quarta-feira, 28 de outubro de 2009

III SEMINÁRIO MARXISMO E HISTÓRIA


O GETTHI-MARX (Grupo de Estudos de Teoria e Trabalho de História em Marx), fundado em 2004 por graduandos de História da UFRJ, realizará, nos dias 10, 11 e 12 de novembro, o seu III Seminário Marxismo e História.
Essa iniciativa insere-se na proposta do grupo em ampliar a esfera de atuação da teoria marxiana e disputar o pensamento acadêmico e da sociedade em geral. Além do seminário organizado anualmente, este ano estamos lançando a nossa primeira publicação impressa, a Revista Omnilateral. Através deste veículo, procuramos dar visibilidade à pesquisas e formulações teóricas a partir da perspectiva marxista.
Para mais detalhes sobre o seminário, ver o folder virtual que acompanha essa mensagem, ou contactar revistaomnilateral@gmail.com

Segue a programação do evento:

III SEMINÁRIO MARXISMO E HISTÓRIA

Local: Salão Nobre do IFCS/UFRJ - Largo de São Francisco, nº1 – Centro – Rio de Janeiro/RJ.

10 de Novembro de 2009 (Terça-Feira)

10:00: “40 Anos de Woodstock: Contra-cultura, Rebeldia e Rock n’ Roll”
Convidados: Prof. Francisco Carlos Teixeira (História/UFRJ), Pedro Rocha (Doutor em Filosofia);

18:00: “Paradigmas da História em Perspectiva”
Conferência: Profa. Virgínia Fontes (História/UFF);

11 de Novembro de 2009 (Quarta-Feira)

10:00: “1929-2009: A Crise Ontem e Hoje”
Convidados: Demian Mello (Doutorando em História/UFF), Prof. Mauro Iasi (Serviço Social/UFRJ), Ricardo Gilberto (Mestrando em História/UFF);

18:00: "Os 30 Anos da Lei de Anistia”
Convidados: Profa. Anita Prestes (História/UFRJ), Prof. Renato Lemos (História/UFRJ);

12 de Novembro de 2009 (Quinta-Feira)

10:00: "A Educação na Lógica do Capital"
Convidados: Prof. Mário Luís (História/CEFET- RJ), Prof. Roberto Leher (Educação/UFRJ);

18:00 - "Os 20 anos da Queda do Muro de Berlim e a Atualidade do Socialismo"
Convidados: Prof. Carlos Nelson Coutinho (Serviço Social/UFRJ), Prof. Felipe Demier (História/UFRJ), José Paulo Netto (Serviço Social/UFRJ).

OBS: As inscrições são gratuitas e serão feitas no próprio evento. Serão concedidos certificados aos participantes que frequentarem no mínimo três mesas (50% do evento).

Contamos com a sua presença !!!

Atenciosamente,

Grupo GETTHI-MARX.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

‘Propomos uma comissão que investigue a verdade’, diz Stédile


Entrevistas
Por Folha de S.Paulo
Publicada em 12/10/2009

O integrante da coordenação nacional do MST, João Pedro Stedile, desmente as acusações de vandalismo na área da Cutrale, denuncia as consequências da exploração da empresa sobre os agricultores e cobra a apuração dos fatos. "As famílias acampadas nos disseram que não roubaram nada, não depredaram nada. Depois da saída das familías, e antes da entrada da imprensa, o ambiente foi preparado para produzir imagens que impactaram a população. Propomos a constituição urgente de uma comissão independente que investigue a verdade", afirmou. João Pedro também ressalta as diferenças entre o modelo de produção do agronegócio e da pequena agricultura: enquanto 98% do suco de laranja do país é exportado, o MST reitera seu compromisso com a produção de alimentos que cheguem à mesa do povo brasileiro. Leia a entrevista completa em nossa página.

FOLHA - Independentemente da situação da propriedade [o Incra diz que está ocupada de forma irregular, o que é negado pela empresa], a ação chama a atenção pela destruição deliberada de alimentos. Foi um erro destruir aqueles pés de laranja?
JOÃO PEDRO STEDILE
- O fato de a área ser grilada, confirmado pelo Incra, não é algo secundário. Esse é o fato. Um dos princípios que o MST respeita é a autonomia das famílias de nossa base. A distância, a população pode achar que derrubar pés de laranja foi uma atitude desnecessária. A direita, por meio do serviço de inteligência da PM, soube utilizar [as imagens] contra a reforma agrária, se articulando com emissoras de TV para usá-las insistentemente. Nunca essas emissoras denunciaram a grilagem nem a superexploração que a Cutrale impõe aos agricultores.

FOLHA - Ao destruir alimentos, o MST não teme perder o apoio das camadas mais pobres da população, como das 12 milhões de famílias que dependem do Bolsa Família para comprar sua própria comida?
STEDILE
- Cerca de 98% da produção de suco no pais é exportada. Esse suco não vai para a mesa dos pobres, com ou sem Bolsa Família. Já o nosso modelo para a agricultura brasileira quer assegurar produção de alimentos, a geração de emprego e renda no meio rural. Queremos produzir comida e, inclusive, suco de laranja para chegar à mesa de todo o povo brasileiro. Não para o mercado externo. Mesmo assim, a área de exploração da laranja [no país] diminuiu em 400 mil hectares nesses dez anos, pela exploração que a Cutrale impõe aos agricultores.

FOLHA - O presidente Lula chamou a ação de "vandalismo". O MST ainda o enxerga como aliado?
STEDILE
- Nós também condenamos o vandalismo. Usar 713 milhões de litros de venenos agrícolas por ano, que degradam o meio ambiente, também é vandalismo. Nesse caso, o presidente está mal informado, pois as famílias acampadas nos disseram que não roubaram, não depredaram nada. Depois da saída deles e antes da entrada da imprensa, o ambiente foi preparado para produzir imagens de impacto. Propomos que uma comissão independente investigue a verdade.

FOLHA - É correto hoje dizer que a conjuntura nacional, principalmente de estabilidade econômica e de assistência oficial aos pobres do país, é desfavorável ao MST?
STEDILE
- Os dados do censo [agropecuário] revelam que menos de 15 mil latifundiários são donos de mais de 98 milhões de hectares. A renda média dos assalariados do campo é menor que um salário mínimo. Diante disso, reafirmamos que é fundamental democratizar a propriedade da terra, como manda a Constituição, e mudar o modelo agrícola, para priorizar a produção de alimentos sadios para o mercado interno. Quem acha que a reforma agrária não é necessária está completamente alheio aos problemas e aos interesses do povo.

FOLHA - Essa conjuntura deixa o MST sem foco?
STEDILE
- Ao contrário. Nunca foram tão necessárias essas mudanças. Bancos e empresas transnacionais controlam a agricultura. E, quando ocupamos uma terra para pressionar a aplicação da reforma agrária, enfrentamos todo esses interesses. O Brasil precisa de um projeto que combata as causas da desigualdade social e garanta o acesso a terra, educação, moradia e saúde a todos, e não apenas a uma minoria.

FOLHA - Algum nome para as eleições de 2010 anima o movimento?
STEDILE
- O MST preserva sua autonomia. Nossos militantes participam das eleições como qualquer cidadão. Infelizmente, cada vez que chega o período eleitoral, a direita se assanha para enquadrar as candidaturas contra o MST e a reforma agrária. Esse pedido de CPI tem apenas motivação eleitoral. O [deputado Ronaldo] Caiado [líder do DEM na Câmara] confessou que o objetivo da CPI é provar que o governo repassa dinheiro para o MST fazer campanha para a Dilma [Rousseff], o que é ridículo.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Declaración de Quito sobre Reforma Agraria

Por una Reforma Agraria Integral, genuina y verdadera que solucione la crisis de los alimentos, el cambio climático, ¡Basta de Criminalización!

Reunidos en Quito, Ecuador, representantes de países del mundo miembros de la Comisión Internacional de Reforma Agraria Integral, en el marco de la Campaña Global por la Reforma Agraria que impulsa La Vía Campesina, tras analizar la situación de la Reforma Agraria, la defensa de la tierra y el territorio para mejorar las condiciones de vida en el campo, concluimos lo siguiente.

La crisis de los alimentos y la crisis climática que estamos enfrentando son resultado de la aplicación de la tecnología de revolución verde y las políticas de comercio en la agricultura a nivel mundial. Las soluciones que promueven los gobiernos no favorecen a las comunidades indígenas y campesinos y trabajadores agrícolas. La presión que se está poniendo a los países tropicales para proteger los bosques como zonas verdes no contrarresta las emisiones de carbono que emiten las industrias de los países del norte, no beneficia a los campesinos, porque al final la solución es producir alimentos sanos y suficientes para nuestros pueblos.

La mala distribución de la tierra y el proceso de reconcentración de la misma en manos de pocos, en este caso de las corporaciones transnacionales que implantan monocultivos de soya y eucalipto en Brasil, palma africana en Colombia e Indonesia, caña de azúcar, piñon, hule. Estas corporaciones contaminan los ríos y privatizan el acceso al agua que pone en peligro la vida de las familias campesinas. Las corporaciones están comprando e invadiendo tierra comunal y familiar que históricamente ha servido para producir alimentos.

Por décadas, los campesinos y los pueblos indígenas del mundo estamos unidos para luchar por la reforma agraria para recuperar y defender nuestros territorios y hemos sido criminalizados por nuestra lucha. Esta criminalización de la lucha y la represión, en la que están involucrados la policía, el ejército, la seguridad privada de las empresas, se traducen en asesinatos, persecución judicial y un alto nivel de impunidad porque no se investiga, no se castiga a los responsables a pesar de las denuncias y las pruebas que se tienen. Tal el caso de Brasil, Indonesia, Honduras, Bangladesh, etc. En Guatemala, solo en este mes de octubre asesinaron a dos dirigentes comunitarios: Adolfo Ichich Chaman y Orlando Boror Set, así como al abogado defensor de los pueblos indígenas, Fausto Otzin Poyon, quienes fueron asesinados por empresas mineras transnacionales.

Después de una largo proceso de lucha de los movimientos sociales, la FAO declaró la importancia de la distribución de la tierra consignada en la Conferencia Internacional sobre Reforma Agraria en Porto Alegre en 2006: Declaración oficial de la Conferencia Internacional de Reforma Agraria y Desarrollo Rural.

Sin embargo, el seguimiento a esta declaración ha sido muy lento o nulo en muchos países, a excepción de Honduras y República Dominicana, donde las organizaciones encontraron apoyo de la FAO, los movimientos sociales y gobiernos para esta actividad. En el resto de países, la misma FAO y algunos gobiernos no tienen la intención de implementar este acuerdo.

Demandamos:

1. El cese inmediato a la represión de la lucha y la criminalización de los campesinos y los indígenas que son los productores de los alimentos del mundo.

2. Investigación, captura y enjuiciamiento de los responsables de los asesinatos de dirigentes campesinos e indígenas. Cese a la persecución judicial y libertad inmediata de los presos políticos.

3. Demandamos que el seguimiento a la declaración de la FAO sea basado en las propuestas formuladas por las organizaciones campesinas e indígenas.

4. Reafirmamos la necesidad de implementar una Reforma Agraria Integral como un elemento fundamental de la Soberanía Alimentaria.

