segunda-feira, 28 de junho de 2010

A morte no caminho da cana


ESCRITO POR EGON DIONÍSIO HECK
26-JUN-2010


Carlitos liga com voz embargada e indignada: "Mataram meu neto e jogaram que nem cachorro!". Calma, Carlitos, deixa entender o que aconteceu!
"Meu neto Julio, de 16 anos, foi praticamente roubado para ser levado pelo cabeçante (o responsável por arregimentar um grupo de trabalhadores) para ir cortar cana. Ele foi com o documento do tio dele. Isso foi sábado de noite. Na madrugada recebi uma ligação do cabeçante dizendo que algo muito ruim tinha acontecido: meu neto Julio havia se jogado do ônibus e morrido. O corpo dele foi levado para Nioaque e depois para a terra indígena de Caarapó. Depois só chegou o corpo aqui para nós enterrarmos. Não deram explicação nenhuma. Isso não pode ficar assim. Morreu que nem um animal...".
Diante da narrativa e insistente pedido de ajuda, vi, pois, que queria saber a verdade. Disse não acreditar que seu neto tivesse se jogado da janela do banheiro do ônibus que levava indígenas para trabalhar no corte de cana na usina Santa Olinda, distrito de Quebra Coco, município de Sidrolândia. Falou que o atestado de óbito constata isso, mas que ele achava impossível.
Depois de tentar saber um pouco mais de detalhes, senti que ele estava inconformado, buscando ajuda para elucidar mais um crime dentre os inúmeros que continuarão muito provavelmente encobertos pela branca fumaça das usinas e o espesso véu da impunidade nos caminhos dos canaviais. Falei que iria comunicar ao nosso advogado, em quem a comunidade tem toda confiança, para que os ajudasse a ver que passos deveriam ser tomados no caso. Sugeri ainda que uma ajuda imediata poderia ser dada pelo Ministério Público Federal e, quem sabe, pela própria FUNAI.
A morte, alegadamente suicídio, de Julio Gonçalves Rocha, Kaiowá Guarani, 16 anos, filho de Arnaldo Gonçalves Rocha e Macilene Benites, moradores na aldeia do Passo Piraju, talvez venha apenas engrossar a estatística de uma morte por homicídio, suicídio ou assassinato por semana.

A cana não me engana

Esse foi o nome de um seminário promovido pelos movimentos sociais em Campo Grande, há poucos anos, diante da euforia do expansionismo da indústria sucroalcooleira no Mato Grosso do Sul e no Brasil. Anunciava-se entusiasticamente o céu do desenvolvimento sem sequer passar pelo purgatório.
O doce carro-chefe do etanol tinha na direção o governador do estado e, como entusiasta-agenciador, o próprio presidente da República. Falava-se nas 60 usinas que estariam explodindo em meio ao verde mar da cana. Era a festa excitada do grande capital multinacional.
Pequenos obstáculos, como a demarcação das terras dos Kiaowá Guarani, em cujas terras tradicionais várias dessas usinas estavam se implantando, não representavam maiores preocupações, pois o próprio governo do estado e os poderosos tentáculos do agronegócio cuidariam disso.
Além disso, já se previa o fim anunciado do extenuante e semi-escravo trabalho do plantio e corte da cana por indígenas, nordestinos e caboclos da região. Potentes máquinas, cada uma dispensando de 80 a 100 trabalhadores, entrariam em campo para fazer o seu gol, aplaudidas pelos "heróicos" senhores do agronegócio.
Tudo indicava um céu de brigadeiro. Finalmente o Mato Grosso do Sul estaria no rumo do desenvolvimento. À beira das estradas, nos canaviais e nas aldeias continuam sendo plantadas as cruzes de Julio, de João e Maria. É o preço amargo do açúcar e do etanol.

