. Algumas dessas variedades estão proibidas na Europa, mas por aqui... vale tudo!

O agronegócio

Essa avalanche do capital estrangeiro no controle de nossa produção agrícola, nos insumos e na expansão dos produtos para exportação só foi possível, em função da aliança que se produziu daquelas empresas com os fazendeiros grandes proprietários de terra. Os fazendeiros entram com grandes extensões de terra, com a depredação do meio ambiente e com a super-exploração do trabalho agrícola, as vezes até com trabalho escravo, e se associam subordinadamente a eles.
Nesse modelo agrícola, que chamamos de agronegócio, é o casamento das empresas transnacionais com os grandes proprietários de terras. Nele não há espaço para a agricultura familiar, camponesa. Não há espaço para o trabalho agrícola. Pois usam alta tecnologia, mecanização em todos os níveis e agrotóxicos.
O resultado já se percebe nas estatísticas. O Brasil está virando uma grande monocultura para exportação. Uma espécie de re-colonização agro-exportadora, lembrando os tempos do império. Dos 130 milhões de toneladas de grãos produzidos, nada menos de 110 milhões são apenas de soja e milho. A pecuária bovina fica com 300 milhões de hectares, para produzir para exportação. E o restante um imenso deserto verde do eucalipto. Esse é o modelo brasileiro! Dará muito lucro para alguns fazendeiros e para poucas empresas estrangerias. Já o povo brasileiro ficará com o passivo ambiental, com o desemprego e a pobreza.

Contradições afloram rápido

As contradições desse modelo perverso afloraram com rapidez. O preço dos alimentos disparou, fruto da especulação do capital financeiro nas bolsas e o controle oligopólico do mercado pelas empresas. Dobrou, em dólares, no ultimo ano. Os alimentos estão cada vez mais contaminados pelo uso intensivo de venenos. E o agro-negócio não consegue produzir alimentos sadios, sem agrotóxicos. Só agricultura familiar e camponesa consegue. A produção intensiva de etanol na forma de monocultivo da cana, não ameniza os problemas do aquecimento global, ao contrário, os agrava. O maior problema dos combustíveis não é apenas o petróleo, é sobretudo a forma de transporte individual, turbinado pelo capital financeiro no aumento de vendas de veículos a prazo. Transformaram nossas cidades num inferno.
Essa forma de monocultivo exaure os recursos naturais, o solo, o lençol freático e afeta a qualidade e localização das águas. O monocultivo destrói a biodiversidade e desiquelibra o meio ambiente da região.
Frente a essa situação é que os movimentos sociais reunidos na Via campesina Brasil resolveram se juntar e aumentar seus protestos. Nos últimos meses se multiplicaram os protestos de camponeses em todos os estados do país. Contra o modelo e contra a atuação das empresas transnacionais, como a Monsanto, Cargill, Syngenta, Bungue. Bayer, etc. Esses protestos tem servido como uma espécie de pedagogia de massas. Um alerta para que a sociedade brasileira desperte para a gravidade do problema e para suas conseqüências futuras.

A resposta das empresas...

As empresas estrangeiras e seus cães-de-guarda nacionais sabem dos problemas sociais e ambientais que causam. E não tendo razão na sua forma de dominar a natureza, resolveram enfrentar os movimentos da Via Campesina com diversas táticas combinadas.
Primeiro, campanhas publicitárias milionárias, com artistas famosos, na imprensa. Segundo, manipulação de setores direitistas do judiciário e do Ministério publico, que aderem a eles por ideologia, para que criminalizassem com muitos processos aos líderes e militantes sociais. E aonde nada disso resolve, apelaram para a repressão, em especial naqueles estados governados por partidos direitistas como no Rio grande do Sul, São Paulo, Rio e Minas Gerais, aonde os governos não êxitam em atiçar as policias militares na repressão violenta aos movimentos.
Engana-se que achar que esse tipo de problema se resolve com publicidade ou com repressão. Trata-se de uma disputa histórica entre duas formas de produzir alimentos. Uma que busca apenas o lucro, mesmo envenenando a natureza e seu produto. E a outra que visa a produção de alimentos saudáveis como um direito de toda população. Muitas batalhas haverão, certamente.

(*) João Pedro Stedile, membro da Coordenação Nacional da Via Campesina Brasil. Publicado originalmente na Agência Brasil de Fato (
leia aqui).