5. Llamamos a la solidaridad internacional y a los pueblos del mundo a estar atentos al desenvolvimiento del proceso de las luchas por una reforma agraria integral.


Globalicemos la Lucha…
Globalicemos la Esperanza…!!!!

Reforma Agraria
Por la Defensa de la Tierra y el Territorio.!!!!

Novos e sutis discursos acadêmicos reforçam ataques aos movimentos sociais


ESCRITO POR VALÉRIA NADER
24-OUT-2009


As investidas dos grandes veículos de comunicação contra os movimentos sociais, a cada vez que estes intensificam a sua atuação, não são mais novidade para aqueles que acompanham a conjuntura política e social e as interpretações de mídia associadas a essa conjuntura. As críticas frontais àquilo que seria considerado vandalismo, desordem ou uma afronta ao direito de propriedade sempre foram a reação imediata e notória da mídia corporativa e dos poderosos interesses econômicos a ela atrelados. O ‘outro lado’ surge no máximo ali nos cantos ou pés de página, em rasas e insuficientes pinceladas.
Menos notório, no entanto, é o fato de que, a esse método mais tosco de criminalização dos movimentos sociais, vem sendo a cada dia mais associada uma outra forma de desqualificação desses movimentos, mais sofisticada e sutil. Não é tão recente assim, mas, utilizada em proporção bem menor, fica mais difícil a percepção pelo público.
O MST e uma das causas do movimento, a reforma agrária, são os dois temas que mais mobilizam as iras midiáticas, pela dimensão que adquiriram no contexto nacional. E já nos idos do governo FHC antevia-se essa nova forma mais sutil em busca de desprestigiá-los, diante do modo insidioso como determinados discursos acadêmicos procuravam desconstruir o movimento e suas bandeiras, a partir de aparente neutralidade.
Entrevista concedida pelo sociólogo José de Souza Martins ao Programa Roda Viva em maio de 2000 foi emblemática da maneira como um discurso intelectual, que destacava estudos acerca da questão agrária no Brasil, adotava tática sutil de desmerecimento da atuação do MST. O movimento estaria perdendo seu importante caráter de criatividade, uma vez que, cada dia mais, se tornava portador de uma ‘ideologia partidária’, segundo destacado pelo entrevistado. À época em que o PT ainda era oposição, por ‘ideologia partidária’ subentendia-se ‘ideologia petista’.
Pode-se fazer intensa discussão e questionamento quanto às reiteradas afirmações do próprio MST no que se refere à sua autonomia relativamente a partidos e governos. Mas o tom e organização dados à fala do sociólogo, bem como a lógica de sua argumentação, não deixaram passar despercebido aos observadores atentos a tentativa que estava em jogo. Ao mesmo tempo em que se desqualificava de modo ‘elegante’ o MST, erigiam-se as bases para que, ao governo FHC, mesmo com seu modelo desestruturador da agricultura familiar, pudesse ser creditado um avanço da questão agrária no Brasil.

O governo Lula e a mídia

No governo Lula, o presidente operário teoricamente amigo dos movimentos sociais, criou-se situação esquizofrênica. Setores mais à esquerda enxergam um evidente distanciamento do atual governo relativamente às demandas dos sem terra quanto à execução de uma autêntica reforma agrária - a partir de uma grande ambigüidade em suas relações recíprocas. Os críticos mais à direita, por sua vez, vêm insistentemente acusando o MST de se utilizar de modo indevido dos recursos públicos, ao mesmo tempo em que ‘simularia’ críticas à política federal.
Para aqueles que defendem mudanças estruturais e uma real emancipação da população, não restam dúvidas quanto ao afastamento de Lula das causas populares e da reforma agrária. E o fato é que, nesse afastamento, acaba por se reforçar o ataque perverso, vindo de tantos outros fronts, a que estão sujeitas as causas sociais. Um dos mais perversos tem sido as novas ‘construções intelectuais’ sobre a viabilidade histórica e a efetividade da reforma agrária na atual conjuntura, bem como sobre a oportunidade de um movimento como o MST.
Tecidas agora no contexto de um governo originalmente mais próximo das causas populares, tais ‘construções intelectuais’ são elaboradas paralelamente às criminalizações diretas do movimento, e são particularmente visíveis em momentos em que os sem terra intensificam suas ações. Logo após o tradicional abril vermelho de 2007, por exemplo, dentre as noções ventiladas com maior peso, chegou-se mesmo a negar à reforma agrária qualquer sentido atual. Algumas circunstâncias seriam decisivas para esta noção: a conclusão da urbanização, tornando desnecessária a reforma agrária como propulsora do mercado interno; a diversificação do mundo rural, incrementando a oferta de alimentos de forma a suprir a demanda; e a difusão da informação, tornando inócua a justificativa política quanto à democratização no campo.
O geógrafo aposentado da USP Ariovaldo Umbelino, nesse mesmo ano entrevistado pelo Correio, chamava atenção para o quão parcial e manipulado é o uso das estatísticas, a fim de se chegar a tais conclusões. Sobre a questão da urbanização, "utiliza-se sistematicamente o indicador do percentual de população rural em relação à população urbana. E é claro que este vem caindo. Mas ninguém olha qual é o dado da população rural total, número que não caiu como estão dizendo", ressalta Umbelino. Quanto à oferta de alimentos, o geógrafo fez uma indagação básica: "Se estivesse resolvida a questão da oferta de alimentos, por que precisaríamos importar arroz, importar feijão?".

O MST, a Cutrale e os novos discursos ‘acadêmicos’

Em vista dos últimos acontecimentos envolvendo o MST e a Cutrale, artigo na Folha de S. Paulo de 14 de outubro, do sociólogo Zander Navarro, vem novamente trazendo uma bateria de argumentos questionadores da reforma agrária. Começa-se por questionar a repercussão do Censo Agropecuário 2006, que teria sido ‘monótona’, na medida em que ressaltou à exaustão as desigualdades na distribuição da terra. Teria sido, além disso, ingênua ao situar a agricultura familiar como um agrupamento oposto a um ‘indefinido’ agronegócio.
O Censo Agropecuário divulgado recentemente pelo IBGE, abrangendo o período de 1995 a 2006, revela evidentes distorções na distribuição da propriedade e da produção no Brasil. Aqueles que possuem propriedades inferiores a 10 hectares tiveram áreas reduzidas de 9,9 milhões para 7,7 milhões de hectares, representando apenas 2,7% de todas as propriedades agrícolas do país. Por outro lado, 31.889 fazendeiros, possuidores de propriedades com extensões acima de mil hectares, respondem pela titularidade de 98 milhões de hectares. Quanto à concentração da produção, a agricultura familiar, responsável por mais de 80% dos alimentos que chegam às nossas mesas, produziu 50 dos R$ 141 bilhões do Valor Bruto da Produção Agrícola de 2006. E recebeu apenas R$ 6 bilhões de crédito.
Para o sociólogo supracitado, esses seriam, no entanto, dados que teriam gerado uma repercussão meramente ‘impressionista’ e nenhuma análise. Questões em sua visão essenciais foram negligenciadas: a expansão dos estabelecimentos com eletricidade, o crescimento da soja e a forte redução do pessoal ocupado. O termo agricultura familiar não conformaria, ademais, um conceito, tratando-se de algo meramente descritivo. Assim como seriam ‘fantasmagóricas’ e ‘míopes’ as denúncias sobre a existência de latifúndios improdutivos, vez que as reais causas das desigualdades sociais não mais seria a propriedade rural, mas, sobretudo, processos urbanos.
Não é de surpreender que, a partir dessas noções, o sociólogo ressalte os ‘enfáticos’ dados do Censo pelos quais 55% do total de estabelecimentos respondem por 81 % do valor da produção, o que sinalizaria um ‘princípio férreo de produtividade’. Pensar a partir de dados tão agregados é, realmente, a maneira mais adequada para respaldar a sua visão sobre a agricultura. Um modo no mínimo parcial de enxergar a realidade. E talvez bem mais ‘impressionista’ do que aquele que faz opção por visualizar os dados relativos à superioridade da agricultura familiar no valor total da produção.

A negação da questão agrária

Em entrevista à Revista Fórum em 15 de outubro, o ex-deputado constituinte e diretor desse Correio Plínio de Arruda Sampaio ressaltou que "estamos em meio a uma ofensiva fortíssima da direita e da mídia da direita. O motivo que eu vejo é que tem já um palanque para 2010. E isso reflete um pouco das contradições internas no seio da burguesia agrária, que está sendo esmagada pelo grande agronegócio. Ela está ficando meio ensanduichada entre a pequena agricultura e o grande capital, avassalador. Esse setor, que é de grandes proprietários, não quer ouvir falar em mudança da propriedade ou em qualquer coisa que possa desapropriar".
Não é preciso, portanto, ir muito mais adiante para entender o que está por trás dos ataques da mídia contra o MST e dos novos e cuidadosos discursos que vêm sendo construídos. Afinal, cada um olha para o seu rebanho, e é para a defesa dos poderosos capitalistas agrários que se voltam discursos acadêmicos tais como os citados ao longo desse texto. "O discurso contra a reforma agrária é feito para encobrir essa realidade cruel da estrutura fundiária brasileira, a serviço de interesses determinados e de grupos políticos específicos. Essa argumentação tem o propósito de encobrir ideologicamente todo esse quadro que envolve a apropriação privada da terra no Brasil", ressalta o geógrafo Ariovaldo Umbenlino.
Em artigo recém publicado neste Correio, o economista Guilherme Delgado, a partir de uma reveladora retomada histórica da questão agrária nacional, também comenta a negação dessa questão por parte do capital agrário. "Esse divórcio da política agrária relativamente aos fundamentos do direito agrário não é efeito sem causa. Reflete uma estratégia privada dos grandes proprietários fundiários, associados ao grande capital e ao Estado, produzindo e reproduzindo no Brasil a chamada ‘modernização conservadora’ da agricultura, no âmbito da qual se nega peremptoriamente a existência de uma questão agrária nacional".

Olho vivo

Está na mesa do presidente a proposta de atualização dos índices de produtividade da terra, defasados desde 1975, corroborando com a estrutura agrária nefasta, em benefício do grande capital fundiário. Ao mesmo tempo, e não coincidentemente, crescem no Congresso as movimentações em torno da instalação de mais uma CPI do MST. Olho vivo no que vem por aí.

Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania.

domingo, 25 de outubro de 2009

Réquiem para a transposição do São Francisco

TOMÁS BALDUINO

É NATURAL que chefes de Estado tenham o sonho de vincular sua memória a uma grande obra perene. Brasília é o monumento que imortalizou Juscelino Kubitschek.
Imagino que Lula, nordestino que passou sede no semiárido, carregou pote d'água na cabeça, possa estar sonhando em se ligar pessoalmente com o nordestino rio São Francisco, símbolo da integração nacional, transformando o grande sertão da seca num abençoado oásis graças a um gigantesco projeto de transposição de suas águas. O projeto nada deveria à Transamazônica nem a Itaipu.
Isso explica, quem sabe, sua apaixonada tenacidade em querer levar adiante essa obra apesar das inúmeras reações contrárias de parte do Judiciário, do Ministério Público, da mídia, dos cientistas, do episcopado católico, das organizações sociais, dos atingidos pelas obras: camponeses, quilombolas, grupos indígenas.
Na sua excursão ao longo do projetado canal, levando aos palanques Ciro Gomes, além da candidata Dilma Rousseff, não faltou, da parte do presidente, o irado recado para os que ele considera obstáculos à transposição.
Enquanto isso, chamou a atenção de muitos o gesto do bispo da Barra, dom Luiz Cappio, ordenando o dobre de finados na catedral enquanto Lula perambulava por aquela cidade.
Os sinos são a secular e inconfundível marca da cultura cristã nos templos das grandes metrópoles e nas pequeninas capelas do interior. Acompanham alegrias e esperanças, tristezas e angústias da comunidade nos eventos maiores do lugar ou marcam, com seu toque lúgubre, a morte dos entes queridos e o Dia de Finados.
Conhecendo pessoalmente os sentimentos desse homem, que não hesitou em colocar a sua vida pelo povo ribeirinho, bem como pela revitalização do rio, posso dizer que esse gesto, o do dobre dos sinos, bem como o do jejum, tem o peso de uma profecia.
Esses símbolos querem dizer que a transposição do São Francisco não se concluirá. Morrerá. Descansará em paz. Réquiem, então, para ela!
Muita gente está convencida da inviabilidade desse megaprojeto. Eis as razões. A transposição pretende guindar continuamente, em um desnível de 300 metros, 2,1 bilhões de m3 da água mais cara do mundo para o Nordeste, que, por sua vez, já acumula 37 bilhões de m3 a custo zero. Se o problema da seca do Nordeste não se resolve com esses 37 bilhões de m3 armazenados, irá ser resolvido com 2,1 bilhões de m3 da transposição?
Uma certeza muitos têm: os 70 mil açudes do Nordeste construídos nesses cem anos demonstram que lá não falta água. O que falta é a distribuição dessa água. Basta implantar um vigoroso sistema de adutoras, como o proposto pela Agência Nacional de Águas, por meio do "Atlas do Nordeste", que foi abafado pelo governo.
Trata-se de levar água por meio de uma malha de tubos e adutoras a toda a população difusa do semiárido para o abastecimento humano, sem a transposição. Enquanto a transposição atenderia 12 milhões de pessoas em quatro Estados, segundo dados oficiais, o projeto alternativo atenderia 44 milhões em dez Estados. Custo: metade do preço da transposição.
Nesse emaranhado de conflitos, existe um esperançoso toque de sino.
Enquanto, de um lado, ainda prevalece a indústria da seca (a transposição aí se inscreve), que rende uma fortuna para os políticos e empresários e mantém o povo na situação do flagelado retirante, segundo a expressão lírica de Luiz Gonzaga, de Portinari, de Graciliano Ramos, de João Cabral de Melo Neto etc., do outro lado está surgindo uma nova consciência nas comunidades populares carregada de esperança libertadora.
Trata-se da convivência com o semiárido. Como os povos do gelo, das ilhas e do deserto vivem bem na convivência com seu habitat, assim esse povo começa a descobrir a extraordinária riqueza de vida do Nordeste. A questão não é "acabar com a seca", mas de se adaptar ao ambiente de forma inteligente.
Nessa linha, um pedreiro sergipano inventou a tecnologia revolucionária das chamadas cisternas familiares de captação da água de chuva para o consumo humano.
Está chegando, pois, a transfiguração do povo e da terra construída de baixo para cima, no respeito e na convivência, libertando-se dos projetos faraônicos devastadores, impostos autoritariamente de cima para baixo.
Esse humilde toque de sino, alegre e festivo, já se pode ouvir com nitidez, pois essa mudança, cheia de vida e esperança, é um fato no grande sertão nordestino.


DOM TOMÁS BALDUINO , 86, mestre em teologia e pós-graduado em antropologia e linguística, é bispo emérito de Goiás e ex-presidente da Comissão da Pastoral da Terra.



FOLHA, São Paulo, domingo, 25 de outubro de 2009

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Manifesto em defesa do MST: contra a violência do agronegócio e a criminalização das lutas sociais

FONTE: REVOLUTAS
SITE: http://www.revolutas.net
PUBLICAÇÃO: 22/10/2009


As grandes redes de televisão repetiram à exaustão, há algumas semanas, imagens da ocupação realizada por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em terras que seriam de propriedade do Sucocítrico Cutrale, no interior de São Paulo. A mídia foi taxativa em classificar a derrubada de alguns pés de laranja como ato de vandalismo.
Uma informação essencial, no entanto, foi omitida: a de que a titularidade das terras da empresa é contestada pelo Incra e pela Justiça. Trata-se de uma grande área chamada Núcleo Monções, que possui cerca de 30 mil hectares.
Desses 30 mil hectares, 10 mil são terras públicas reconhecidas oficialmente como devolutas e 15 mil são terras improdutivas. Ao mesmo tempo, não há nenhuma prova de que a suposta destruição de máquinas e equipamentos tenha sido obra dos sem-terra.
Na ótica dos setores dominantes, pés de laranja arrancados em protesto representam uma imagem mais chocante do que as famílias que vivem em acampamentos precários desejando produzir alimentos.

Bloquear a reforma agrária

Há um objetivo preciso nisso tudo: impedir a revisão dos índices de produtividade agrícola – cuja versão em vigor tem como base o censo agropecuário de 1975 – e viabilizar uma CPI sobre o MST. Com tal postura, o foco do debate agrário desloca-se dos responsáveis pela desigualdade e concentração para criminalizar os que lutam pelo direito do povo. A revisão dos índices evidenciaria que, apesar de todo o avanço técnico, boa parte das grandes propriedades não é tão produtiva quanto seus donos alegam e estaria, assim, disponível para a reforma agrária.
Para mascarar tal fato, está em curso um grande operativo político das classes dominantes objetivando golpear o principal movimento social brasileiro, o MST. Deste modo, prepara-se o terreno para mais uma ofensiva contra os direitos sociais da maioria da população brasileira.
O pesado operativo midiático-empresarial visa isolar e criminalizar o movimento social e enfraquecer suas bases de apoio. Sem resistências, as corporações agrícolas tentam bloquear, ainda mais severamente, a reforma agrária e impor um modelo agroexportador predatório em termos sociais e ambientais, como única alternativa para a agropecuária brasileira.

Concentração fundiária

A concentração fundiária no Brasil aumentou nos últimos dez anos, conforme o Censo Agrário do IBGE. A área ocupada pelos estabelecimentos rurais maiores do que mil hectares concentra mais de 43% do espaço total, enquanto as propriedades com menos de 10 hectares ocupam menos de 2,7%. As pequenas propriedades estão definhando enquanto crescem as fronteiras agrícolas do agronegócio.
Conforme a Comissão Pastoral da Terra (CPT, 2009) os conflitos agrários do primeiro semestre deste ano seguem marcando uma situação de extrema violência contra os trabalhadores rurais. Entre janeiro e julho de 2009 foram registrados 366 conflitos, que afetaram diretamente 193.174 pessoas, ocorrendo um assassinato a cada 30 conflitos no 1º semestre de 2009. Ao todo, foram 12 assassinatos, 44 tentativas de homicídio, 22 ameaças de morte e 6 pessoas torturadas no primeiro semestre deste ano.

Não violência

A estratégia de luta do MST sempre se caracterizou pela não violência, ainda que em um ambiente de extrema agressividade por parte dos agentes do Estado e das milícias e jagunços a serviço das corporações e do latifúndio. As ocupações objetivam pressionar os governos a realizar a reforma agrária. É preciso uma agricultura socialmente justa, ecológica, capaz de assegurar a soberania alimentar e baseada na livre cooperação de pequenos agricultores.
Isso só será conquistado com movimentos sociais fortes, apoiados pela maioria da população brasileira.

Contra a criminalização das lutas sociais

Convocamos todos os movimentos e setores comprometidos com as lutas a se engajarem em um amplo movimento contra a criminalização das lutas sociais, realizando atos e manifestações políticas que demarquem o repúdio à criminalização do MST e de todas as lutas no Brasil.

Carlos Nelson Coutinho
Emir Sader
Gilberto Maringoni
Virgínia Fontes
Roberto Leher
Mauro Luis Iasi
Ricardo Antunes
Paulo Arantes
Sara Granemann
Carlos Walter Porto-Gonçalves
Ricardo Antunes
Marcelo Badaró Mattos
Marcelo Freixo

El triple carácter corruptor del trabajo asalariado

Capitalista, obrero y sociedad resultan corrompidos por el sistema de trabajo asalariado. El trabajo libre asociado redime a todos de esas lacras
Pedro Campos Para Kaos en la Red
www.kaosenlared.net/noticia/triple-caracter-corruptor-trabajo-asalariado



El triple carácter corruptor del trabajo asalariado que tipifica la explotación capitalista se manifiesta en el capitalista dueño de los medios de producción cuando se roba una parte del fruto del trabajo realizado por el asalariado; en el obrero que tiene que venderse como mercancía al mejor postor y en la sociedad toda, que asume los caracteres de esa forma de explotación y los “valores” de la clase social dominante.

La burguesia

Es sabido que el capitalista se apropia de la plusvalía, esa parte del fruto del trabajo del obrero -manual o intelectual, del campo o la ciudad, de la empresa productora o de servicios-, que queda en el proceso de producción luegode pagar todos sus costes, incluido el salario del trabajador. Se trata de la parte del trabajo no pagada al obrero de la cual se apropia, se roba el empleador.
El fetichismo del salario estriba en que, como promedio, el capitalista paga al trabajador, por el uso de su fuerza de trabajo lo suficiente como para que éste se reproduzca; pero esconde que pagó solo una cantidad de dinero para obtener otra mayor que salió de ese trabajo “pagado”, pues el trabajo es la única mercancía capaz de producir más valor que el pagado por ella.
Se trata del más brutal acto de corrupción realizado contra los seres humanos modernos, que al no ser dueños de medios de producción en forma individual ni colectiva, son obligados a emplearse, vender su fuerza de trabajo manual o intelectual al capitalista para poder subsistir. Es la moderna explotación del trabajo asalariado. La moderna esclavitud.
La apropiación de la plusvalía, acto de evidente corrupción, que el capital justifica porque le “brinda empleo a los que no tienen capital”, está santificada por las leyes de los modernos estados capitalistas. La clase dueña de los medios de producción, se corrompe a sí misma en su papel explotador del sistema de trabajo asalariado, con el cual acrecienta sus riquezas y niveles de vida, a costa del trabajo de otros, cuando se apropia de la plusvalía, cuando roba –así- a los asalariados.
Es la burguesía capitalista el principal ladrón de la era moderna y su sistema de explotación asalariado el mecanismo para lograrlo. Todos los millonarios, han llegado a serlo gracias a que han explotado el trabajo de otros, de ahíla esencia de su corrupción que expande luego a su ánimo de lucro en el mercado, en la desleal competencia y en todo lo que el capitalista se ve obligado a hacer contra los demás seres humanos y la naturaleza, para lograr sus fines estrechos.