Egon Heck é coordenador do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) no Mato Grosso do Sul.

terça-feira, 22 de junho de 2010

CPT celebra 35 anos


Hoje, dia 22 de junho, a Comissão Pastoral da Terra celebra 35 anos a serviço dos camponeses e camponesas no Brasil. Fundada em plena ditadura militar, como resposta à grave situação dos trabalhadores rurais, posseiros e peões, a CPT contribuiu na luta e reorganização dos camponeses e camponesas no Brasil, em um dos períodos mais nefastos da história brasileira. Trinta e cinco anos depois, organizada em todos os estados brasileiros, a CPT reafirma o compromisso de fidelidade aos povos da terra e ao Deus dos pobres.

HISTÓRIA

A Comissão Pastoral da Terra (CPT), criada em 1975, após um Encontro realizado na cidade de Goiânia (GO) com bispos e religiosos da Amazônia, para discutir os problemas sócio-políticos e as violências vividas pelos povos do campo, surgiu como uma esperança de anúncio e denúncia. Denúncia das mazelas vividas e da opressão empreendida por latifundiários e grupos poderosos sobre os pobres do campo, e anúncio da boa nova, da esperança da terra prometida e do fim das agruras e das pobrezas vividas por esse povo de Deus espalhado pelos diversos “Brasis” existentes em nosso país. Essas são as ações que norteiam a missão dessa entidade desde sua criação.
Nascida para dar voz e vez aos trabalhadores e trabalhadoras rurais, brasileiros e brasileiras, escondidos e escondidas por trás das cortinas da exploração, a CPT se propôs, desde o seio da sua criação, a promover o protagonismo desses personagens, apoiando suas lutas, suas reivindicações e sua organização. Além de buscar o resgate da auto-estima dos agricultores e agricultoras, oprimidos e descartados por um mundo cada vez mais urbano, cada vez mais elitista e cada vez mais individualista. A terra não mais é vista como mãe de criação, como geradora de alimentos para seus filhos, mas apenas como acúmulo de capital e geradora de divisas. A mercantilização dos bens naturais acirrou a já tão triste realidade de exploração a qual fomos submetidos desde o nosso período de colonização. Tudo é vendável, tudo é lucrativo, nada é dividido e nada é distribuído.
A partir disso, a CPT buscou junto ao povo do campo alternativas para os desafios que essa realidade mercantil impõe à nossa sociedade. Tudo isso com a finalidade de que a terra deixe de ser vista apenas como um espaço de produção para ser um espaço onde se possa construir um lugar bom de se viver. Também com esse princípio, a CPT assume a questão da água como um dos seus grandes eixos de ação. A partir do momento que um bem natural corre o risco de ser transformado em mercadoria, a serviço de grandes empresas e interesses especulatórios, a CPT se junta às comunidades conservadoras do meio ambiente e do nosso patrimônio natural para defender e conservar essa riqueza, além de promover ações e iniciativas de busca alternativa por esse bem, para os que sofrem com a escassez e a seca sazonal comuns em algumas regiões do nosso país. As lutas assumidas pela CPT e a sua própria criação foram imprescindíveis num momento em que o contexto político e a violência praticada contra os trabalhadores e trabalhadoras do campo se multiplicavam principalmente no interior da Amazônia.
Até então, os trabalhadores e trabalhadoras do campo tinham apenas os sindicatos para olharem por eles, mas mesmo estas instâncias haviam se curvado à ditadura e feito acordos conciliatórios para terem uma mínima liberdade de atuação.
Sendo assim, religiosos e religiosas de variadas denominações cristãs, líderes populares, líderes sindicais, trabalhadores e trabalhadoras rurais uniram-se em torno de um grande ideal, ser fiel ao Deus dos pobres e estar a serviço dos pobres da terra. Formada por religiosos e religiosas, voluntários e voluntárias, e profissionais das mais diversas áreas do conhecimento, a CPT foi criando corpo e dando início às suas ações por todo o país. A essas pessoas foi dado o nome de agente, encarregados de ajudarem, assessorarem e denunciarem a realidade dos camponeses e camponesas brasileiros, oprimidos dentro de um contexto ditatorial e coronelista.
Ela deu início, também, ao trabalho de documentação. Documentação dos conflitos e violências no campo, como forma de denunciar à sociedade, às autoridades governamentais e ao mundo, a situação vivida pelos trabalhadores e trabalhadoras rurais em todo o país. Esse trabalho foi tornando-se mais sistemático, passando a compor uma publicação anual com o nome de Conflitos no Campo Brasil. Esse ano, tal publicação completa 25 anos e milhares de páginas com o suor e o sangue de tantos homens, mulheres e crianças que tombaram diante da violência dos poderosos e da impunidade velada no campo brasileiro.
A CPT tornou-se a única entidade a realizar tão ampla pesquisa da questão agrária no país, e formou uma das mais importantes bibliotecas e acervo documental da luta camponesa no Brasil e talvez no mundo. Outros países buscam a Pastoral da Terra como fonte de pesquisa e de inspiração na tentativa de desenvolver trabalhos similares em suas regiões.