Los trabajadores asalariados

El sistema asalariado corrompe también al trabajador, porque éste, desprovisto de medios de producción individuales o colectivos, se ve obligado a vender su fuerza de trabajo y se convierte así en una mercancía de la que dispone el mejor postor. Una parte de los trabajadores asalariados se llega a sentir atada, tan comprometida con el capital del que depende, que muchas veces se convierten en su principal defensor. Son así chantajeados por el empleador.
La burguesía enfrenta unos trabajadores contra otros, con la creación de los ejércitos de desempleados, para quedisminuya el precio de la fuerza de trabajo. Los esquiroles, los rompehuelgas, sonfruto de esa corrupción de la que son víctimas los desempleados.
Esa nueva forma de esclavitud o servidumbre, deforma totalmente la manera de pensar del obrero, que trabaja para poder tener de qué vivir y eso lo lleva a tratar de quedar bien con su patrón para no perder el trabajo. El capitalista trata así de convertir a sus obreros en seres dependientes, que se vean obligados a responderle.“Si se portan bien, disciplinadamente cumplen”, reciben dádivas, “pagos extras”, plus de fin de año y regalos: otras tantas formas de corrupción de los asalariados.
En la medida en que los asalariados van tomando conciencia de su situación económico-social en el capitalismo, a través de las luchas por mejoras económicas y llegan a comprender que su liberación de la moderna esclavitud radica en la abolición del trabajo asalariado, se van convirtiendo de clase en sí, en clase para sí. Lo lograrán, cuando al apropiarse de los medios de producción, la clase obrera se liquide a sí misma como vieja clase asalariada, y se convierta en la nueva clase de los trabajadores asociados, la llamada a construir la nueva sociedad socialista.
Esa clase de trabajadores asociados, cooperativistas, autogestionarios, no tendrá que “venderse” al capital para subsistir. Ella dispondrá de los medios suficientes para lograrlo.

La sociedad capitalista toda

La ideología de la clase capitalista dominante, esa que se apropia del trabajo ajeno, de la clase que detenta la propiedad sobre los medios de producción, el control de la economía y por tanto el poder real, se convierte naturalmente -en el sistema de trabajo asalariado-, en la ideología predominante.
La forma asalariada de la explotación del trabajo, traspasa a la sociedad el conjunto de sus caracteres antidemocráticos, egoístas y autoritarios inherentes a la concentración de la propiedad, la gestión de la producción y la distribución del plustrabajo, los que se manifiestan particularmente en las instituciones políticas, sociales, jurídicas e ideológicas de la superestructura.
Son esas características, propias del comportamiento de la clase capitalista predominante y del trabajo asalariado, las que hacen que una sociedad capitalista sea egoísta, consumista, discriminadora, injusta, esclavizadora, autoritaria y genere todo tipo de acciones corruptas por el ánimo de lucro que la sostiene.

La solución para todos

¿Cómo redimir a todas las clases de la sociedad burguesa moderna de la corrupción en que las sume el sistema de trabajo asalariado?
Algunos reformadores sociales creen que eso se resuelve con educación y buenas intenciones, como sostenía el filósofo alemán Kant.
Pero Marx y Engels dejaron muy claro como lograrlo: Cambiando las relaciones de producción, el sistema de producir, de organizar el trabajo, las formas de propiedad, pago, intercambio, distribución y consumo. Avanzando del trabajo asalariado capitalista a las nuevas formas socialistas de producción de tipo asociado, que Marx descubrió en el trabajo de las cooperativas, donde todos son dueños o usufructuarios de los medios de producción, administran democráticamente la producción y reparten equitativamente (justa no igualitariamente) una parte de las utilidades (ganancias, plusvalía en el capitalismo), luego de descontados los costos de producción, la reproducción ampliada y los impuestos para gastos sociales (salud, educación, asistencia social, infraestructura y otros).
Con la nueva forma asociada de producción desaparecía la propiedad privada capitalista, no la propiedad privada individual que ahora sería real para las mayorías, pues todos serían dueños de los medios de producción, fuera en forma colectiva o individual y desaparecerían también, el ánimo de lucro que genera la producción asalariada para un mercado y no para satisfacer las necesidades de los productores y los consumidores y aparecería el equilibrio entre la producción y el consumo, entre la oferta y la demanda, entre el hombre y la naturaleza.
De esta forma desparecería la figura del explotador capitalista que se apropia, se roba, la plusvalía; la del obrero que es comprado por el empleador; y la sociedad asumiría los nuevos valores generales de las nuevas relaciones de producción: sociales y colectivistas de la común propiedad de los colectivos; democráticos, de la gestión productiva, y equitativos –justos-, de la distribución. Igualmente, como la clase predominante será la de los trabajadores asociados, los valores que predominarán en esa sociedad, serán los de esa clase colectivista, democrática y justiciera.
La corrupción como sistémica desaparecía así con la causa de su aparición y desarrollo: el trabajo asalariado.

La Habana, 4 de octubre de 2009
Tomado del boletín SPD.

Capitalismo. Ya son 25 los suicidios en France Télécom


Entrevista con Paul Moreira, autor del libro "Trabajar hasta la muerte"
Agencia Radical para Kaos en la Red
20-10-2009
www.kaosenlared.net/noticia/capitalismo-ya-son-25-suicidios-france-telecom
Traducido por Rocío Anguiano

El vigésimo quinto suicidio en casi dos años. Un ingeniero de France Télécom se ahorcó el pasado jueves. El cuerpo del hombre de 48 años fue encontrado ahorcado en su casa, en Lannion (Côtes-d’Armor). El miércoles, en Marsella, salvaron por los pelos a otro empleado de la empresa de telefonía.
El hombre, un padre de familia, estaba de baja por enfermedad desde hace un mes. La baja se la dio el médico de la empresa. Un portavoz de la dirección de France Télécom anunció su muerte y añadió que Didier Lombard, el Presidente del grupo que acudió al lugar de los hechos, "estaba profundamente afectado por este gesto”. Otro empleado de France Télécom, también de Lannion, se suicidó la noche del 29 al 30 del pasado mes de agosto.
Este suicidio es el vigésimo quinto desde el mes de febrero de 2008. «Los sindicatos de France Télécom (CGT, CFDT, FO, CFTC, CFE-CGC/Unsa, Sud), señala Le Point, hicieron un llamamiento el jueves al personal para que el día 20 de octubre, fecha de la próxima reunión de la mesa de negociación sobre el estrés laboral “lleven a cabo todo tipo de actuaciones y, especialmente, asambleas generales” al considerar que los trabajadores están “todavía en peligro”».
El miércoles, los servicios de socorro pudieron impedir el gesto desesperado de un empleado de France Télécom. Es el gesto desesperado de un colega, ejecutivo en la misma empresa, un empleado de 54 años en baja laboral desde hace meses, que había decidido poner fin a sus días el martes, en su casa, en el distrito o nce de Marsella. Le salvaron a tiempo de una muerte por ahorcamiento.
Ese día, Xavier Darcos se felicitaba en Canal + de que se hubiera podido salvar a este hombre, al tiempo que subrayaba que estaba muy enfermo desde hace varios meses. Antes de llevar a cabo el acto fatal, el empleado, en un impulso, envió a su jefe un SMS informándole de sus intenciones. Este alertó inmediatamente a los servicios de socorro. «Creo que a final de este año estaremos en condiciones de evitar que lo que está sucediendo vuelva a pasar” declaró a su vez el Ministro de Trabajo Xavier Darcos que acaba de lanzar un Plan de emergencia para la prevención del estrés laboral, “las cosas se están estabilizando”». France Télécom va a distribuir, a partir del 19 de octubre, unos cuestionarios sobre las condiciones laborales de sus 120 000 trabajadores franceses.
En la actualidad, el suicida es la víctima de un sistema que ha sido denunciado por el periodista Paul Moreira en su libro Travailler à en mourir (Trabajar hasta la muerte) publicado por Flammarion.

Olivier Bailly: No existe ningún estudio de carácter nacional sobre el suicidio laboral en Francia. ¿Por qué?
Paul Moreira
: Existe una evaluación realizada en la cuenca de Baja Normandía. A partir de esos datos regionales, parciales, se hizo una proyección nacional que dio lugar a un informe del Consejo Económico y Social. Según esta proyección habría aproximadamente un suicidio diario en el trabajo por causas laborales. Cuando estrené el documental Travailler à en mourir, hace aproximadamente año y medio, el Ministro de Trabajo de entonces, Xavier Bertrand, había solicitado que se efectuara un estudio sobre el tema.
A decir verdad, no existe una evaluación real del impacto del sufrimiento laboral. Ni cuantitativa, ni cualitativa. En lugar de asumir el problema y hacerle frente, se opta cada vez más por negarlo. Cosa que no me sorprende… Enfrentarse a este tema supone enfrentarse a algo de mucho más alcance, a saber, el funcionamiento del mundo empresarial en un momento de la historia del capitalismo en que parece que este se ha vuelto loco.


OB: Su libro se centra en Renault. ¿Por qué esa elección?
PM:
Internet desempeña un papel esencial (y circunstancial...) en la elección de Renault. Cuando se difundió el documental Travailler à en mourir en France 2, la repercusión fue enorme. El nivel de audiencia demostraba, sobre todo, que la película había puesto el dedo en la llaga. A raíz de esto, puse una entrada en mi blog en la que decía que había estado a punto de titular la película Travailler plus pour mourir plus (Trabajar más para morir más).
Me llegaron muchos comentarios de los internautas. Uno de ellos era de Sylvie, la viuda de Antonio, uno de los empleados que se había suicidado en Renault. Ella me decía que efectivamente debería haberla llamado así porque esa es la realidad que se está imponiendo en algunas empresas. Entablamos un dialogo. Después nos vimos y me di cuenta de que ella había reflexionado mucho sobre el tema. Decidí escribir un libro que prolongara la película pero que incluyera también la historia de los muertos de Renault. Hubert Prolongeau, que es mi amigo, tenía un proyecto similar con Flammarion. Unimos nuestras fuerzas. Lo que me interesaba era entender con la mayor objetividad posible lo que había pasado. No se trataba de denunciar simplemente a los jefes directos que son también víctimas.
Por ejemplo, la jefa de Antonio. Sin duda, algo tiene que ver con su muerte. Pero curiosamente, indagando, descubrimos que es la única que fue a decir la verdad a los investigadores, a la policía. Ella insistirá en verlos mientras toda la empresa se escondía debajo de la mesa. Y dice que no le extraña que Antonio se suicidara, que la presión era enorme. Todo lo contrario de la versión oficial de Renault. Esta mujer va a cargar toda su vida con la culpabilidad de la muerte de un hombre. Y de una forma u otra, porque se tiende a simplificar siempre, se la considerará el chivo expiatorio de la historia. Lo que es injusto. Porque realmente son un sistema y una mecánica quienes han llevado a un hombre a la muerte. Es lo que intentamos mostrar en el libro, con sutileza, con un máximo de detalles y entrevistándonos con toda la gente posible. Lo que no ha sido realmente fácil. El mundo de la empresa, es hoy el mundo del silencio. Es más fácil encontrar mafiosos o yihadistas dispuestos a hablar que empleados de las grandes compañías francesas.

OB: ¿La mediatización de estos suicidios por causas laborales es suficiente para cambiar las cosas?
PM:
La movilización de la sociedad civil es lo que dará lugar a las leyes. Los políticos van por detrás de la realidad. Intentan controlar el espectáculo y cuando realmente les desborda, actúan. Hace poco estuve en el programa de Franz-Olivier Giesbert (Vous aurez le dernier mot en France 2) al que también habían invitado a Xavier Darcos, el Ministro de Trabajo. Le pregunté si realmente había un problema en las empresas francesas y me respondió: «Usted tiene una imagen de la empresa similar a la de la película La Tapadera pero hay muchas empresas donde todo va muy bien». ¡Lo sé! Ese no es el problema, sino qué se debe hacer en aquellas en las que las cosas van mal. Y son muchas.
Hoy lo único que hace reaccionar a la empresa no es la moral, porque no tiene, solo tiene una vocación económica: producir beneficios para sí misma y para sus accionistas. Su talón de Aquiles es su imagen. Eso es lo que le sirve de moral. Hoy lo que ha hecho que los responsables de Renault o de France Télécom se muevan no es la muerte de sus empleados, sino el impacto sobre la imagen de la empresa, el hecho de que haya clientes que se desabonen de Orange, que haya gente que elija una marca que no sea Renault en el momento de cambiar de coche. Una de las formas más eficaces de luchar contra el clima infernal que ha impuesto un cierto tipo de gestión en las empresas es la reacción de la sociedad civil. Que nosotros, los periodistas, le prestemos más atención, que los sindicatos estén más atentos, que se hable más sobre ello. No hay nada como la palabra y la transparencia para mejorar las cosas. Las empresas, como por lo demás todo el mundo, cuando se sienten escrutadas tienden a modificar su comportamiento. Los políticos irán por detrás. Harán lo que la sociedad civil les imponga.

OB: Industria automovilística (Renault y Peugeot), energía (central EDF de Chinon), telefonía (Orange y SFR), bancos. ¿Por qué estos sectores se ven más afectados que otros?
PM:
El tema está muy relacionado con los objetivos y la individualización. En Renault ha sido el contrato 2009, impuesto por Carlos Ghosn, que aumenta espectacularmente la producción y sus ritmos. Ghosn presenta las cosas con una especie de amenaza velada: «o lo conseguimos o vamos hacia un plan social masivo»; «No son objetivos sino compromisos» - en inglés la palabra es commitment un término muy fuerte para indicar un compromiso profundo que se firma con la sangre.
En France Télécom, evidentemente, se trata de la entrada en el mundo de la competencia, lo que ha provocado una reorganización. No puedo hablar con autoridad porque no he investigado en esta empresa, pero lo que descubro cuando leo los periódicos es alucinante. El colmo: la política de trasladar a los ejecutivos cada tres años para que tengan una movilidad permanente. Muchas veces, cuando los directivos se toman por demiurgos, hay hombres que mueren.
En los bancos sucede lo mismo. Utilizan un discurso que no es solo económico sino que está ideologizado: la ambición, la promoción, los objetivos... Y, curiosamente, todo esto recae sobre los mejores. En el fondo, los que mejor lo llevan son lo que encuentran vías de fuga para evitar que los triture la máquina. A menudo, los que mueren son los que se implican de verdad en el trabajo, para quienes este representa una parte importante de su identidad, quienes tienen miedo de no estar a la altura... Los muertos de los que hablamos son frecuentemente directivos, es decir aquellos que están más aislados, que están metidos en historias de entrevistas individuales con objetivos anuales, para quienes el colectivo está completamente dividido. Hay más sufrimiento entre esta gente que entre los obreros en donde, a pesar de todo, pervive algo del espíritu colectivo de los talleres.

OB: ¿Cree que estos suicidios son generacionales, que afectan más a los mayores que a los jóvenes?
PM:
No. Por ejemplo, Antonio, en Renault, no llegaba a los cuarenta años cuando se suicidó. A priori la presión sobre la gente de cincuenta años es mayor porque hay además toda una ideología que manda señales del tipo “eres viejo, ya no sirves para nada".

OB: Los suicidios están menos relacionados con el trabajo en sí o con las condiciones laborales que con la forma de gestión de la empresa. ¿Qué diferencia cree que existe entre esta forma de gestión y el acoso moral?
PM:
La gran diferencia es que el acoso moral es una especie de arreglo de cuentas entre un empleado y su responsable jerárquico que hará todo para destruirle, porque le tiene manía. En los suicidios de los que hablamos, lo importante no es eso, sino la estructura, la reorganización, la fusión, el hecho de que los empleados pierdan el contacto con su superior. Es el caso de Raymond, que trabajaba en Renault. Raymond pierde el contacto con un superior que podía ayudarle, respaldarle, tras una reorganización en la que dividen los equipos en dos.
El objetivo es producir catorce modelos más (30%) sin contratar personal y reduciendo los costes. Se llega a una situación en donde la gente trabaja entre un 30 y un 40 % más. A raíz de esta reorganización, Raymond pierde a su superior jerárquico y se encuentra con un responsable directo que no conoce el sector y, además, lo admite.
Por encima llega, y esto es consecuencia directa de la reorganización, un equipo de directivos matriciales, tipos a los que llaman los jemeres rojos de Renault porque tienen acceso directo a Carlos Ghosn, y que los ingenieros y técnicos ven como policías. Estos señalan los errores, los problemas, las preocupaciones, envían correos electrónicos con 47 copias y presionan para que los plazos se cumplan. No son jefes “normales”. No se puede contar con ellos ni buscar una solución con ellos. Su misión consiste en localizar los problemas y, eventualmente, conseguir que se solucionen. No es tampoco una labor de destrucción, pero el impacto que esto puede tener en gente vulnerable que empieza a desestabilizarse, puede ser terrible.

OB: ¿Qué piensa de la actitud de la CPAM (1) que no establece ninguna relación entre el suicidio y las condiciones laborales en Renault?
PM:
Esto es válido en el caso de Raymond que se suicidó en su casa, incluso cuando en su nota de suicido denuncia claramente sus condiciones laborales y a sus directivos. Como ocurrió en su casa, asunto cerrado. Pero hay casos peores. Antonio que se suicidó en el Technocentre (2). Durante la investigación, descubrimos que al principio la CPAM no quiso reconocer el accidente laboral. Y lo hizo sin notificárselo ni a su esposa ni al empleado. Sylvie se reveló y cambió el rumbo de las cosas.
La actitud de la CPAM me dejó pasmado. ¿Incompetencia? ¿Miedo de meterse en el terreno de empresas tan grandes como Renault? No tenemos la respuesta porque, como de costumbre, se negaron a hablar con nosotros.

OB: Además de los métodos de gestión que generan estrés entre los empleados, ustedes hablan también de explotación de la mano de obra en precario.
PM:
Sí, Patrick Darcy que trabajaba en Arcelor sin estar declarado. Rudy Norbert que trabajó 21 horas seguidas. Gérard Libier murió directamente en la empresa. Jean-Luc Pruvost, otro trabajador temporal, acumulaba los peores horarios, por ejemplo de 21 h a 5 h de la mañana, el tipo de horario que necesita al menos tres días de recuperación, es decir, el tiempo para que el organismo se reponga. Sin embargo, le llamaban durante ese periodo para que trabajara de nuevo, lo que es totalmente ilegal. Sufrió un accidente vascular. Un paro cardiaco. Es difícil demostrar que este ataque se debiera únicamente al hecho de que se ignoraran los horarios de recuperación. En cambio, sí se sabe que hubo una infracción a la legislación laboral. Y si existe la legislación laboral también es para proteger la salud de los trabajadores.

OB: Da la impresión de que la inspección de trabajo esta totalmente desarmada.
PM:
Uno de los grandes problemas en Francia es que, a parte de Gérard Filoche que es conocido como el lobo blanco y que ejerce su libertad de expresión arriesgando su carrera, los inspectores están sujetos al secreto profesional. Con los más valientes es posible tener una conversación off the record donde revelan algunas cosas, pero no es posible acceder a sus informes.
Una de las medidas positiva para los asalariados sería devolver la libertad de expresión a los inspectores de trabajo, que pudieren convertirse en fuentes de información, como en los países normales y democráticos. Los inspectores de trabajo son la autoridad pública, somos nosotros, son el ojo independiente de la sociedad civil dentro de las empresas. No hay razón para que deban guardar el secreto profesional. Debería ser posible leer y comentar sus informes. Esta podría ser la forma de conseguir que las empresas actúen un poco mejor.


Nota de la Traductora:
(1) CPAM: Caisse Primaire d’Assurance Maladie (organismo que se encarga de gestionar la asistencia sanitaria, con funciones similares a las de la Seguridad Social).
(2) Technocentre: centro de investigación de Renault en donde se diseñan los futuros vehículos de la marca y en el que trabajan aproximadamente doce mil personas. Desde finales del año 2006 han sido varios los empleados de este centro que se han quitado la vida.

Correspondencia de Prensa
boletin solidario de información - edición internacional
germain5@chasque.net

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

MST e laranjas


9 de outubro de 2009
Por Maurício Caleiro*

O MST é detestado por todos: da direita ruralista à esquerda chavista, passando por tucanos, petistas, psolentos, verdes, azuis e amarelos. Mesmo os que fingem apoiar o MST o detestam.
Isso porque há uma antipatia ancestral e inata contra o MST, esse arquétipo de nosso inconsciente coletivo, esse cancro irremovível que insiste em nos lembrar, mesmo nos períodos de bonança, que fomos o último país do mundo a abolir a escravidão e continuamos sendo uma porcaria de nação que jamais fez a reforma agrária.
O MST é o espelho que reflete o que não queremos ver.
Há duas questões, na vida nacional, que contradizem qualquer discurso político da boca pra fora e revelam qual é, mesmo, de verdade, a tendência ideologica de cada um de nós, brasileiros: a violência urbana e o MST. Diante deles, aqueles que até ontem pareciam ser os mais democráticos e politicamente esclarecidos passam a defender que se toque fogo nas favelas, que se mate de vez esse bando de baderneiros do campo, porra, carajo, mierda malditos direitos humanos!
O MST nos faz atentar para o fato de que em cada um de nós há um Esteban de A Casa dos Espíritos; há o ditador, cuja existência atravessa os séculos, de que nos fala Gabriel García Márquez em O Outono do Patriarca; há os traços irremovíveis de nossa patriarcalidade latinoamericana, que indistingue sexo, raça, faixa etária ou classe social:
O MST é o negro amarrado no tronco, que chicoteamos com prazer e volúpia.
O MST é Canudos redivivo e atomizado em pleno século XXI.
O MST é a Geni da música do Chico Buarque - boa pra apanhar, feita pra “cuspir” com a diferença de que, para frustração de nossa maledicência, jamais se deita com o comandante do zeppelin gigante.
E, acima de tudo, O MST é um assassino de laranjas!
E ainda que as laranjas fossem transgênicas, corporativas, grilheiras, estivessem podres, com fungos, corrimento, caspa e mau hálito, eles têm de pagar pela chacina cítrica! Chega de impunidade! Como o João Dória Jr., cansei!