A diversidade fez a unidade da luta

A partir da realidade de cada região, de cada comunidade, de cada interior desse país, a CPT foi criando uma das mais belas características que possui, a diversidade. Cada CPT criou seu rosto, suas qualificações, sua personalidade, mas todas elas voltadas para os mesmos objetivos, o da democratização do acesso a terra e do fim da violência contra os pobres do campo. E é exatamente por causa dessa diversidade, dessas particularidades de cada região do país, que outros grupos, organizações, entidades e movimentos sociais foram surgindo, a fim de atender a cada um dos cenários brasileiros que iam se apresentando.
Assim, em 1984, após um processo de fermentação ideológica e conceitual, surge, no Paraná, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Conhecido como um dos mais importantes nomes na luta pela reforma agrária no Brasil, o MST se consolidou no cenário político e no imaginário da sociedade brasileira. Além dele, outros vieram a se somar nessa luta que toma um corpo único no país.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

O pensamento vivo de José Saramago


Deixou de bater, dia 18 de junho, o coração do escritor, pensador, jornalista e político (filiado e, por um período, dirigente do Partido Comunista Português) José Saramago. Grande leitor e admirador da obra de Karl Marx, atuava também como um militante ateísta, combatendo o pensamento religioso. Perseguido pelo governo português e pela Igreja Católica, criticado por sionistas e obscurantistas de toda a sorte, dizia ter a “pele dura” para aguentar – e responder – os ataques que sofria.


sexta-feira, 4 de junho de 2010

Trabalho Escravo: uma vergonha a ser definitivamente abolida


“A exploração do trabalho escravo contamina toda a cadeia produtiva, levando às nossas casas a carne, a madeira e as roupas produzidas a partir do suor escravo. Não temos como saber, mas podemos exigir a partir da lista suja que a cadeia produtiva seja interrompida e que os frigoríficos e lojas não comprem produtos que tenham origem do trabalho degradante”. A análise é de Henrique Cortez, ambientalista e coordenador do Portal EcoDebate no sítio EcoDebate, 04-09-2009.
Ao mesmo tempo, o ambientalista afirma “como cidadãos devemos pressionar o presidente da Câmara dos Deputados para que a PEC 438 – que permite a expropriação, para fins de reforma agrária, das propriedades em que for comprovado trabalho escravo – seja retirada da gaveta e colocada em votação.
Eis o artigo.