Jornalismo pungente

Afinal, foi tudo registrado em “imagens” e imagens, como sabemos, não mentem. Estas, por sua vez, foram exibidas numa reportagem pungente do Jornal Nacional – mais um grande momento da mídia brasileira –, merecedora, no mínimo, do prêmio Pulitzer. Categoria: manipulação jornalística. Fátima Bernardes fez aquela cara de dominatrix indignada; seu marido soergueu uma das sobrancelhas por sob a mecha branca e, além dos litros de secreção vaginal a inundar calcinhas em pleno sofá da sala, o gesto trouxe à tona a verdade inextricável: os “agentes” do MST são um bando de bárbaros.
(Para quem não viu a reportagem, informo,a bem da verdade, que ela cumpriu à risca as regras do bom jornalismo: após uns dez minutos de imagens e depoimentos acusando o MST, Fátima leu, com cara de quem comeu jiló com banana verde, uma nota de 10 segundos do MST. Isso se chama, em globalês, ouvir o outro lado.)
Desde então, setores da própria esquerda cobram do MST sensatez, inteligência, que não dirija seu exército nuclear assassino contra os pobres pés de laranja indefesos justo agora, que os ruralistas tentam instalar, pela 3ª vez, como se as leis fossem uma questão de tanto bate até que fura, uma CPI contra o movimento (afinal, é preciso investigar porque o governo “dá” R$155 milhões a “entidades ligadas ao MST”, mesmo que ninguém nunca venha a público esclarecer como obteve tal informação, como chegou a esse número, que entidades são essas nem qual o grau de sua ligação com o MST: O Incra, por exemplo, está nessa lista como ligado ao MST?).

A insensatez dos miseráveis

Ora, o MST é um movimento social nascido da miséria, da necessidade e do desespero. Eles estão em plena luta contra uma estrutura agrária arcaica e concentradora. Não se pode esperar sensatez de movimentos sociais da base da pirâmide social, que lutam por um direito básico do ser humano. Pelo contrário: é justamente a insensatez, a ousadia, a coragem de desafiar convenções que faz do MST um dos únicos movimentos sociais de fato transgressores na história brasileira. Pois quem só protesta de acordo com os termos determinados pelo Poder não está protestando de fato, mas sendo manipulado. Se os perigosos agentes vermelhos do MST tivessem sensatez, vestiriam um terno e iriam para o Congresso fazer conchavos, não ficariam duelando com moinhos de vento, digo, pés de laranja.
Mas é justamente por isso que o MST incomoda a tantos: ele, ao contrário de nós, ousa desafiar as convenções: ele é o membro rebelde de nossa sociedade que transgride o tabu e destroi o totem. Portanto, para restituição da ordem capitalista/patriarcal e para aplacar nossa inveja reprimida, ele tem de ser punido. Ele é o outro. Quantos de nós já se perguntaram como é viver sob lonas e gravetos, à beira das estradas, em lugares ermos e remotos, sujeito a ataques noturnos repentinos dos tanto que os detestam? Quantos já permaneceram num acampamento do MST por mais do que um dia, observando o que comem (e, sobretudo, o que deixam de comer), o que lhes falta, como são suas condições de vida?
Poucos, muito poucos, não é mesmo? Até porque nem a sobrancelha erótica do Bonner nem o olhar-chicote da Fátima jamais se interessaram pelo desespero das mães procurando, aos gritos, pelos filhos enquanto o acampamento arde em fogo às 3 da madrugada, nem pelas crianças de 3, 4 anos que amanhecem coberta de hematomas dos chutes desferidos pelos jagunços invasores, ao lado do corpo de seus pais, assassinados covardemente pelas costas e cujo sangue avermelha o rio.
Para estes, resta, desde sempre, a mesma cova ancestral, com palmos medidas, como a parte que lhes cabe neste latifúndio.
Para a mídia, pés de laranja valem mais do que a vida humana, quero dizer, a vida subumana de um miserável que cometeu a ousadia suprema de lutar para reverter sua situação.
Mas os bárbaros, claro está, são o MST.
Por isso, haja o que houver, o MST é o culpado.

* Maurício Caleiro é jornalista e cineasta.

Como os clássicos viram clássicos


Ítalo Calvino disse que uma das características de um clássico é sua possibilidade de infinitas e sempre renovadas leituras. Em janeiro de 1959, vinha a público "Formação Econômica do Brasil", de Celso Furtado. Passados cinquenta anos, a obra tornada clássica ganha sua primeira edição comemorativa. Organizado pela viúva do autor, Rosa Freire d’Aguiar Furtado e com introdução de Luis Felipe de Alencastro, o conjunto reúne a fortuna crítica que se seguiu ao aparecimento da obra que é um dos mais importantes livros de história econômica já escritos. A resenha é de Roberto Pereira Silva (*).
Resenha de: “FURTADO, CELSO. Formação econômica do Brasil. Edição comemorativa: 50 anos; organização Rosa Freire d’Aguiar Furtado. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

A formação da Formação econômica do Brasil

Em janeiro de 1959, vinha a público "Formação Econômica do Brasil", de Celso Furtado. Passados cinquenta anos, a obra tornada clássica ganha sua primeira edição comemorativa. Organizado pela viúva do autor, Rosa Freire d’Aguiar Furtado e com introdução de Luis Felipe de Alencastro, o conjunto reúne a fortuna crítica que se seguiu ao aparecimento da obra. Verdadeiros documentos que reconstituem a biografia do livro, testemunho de sua recepção no Brasil e no exterior, esse conjunto de resenhas e introduções ao livro ajuda a reconstruir a consolidação de "Formação Econômica do Brasil", como um dos mais importantes livros de história econômica já escritos.
Além disso, tais textos permitem captar a estranheza que a obra causou para intelectuais de diferentes formações teóricas à época de sua publicação. Por se tratar hoje de um livro clássico, nós leitores modernos por vezes nos esquecemos do senso de novidade que esteve por trás da recepção do livro nos meios brasileiros e internacionais.
Aliás, como Ítalo Calvino dizia: uma das características de um clássico é sua possibilidade de infinitas e sempre renovadas leituras. Embora tenha tido um reconhecimento rápido, de pronto sendo considerado um livro indispensável e ímpar na historiografia econômica brasileira, recebeu críticas diversas, indicativas também dos impasses sociais e intelectuais do Brasil. E essa é uma chave importante para retomarmos o cinqüentenário do livro, escapando do merecido teor laudatório das análises contemporâneas e tentando retraçar o caminho para a consolidação desta obra clássica. Tanto mais importante, se nessa empreitada conseguirmos relacionar as diversas resenhas com os contextos mais amplos da vida intelectual brasileira e das reflexões teóricas sobre o desenvolvimento econômico a nível mundial.

Das primeiras resenhas à biblioteca básica brasileira

O momento de publicação de "Formação Econômica do Brasil" marca o entrecruzamento de tendências distintas no pensamento brasileiro. De um lado, temos a maturidade dos autores dos ensaios sobre a formação do Brasil. Iniciado nos anos de 1930, com "Casa-grande e Senzala", "Raízes do Brasil", e, na década seguinte, "Formação do Brasil Contemporâneo", nesse momento o ensaísmo se consolidou como a forma básica para se pensar o Brasil, tendo como principal disciplina a história.
De outro lado, a passagem para os anos 60 assiste um período de grandes mudanças. O Plano de Metas, a imigração para os centros urbanos, a ocupação do Oeste e do Norte do Brasil. Era uma nova etapa do capitalismo introduzindo o Brasil nas linhas de consumo modernas, com eletrodomésticos, carros, produtos de consumo industrializados. O Estado, sob o signo do planejamento econômico, passou a valorizar o saber técnico, a economia e a engenharia assumiram papel importante na administração pública, suplantando o bacharelismo do passado. No plano das idéias, esse período foi marcado por novas balizas de conhecimento, universitário e técnico-científico, competindo com a consolidação das ciências sociais no ensino acadêmico. O livro de Celso Furtado dá testemunho desse entrecruzamento de tendências, e procura compreender o alcance e os limites das transformações do presente, sob o ponto de vista histórico. Mas de uma história filtrada pela economia, história que busca responder as questões propostas pelo processo e pela reflexão sobre o desenvolvimento econômico.
Essas duas linhas gerais, o saber técnico legitimado pelo progresso econômico e as interrogação ao passado irão polarizar as opiniões sobre "Formação Econômica do Brasil", nas resenhas publicadas entre 1959 e 1963, apontando tanto as precariedades da obra de historiador, quanto as armadilhas da teoria econômica.
A primeira resenha apareceu três meses depois da publicação, na pena de Nelson Werneck Sodré, historiador marxista ligado ao ISEB. Interpreta a obra como pertencente à “economia ortodoxa”, em contraposição à economia marxista. Reconhece em formação um “livro de fôlego, visão de conjunto, em que o autor dá o melhor de seus conhecimentos”. Entretanto, aponta dois defeitos: “Celso Furtado sabe muito, mas não sabe transmitir o que sabe” e, numa crítica típica desse período em que o foco das interpretações era a volta ao passado, Werneck Sodré censura o autor em que “fazendo história, não domina as fontes e revela mesmo desprezo por elas”.
No mês seguinte, a resenha de outro marxista, Renato Guimarães censura o economicismo de Celso Furtado. Reprovação que o próprio autor reconhece contraditória: “não deixará por isso de parecer algo paradoxal que, ao tentarmos a crítica marxista desta última obra de Celso Furtado sejamos forçados a censurá-la justamente pelo excessivo ‘economicismo’ do historiador que lá encontramos”. Além disso, em alguns momentos Guimarães aponta as esquivas do autor. Tratando do capital estrangeiro nas etapas colonial e imperial, sob o comando do capital holandês, português e inglês, não diz nada sobre essa questão no século XX, sob o signo do imperialismo norte-americano: “bastou que entrasse em cena o imperialismo norte-americano para que o Sr. Furtado perdesse completamente a loquacidade”. O mesmo se poderia dizer da questão do proletariado: Celso Furtado analisa a transição para o trabalho assalariado e a industrialização do Centro-Sul, mas nada diz sobre o proletariado urbano como força social. Como pontos positivos, a análise da inflação feita ao final do livro, a qual o aspecto político e social envolvido na política econômica, uma vez que a inflação é um conflito distributivo e as medidas de estabilização favorecem alguns grupos em detrimento de outros.
Em julho, o engenheiro Paulo Sá, criador da ABNT, faz uma apreciação do livro e da profissão de economista que dá bem o tom desse novo momento de planejamento econômico e saber técnico que chegava ao Brasil. Para ele, a onipresença da poesia na vida cultural brasileira dos séculos passados foi suplantada, nesse período de modernização, pela economia: “Como havia ‘poetas’, há hoje ‘economistas’. Tropeça-se neles em todos os grupos de rua, em todos os vãos de jornais ou revistas, tão graves quanto efêmeras”. Celso Furtado é uma exceção entre esse grupo, pois alia à profundidade das leituras a reflexão e o conhecimento do país.
Duas resenhas surgiram de autores ligados à Universidade de São Paulo e que se tornaram membros do grupo de estudos conhecido como Seminário Marx, Paul Singer e Fernando Novais. Para o primeiro, “a importância do livro decorre, porém, não apenas de seu tema, mas principalmente do método empregado”. É no método que concentra a avaliação e a crítica, afirmando que este é falho quando contraposto à realidade. Entretanto, “mesmo as partes mais prejudicadas pelo método empregado são preciosas, pois assinalam falhas — a nosso ver sérias — da própria ciência econômica como ela é praticada até hoje”.
Fernando Novais destaca a importância da análise dos fluxos de renda associados aos diversos produtos de exportação e o rompimento desse processo com o advento do trabalho assalariado na economia cafeeira que internaliza o processo de acumulação. A crítica recai também no método, tendo como base a economia marxista. Para o autor, a análise da transição para o trabalho assalariado perde a questão central, a saber, “as etapas da instauração das condições capitalistas de produção no Brasil”, o que, na verdade, constitui “as determinações mais internas do processo histórico”.
Já em 1963, quatro anos após a publicação, o livro passa a ser editado na biblioteca básica brasileira, projeto editorial da Universidade de Brasília, ao lado de autores como Capistrano de Abreu, Joaquim Nabuco, Fernando de Azevedo e dois clássicos da geração de 1930, Sergio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre. A introdução ao livro é assinada pelo historiador mineiro e professor de história econômica geral e do Brasil Francisco Iglésisas.
Trata-se de um texto fundamental, pois avalia a formação econômica do Brasil dentro da historiografia econômica brasileira e equaciona os principais problemas e sucessos da obra em perspectiva histórica.
Já de saída coloca o livro entre os clássicos da historiografia econômica, ao lado de Simonsen e Caio Prado Jr, sem ser um prolongamento destes, mas “executado em perspectivas próprias”. As relações entre história e economia são equacionadas, respondendo a algumas críticas que vimos acima: “Formação econômica do Brasil é livro de história escrito sob a perspectiva do economista”. A falta de citações de trabalhos de história longe de mostrar deficiência do autor mostra os defeitos da historiografia brasileira, a baixa qualidade das pesquisas empíricas e a arbitrariedade das interpretações de conjunto. De forma que “a omissão referida não deixa, de certo modo, de reverter em benefício do autor”.
Destarte, o que pareceu a alguns economicismo e a outros falta de domínio das fontes históricas, nada mais é que uma das maiores riquezas da obra, o que lhe garante o lugar de destaque pela rara qualidade de nossa produção. Pois somente o uso consciencioso das ciências sociais pode orientar a reconstrução histórica em busca de suas linhas gerais. É a teoria econômica e social presente no livro que irá conduzir a leitura histórica de Celso Furtado. A erudição histórica do autor é patente, a despeito da omissão de referências, e o método do autor se constrói na distinção entre processos e eventos, nos quais os primeiros dão o tom geral do livro, subordinando os segundo, que pressupõe conhecidos do leitor. Daí a impressão meio abstrata do livro, fruto do despojamento do que não é essencial para a compreensão do processo. Entre as faltas do livro, a única apontada pelo autor é a não menção ao imperialismo norte-americano, a exemplo da crítica de Renato Guimarães.
Assim, as resenhas abordaram a obra sob o ponto de vista dos aspectos teóricos, na relação entre teoria econômica e história, ora sublinhando os excessos da primeira, ora acentuando as debilidades aparentes da segunda. Temas ausentes foram sempre marcados como faltas, ausência de referencias como despreparo. No entanto, a explicação de fundo, estrutural do livro, demorou um pouco mais para ser percebida. Isso decorre, nos parece, não só do ineditismo do livro, como da falta de um corpo de obras econômicas e históricas que pudessem servir de referência e termos de comparação à Formação econômica do Brasil. Na ausência de trabalhos que examinassem os conteúdos e as hipóteses, a crítica só poderia recair sobre questões de método.

De clássico da historiografia brasileira à obra-prima da teoria do desenvolvimento econômico

A recepção no exterior se deu de forma diferente. "Formação Econômica do Brasil" foi logo reconhecido como um exemplo ímpar no campo da teoria do desenvolvimento econômico. A obra foi interrogada em sua relação com as ciências sociais, sobretudo as relações entre história e economia e no âmbito das diversas teorias do desenvolvimento econômico. A mudança de perspectiva é grande. Além disso, a perspectiva histórica e comparativa foi assinalada em todos os textos, destacando-se a comparação entre as diferenças de desenvolvimento do Brasil e dos Estados Unidos no século XIX. Se no Brasil, a obra teve um caráter de acerto de contas com a herança do passado, exigia ou justificava a intervenção estatal, e se inseria no esforço de consolidação das ciências sociais no país, já no exterior foi um aporte fundamental para se equacionar o alcance das teorias econômicas.
Segundo o economista americano Allen Lester (1960) o livro “analisa o crescimento e os processos econômicos do Brasil como país subdesenvolvido”; seu principal interesse para o economista de língua inglesa está “na avaliação da influência de fatores — políticos, sociais, geográficos, fiscais, monetários, entre outros — sobre o crescimento econômico e a formação de capital no Brasil”. Além disso, os “economistas de países mais desenvolvidos” devem considerar a insistência político-econômica “de países subdesenvolvidos” em buscar o desenvolvimento através de crescimento rápido e uso de “métodos considerados não ortodoxos”.
Já o brasilianista Warren Dean chama a atenção para a impossibilidade do desenvolvimento econômico enquanto baseado no trabalho escravo. Essa seria a tese principal de Furtado, desenvolvida a partir da transição para o trabalho assalariado e da multiplicação da renda oriunda do consumo. Assim, “o estágio crucial do desenvolvimento” se dá com a formação do mercado interno. Já o interesse para os “economistas e historiadores americanos” decorre de Formação os colocar em contato com “teorias que lidam com estagnação, fenômeno sobre o qual eles têm pouco conhecimento de primeira mão”.
Ignacy Sachs, na introdução à edição polonesa de 1967, faz uma exposição do conjunto da obra de Celso Furtado até aquele momento. Nesta, podemos perceber “o ponto de vista de um economista interessado na problemática socioeconômica do desenvolvimento”; ou seja, “não do ponto de vista de um historiador econômico, e sim como um economista que faz determinadas perguntas ao material histórico”. Em outras palavras, a importância metodológica se encontra “na junção de história econômica com a teoria do desenvolvimento”.
Uma reflexão teórica amadurecida sobre as relações entre economia e história foi empreendida no prefácio à edição italiana de 1970, de autoria do historiador Ruggiero Romano. Para ele, “poucos livros como este de Celso Furtado abordam — e resolvem — o problema das relações entre história e economia”. Resolve, porque o autor “bem sabe que o verdadeiro problema da interdisciplinaridade é o da real integração entre elas; é o do enriquecimento da problemática de uma com a problemática que subentende a outra; é o de conseguir moderar (ou exacerbar vantagens e desvantagens de uma e outra”. Pois que a relação entre as disciplinas se torna frutífera quando é claro o que a história pode oferecer à economia e vice-versa. A primeira, “pode dar uma lição de particularismo, de tipificação”, para contrabalançar a busca de leis uniformes no tempo e no espaço que caracteriza a economia.
Para o historiador italiano a consciência dessa problemática, aliada ao domínio tanto da teoria econômica quando da história, produziu o resultado ímpar desse livro. Ao entender que a realidade brasileira poderia ser explicada pelo desenvolvimento da economia desde suas origens, Celso Furtado não só reconstrói a “série de elementos constitutivos das diferentes economias brasileiras nos diversos momentos históricos e nos diversos espaços geográficos”.
Isto já não sendo pouco, o autor consegue recompor os “elementos e apresenta(r) os mecanismos em pleno funcionamento”. Esta a lição de história econômica de Celso Furtado: não se trata da economia na história, mas de entender a economia no que tem de histórico e de acontecimental. “Vai-se alem do acontecimento, dos acontecimentos só quando, como acontece nesse livro, se consegue mostrar um mecanismo, suas engrenagens, seus ritmos particulares, suas fricções, suas lentidões, suas acelerações, suas fraquezas, suas capacidades de resistência”. Daí resulta também a riqueza do conceito de subdesenvolvimento. Não é um estágio, mas uma especificidade histórica, particular, que não pode encontrar um modelo de transformação no desenvolvimento europeu, porque este também é histórico, particular e único em suas conjunturas e possibilidades.
Um último aspecto da recepção externa do livro é o debate quantitativo, relativo aos números e às fontes que Celso Furtado utilizou e as críticas que seu livro suscitou ainda nos anos 1970. É o que encontramos no debate sobre os rendimentos e as classes sociais envolvidas na economia açucareira, realizado pelo historiador francês especialista no comércio atlântico na Idade Moderna, Frédéric Mauro.
O caráter de balanço de conclusões, também caracteriza a resenha do economista americano especialista em economia brasileira, Werner Baer (1974). Trata-se para o autor, de “um dos grandes livros tanto da literatura das ciências sociais brasileiras quanto da literatura do desenvolvimento em geral”. “Ensaio interpretativo sobre a evolução econômica do Brasil”, o livro não pode ser avaliado segundo os padrões monográficos, à época praticamente inexistes, diga-se de passagem. Daí que “a maioria dos ataques dirigiu-se a detalhes, mas nunca conseguiu destruir o valor intrínseco da obra”. Ressalta na obra a discussão sobre que viria a ser chamado teoria da dependência; fazendo jus aos múltiplos fatores sociais, políticos, institucionais e econômicos que Celso Furtado leva em consideração em sua análise.

A consagração da "Formação Econômica do Brasil"

Esses alguns testemunhos da recepção de "Formação Econômica do Brasil". As resenhas e apresentações à obra se tornaram cada vez mais desnecessárias com o passar do tempo. Índice, sem dúvida, da penetração e aceitação do livro como uma fonte de interlocução. Mas o que pudemos perceber desse longo percurso são as múltiplas leituras que a obra ofereceu e ainda oferece para nós cinqüenta anos após sua publicação.
Por fim, se tentamos mostrar um pouco da impressão dos contemporâneos sobre "Formação Econômica do Brasil", podemos finalizar mostrando um pouco também de como Celso Furtado era visto, alguns anos após a publicação e antes de ser exilado pelo Golpe Militar que o incluiu na primeira lista de cassação. O testemunho é de Franciso Iglésisas no texto já mencionado:

Celso Furtado é hoje figura convocada obrigatoriamente de todos os pontos do país, sobretudo pelos moços, [...] bem como pelas associações de classe de todos os níveis, oficiais ou não, que desejam ouvir-lhe a palavra. Seus discursos e conferências, relatórios e entrevistas se multiplicam, sempre recebidos com interesse e proveito. Pela primeira vez no Brasil um economista se tornou figura popular, sem que cortejasse a opinião com linguagem política: mantendo sempre o tom do técnico, sem exibicionismo pedante nem tom de quem faz campanha eleitoral. Celso Furtado sabe falar, encontrando sempre a fórmula exata para a idéia exata. É que ele vive o que faz, com a fé por vezes rígida que encontramos nos homens do Nordeste, batidos e sofridos como sente até em suas expressões fisionômicas.

(*) Bacharel em história pela FFLCH-USP, mestrando em história econômica no Instituto de Economia da Unicamp.

À conformação de uma nova classe que lidere o campo popular

Questões Ideológicas
Fernando Del Corro
Dom, 18 de outubro de 2009 15:05

Buenos Aires (PL) - A Revolução Industrial, no século XVIII, deu lugar à formação de uma nova classe social, que, estruturada como tal, gerou as lutas políticas e econômicas que se desenvolveram durante duas centúrias. A reestruturação do sistema produtivo mudou radicalmente as relações de todo tipo em um passado não tão distante.
Um intento de análise de quais serão os protagonistas das novas confrontações foi o tema de uma conversa com o acadêmico mexicano Enrique de la Garza Toledo, doutor em Sociologia, docente em seu país na Universidade Autônoma do México (UAM) e dono de um frondoso currículo com antecedentes de casas de altos estudos de México, Estados Unidos e Reino Unido.
De la Garza visitou a Argentina no marco das jornadas que se desenvolveram na Cidade de Buenos Aires, organizadas pela Faculdade de Ciências Sociais (FCS) da Universidade de Buenos Aires (UBA). Estas, sob a denominação de "ALAS 2009", corresponderam aos habituais congressos bianuais da Associação Latino-americana de Sociologia (ALAS), nas quais participaram especialistas de numerosos países. Ademais da UBA, nelas tiveram participação outras universidades argentinas, organismos públicos do Cone Sul e a agência de notícias Télam, da Argentina.
Nessas circunstâncias se produziu o seguinte diálogo.

Fernando del Corro: Quando você falou em um painel, referiu-se à degradação do rol do trabalho na produção moderna e a chamou "toyotismo precário". É muito interessante. Fez-me recordar Enrico Berlinger, aquele grande secretário geral do Partido Comunista Italiano (PCI), quando em seu livro "A alternativa comunista", em 1972, sinalizou que a acumulação das chamadas "conquistas" por parte dos trabalhadores sem alterar as relações de poder levaria à ineficiência do capitalismo e a uma contra-ofensiva das corporações, coisa que sucedeu.

Enrique de la Garza Toledo: Entendo a ideia. Os salários nessa época cresciam muito mais rápido do que a produtividade e a renda se transferia, de forma significativa, para o setor laboral. Isso teve que ver com a crise capitalista dos anos 1970, que reverteu a expectativa do chamado "estado de bem-estar". Em boa medida isso deu lugar ao efeito tecnológico, porque se fazia necessário encontrar na tecnologia a forma de resistir à pressão operária. Um exemplo claro disso, já em 1982, foi a grande greve geral na Fiat, quando, com a robotização do processo produtivo, foi dispensada uma grande quantidade de pessoal. Os sindicatos responderam com a paralisação, mas no final foram derrotados.

Fernando del Corro: O caso da Fiat foi paradigmático. Uma grande derrota da classe operária, histórica, que pôs em evidência a chegada de novos tempos. Algo que não se limitou à Itália, senão que adquiriu caráter ecumênico. No caso da América do Sul foi a etapa das ditaduras genocidas que, em geral, foram muito explícitas na matéria, como as do Chile e da Argentina. Desde então, a capacidade aquisitiva dos salários, em nível mundial, se reduziu na ordem de 20%.

Enrique de la Garza Toledo: Foi assim que o processo produtivo se modificou de forma radical e as novas tecnologias já adquiriram muitas outras aplicações. O capital logrou reduzir abruptamente a necessidade de mão de obra ao mesmo tempo que descentralizou as relações de produção mediante a utilização do outsourcing (terceirização) e da facilidade de substituir um trabalhador por outro. A mão de obra muito qualificada tem mais possibilidades para sustentar-se, sobretudo a que tem a ver com as novas tecnologias, com as mais avançadas.

Fernando del Corro: Isso fez cair a versão simplista sobre a luta de classes do marxismo vulgar. (Karl Heinrich) Marx nunca disse que a pugna capitalistas-operários era universal e atemporal. Correspondia a uma etapa e a uma parte do planeta, do mesmo modo, por exemplo, que, na antiga Roma, os patrícios e os plebeus se disputavam o poder, não os escravos, que eram marginais nisso, ainda que em certa época tiveram algumas sublevações sem projeto político, como a mais conhecida de Espártaco. Os atores vão mudando, razão pela qual, retomando o que acaba de dizer, não estamos ante a aparição de novos atores desse histórico combate?

Enrique de la Garza Toledo: Haverá novos atores do mesmo modo que os houve cada vez que os modos de produção foram mudando. A questão é ver que tipo de atores aparecerão. Talvez, em nossos países, tão abundantes em mão de obra excedente, possam ser os setores informais, hoje setores despolitizados, os que em seu momento foram caracterizados por Marx como lumpem-proletariado. São os mais numerosos e não são privilegiados pelo sistema, ainda que tendam ao clientelismo político. Pode-se repensar o conceito de classe a partir da gente que vive na rua, dos pobres que morrem nas ruas?

Fernando del Corro: Parece que não. As confrontações sempre se deram entre classes com certas possibilidades de manejar o poder. Os outros setores acompanharam ou foram funcionais. Na Revolução Francesa, por exemplo, os sans coulotes (sem culotes, massas de necessitados) foram funcionais à direita para provocar a queda de Maximiliano Robespierre.
Que pensa da perspectiva de que sejam os setores altamente qualificados, os engenheiros de informática, para tomar um exemplo, que liderem as novas políticas de mudança? Se uma fábrica de automóveis, hoje, sofre uma paralisação do pessoal da linha de montagem pode resolvê-la com facilidade, sobretudo no marco da terceirização, mas, se o conflito é com os programadores, as coisas são diferentes, aí pode chegar a ser extremamente perigoso.

Enrique de la Garza Toledo: Há que se ver se essa gente pode agrupar-se, aí está o problema, ainda que não há dúvida do rol que terá a tecnologia em tudo isso. O novo sistema permite dispersar o pessoal e não tê-lo, necessariamente, concentrado num lugar. Esse pessoal se comunica, cada vez mais, à distância. Então, em vez de cara a cara, temos gente distante. Claro que se essa gente se chateia, e não só entre amigos, pode falar de coisas pessoais. Também o faz para as tarefas conjuntas e para ajudar-se diante dos problemas. A Suécia tem alguma experiência de organização que resulta das comunicações virtuais. Quer dizer, parece que se vão criando sistemas de solidariedade. A questão é ver que capacidade há para aprofundar a solidariedade à distância. Então a pergunta é: será possível que esse trabalhador informatizado, em todo seu amplo espectro, possa gerar uma consciência de classe?

Fernando Del Corro é jornalista, historiador, docente, assessor do Congresso argentino e colaborador da Prensa Latina.
Fonte: Prensa Latina
Tradução: Sergio Granja

terça-feira, 20 de outubro de 2009

II SESTMARX


De 11 a 14 de novembro de 2009
Local: Campus UNESP/IBILCE São José do Rio Preto
Rua Cristóvão Colombo, Jardim Nazareth, 2265 –
Jd. Nazareth

A organização desta 2ª edição do Sestmarx tem por intuito trazer importantes discussões acerca da acirrada luta de classes que já atravessa séculos. É consenso, entre os marxianos, que essa luta é o motor da história e que somente com a sua extinção poderemos elevar a humanidade a um patamar civilizatório onde a exploração do ser humano por outro só constará nos livros antigos de história.
A presente crise mundial é uma prova de forma latente que o capitalismo não é o fim da história como a sonolenta intelectualidade pós moderna rumina.
Milhões e milhões de trabalhadores morrendo de fome, desempregados, jogados pelas ruas, sobrevivendo com salários de fome ou de subempregos. Apodrecendo nas prisões, nos asílos, em campos de refugiados e nos canaviais. Sendo assassinados na periferia ou morrendo “lentamente” de desgaste físico/psicológico de tanto trabalhar. Esta é a liberdade proposta pelo capitalismo?! Será essa a tão almejada cidadania?! Será isso que bravejam ser a democracia?! Direitos iguais?! Universais?! Estatutos?! Pura falácia!
Esta nova crise mundial também evidência o poder teórico das análises de Marx & Engels e é um poderoso bombardeio aos intelectuais da elite (intelectolixos) que nos seus antros acadêmicos consideram o marxismo um cadáver.
É imprescindível que essas discussões se proliferem. Não só em universidades, mas também nas periferias, nas fábricas, sindicatos, movimentos sociais, associações de bairro, etc. Afinal, se a teoria se converte em força material quando penetra as massas, porque então aprisioná-la nas bibliotecas? Se o proletariado é a classe potencialmente revolucionária; e se marxismo é a teoria revolucionária do proletariado, até quando essa teoria ficará apartada das massas e confinada na academia ou em círculos de intelectuais conscientes da realidade? Se os filósofos apenas interpretaram (até certo momento da história) de diversas maneiras a realidade, até quando o marxismo será usado como mera ferramenta interpretativa da realidade? Até quando seremos meros espectadores da vida?


Informações:


www.sestmarx.blogspot.com

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O incômodo Censo Agropecuário


O incômodo Censo Agropecuário

ESCRITO POR ROBERTO MALVEZZI
16-OUT-2009

O último censo agropecuário trouxe verdades incômodas, que atiçaram a ira do agronegócio brasileiro. Afinal, a pobre agricultura familiar, com apenas 24,3% (ou 80,25 milhões de hectares) da área agrícola, é responsável "por 87% da produção nacional de mandioca, 70% da produção de feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 58% do leite, 59% do plantel de suínos, 50% das aves, 30% dos bovinos e, ainda, 21% do trigo. A cultura com menor participação da agricultura familiar foi a soja (16%). O valor médio da produção anual da agricultura familiar foi de R$ 13,99 mil", segundo o IBGE. Quando se fala em agricultura orgânica, chega a 80%. Além do mais, provou que tem peso econômico, sendo responsável por 10% do PIB nacional.
Acontece que a agricultura familiar, além de ter menos terras, tem menos recurso público como suporte de suas atividades. Recebeu cerca de 13 bilhões de reais em 2008 contra cerca de 100 bilhões do agronegócio.
Portanto, essa pobre, marginal e odiada agricultura tem peso econômico, social e uma sustentabilidade muito maior que os grandes empreendimentos. Retire os 100 bilhões de suporte público do agronegócio e veremos qual é realmente sua sustentabilidade, inclusive econômica. Retire as unidades familiares produtivas dos frangos e suínos e vamos ver o que sobra das grandes empresas que se alicerçam em sua produção.
Mas, a agricultura familiar continua perdendo espaço. A concentração da terra aumentou e diminuiu o espaço dos pequenos. A tendência, como dizem os cientistas, parece apontar para o desaparecimento dessas atividades agrícolas.
Porém, saber produzir comida é uma arte. Exige presença contínua, proximidade com as culturas, cuidado de artesão. O grande negócio não tem o "saber fazer" dessa agricultura de pequenos. E, bom que se diga, não se constrói uma cultura de agricultura de um dia para o outro. A Venezuela, dominada secularmente por latifúndios, não é auto-suficiente em nenhum produto da cesta básica. Exporta petróleo para comprar comida. Chávez, ao chegar ao poder, insiste em criar um campesinato. Mas está difícil, já que a tradição é fundamental para haver uma geração de agricultores produtores de alimentos.
O Brasil ainda tem – cada vez menos – agricultores que tem a arte de plantar e produzir comida. No Norte e Nordeste mais a tradição negra e indígena. No sul e sudeste mais a tradição européia de italianos, alemães, polacos etc. É preciso ainda considerar a presença japonesa na produção de hortifrutigranjeiros nos cinturões das grandes cidades.
Preservar esses agricultores é preservar o "saber fazer" de produtos alimentares. Se um dia eles desaparecerem, o povo brasileiro na sua totalidade sofrerá com essa ausência.
Para que eles se mantenham no campo são necessárias políticas que os apóiem ostensivamente, inclusive com subsídio, como faz a Europa.
Do contrário, se dependermos do agronegócio, vamos comer soja, chupar cana e beber etanol.

Roberto Malvezzi (Gogó), ex-coordenador da CPT, é agente pastoral.