Mais de um século após a Lei Áurea , continuamos um país escravocrata. Desde 2003, mais de 26 mil pessoas foram libertadas de trabalhos forçados em todo o país.
O governo federal continua apertando o cerco aos escravocratas, tendo, nos primeiros sete meses de 2009, libertado 1.492 trabalhadores rurais escravizados ou tratados de forma degradante. O estado do Pernambuco, em 2009, ocupou o primeiro lugar no ranking do trabalho escravo, com 369 pessoas entre janeiro a julho.
No período de 2003 a 2008, o Grupo Móvel libertou 26.890 trabalhadores em 1.368 estabelecimentos. Somente no ano passado foram resgatadas 5.016 pessoas em 301 fazendas fiscalizadas. A “lista suja” é um passo importante para erradicar a irresponsabilidade empresarial. Como consumidores/cidadãos devemos exigir que estas empresas criminosas sejam eliminadas do cenário econômico nacional. Caso contrário, os automóveis continuarão a ser abastecidos com uma triste mistura de álcool e sangue. Mas, diante a atual legislação, os escravocratas continuarão impunes, porque apenas as multas não os inibem. É imperativo que sejam criminalmente responsabilizados.
E, como se isto não bastasse, mediante liminares judiciais, diversos escravocratas continuam imunes à lista suja. Conheçam a lista suja através do site do MTE em http://www.mte.gov.br/trab_escravo/lista_2009_07_22.pdf, através da qual e possível identificar as propriedades exploradoras do trabalho escravo através do nome do proprietário, estado, município, nome da propriedade, ramo de atividade.
Há quem questione ou não compreenda a preocupação de ambientalistas para com o trabalho escravo, com o argumento que não é um tema ambiental. O assunto nos interessa e preocupa porque é evidentemente socioambiental. Um verdadeiro ambientalista não aceita uma cidadania parcial ou direitos humanos pela metade.
O trabalho escravo, por outro lado, está associado às madeireiras ilegais e à grilagem de terras públicas na “amazônia sem lei”. Nas palavras do gerente do IBAMA em Belém, Marcílio Monteiro – “O crime ambiental é primeiro do iceberg. Atrás vem formação de quadrilha, falsificação de documento, trabalho escravo. Em síntese: é toda uma atividade ilegal que o Ibama, junto com outros órgãos federais que estão atuando na região buscam eliminar”.
Sempre insistimos nas nossas preocupações com o mais do que conhecido consórcio amazônico da devastação: grilagem-madeireiras ilegais-queimadas-pecuária-monocultura da soja. É igualmente importante destacar o crescimento das denúncias de trabalho escravo e degradante na mesma medida da expansão da fronteira agropecuária na amazônia, principalmente porque o trabalho escravo é intensamente utilizado na primeira fase do processo – o desmatamento ilegal.
É importante reafirmar que não falamos da agricultura sustentável e responsável, nem do agronegócio em si, mas dos agrobandidos que se escondem atrás daqueles que produzem de forma correta e responsável.
Defendemos a aprovação da PEC 438 que permite a expropriação, para fins de reforma agrária, das propriedades em que for comprovado trabalho escravo. Defendemos, inclusive, que seja criado uma marco legal igualmente firme com o trabalho escravo urbano. É necessário agir para que a PEC seja votada com urgência. O trabalho escravo é um perverso “subsídio” que a todos prejudica, inclusive os produtores rurais que cumprem a lei.
A imensa maioria dos produtores rurais é social e ambientalmente responsável. Neste sentido nada tem a temer com a PEC 438, que apenas atingirá os escravocratas. Seria importante que a bancada ruralista compreendesse que obstruir o andamento da PEC 438 resulta como contrário aos interesses da maioria dos produtores rurais, apenas servindo para subsidiar a uma minoria criminosa.
Há ainda a necessidade de ampliar o combate ao trabalho escravo nos grandes centros urbanos, com destaque para São Paulo, no qual a mão de obra de imigrantes ilegais é escravizada para fins de produção, destacadamente em confecções. O trabalho escravo e/ou degradante nos centros urbanos é tão vergonhoso quanto o seu equivalente rural.
A exploração do trabalho escravo contamina toda a cadeia produtiva, levando às nossas casas a carne, a madeira e as roupas produzidas a partir do suor escravo. Não temos como saber, mas podemos exigir a partir da lista suja que a cadeia produtiva seja interrompida e que os frigoríficos e lojas não comprem produtos que tenham origem do trabalho degradante.
Aliás, já estamos enfrentando boicotes e restrições não alfandegárias, como a recente iniciativa de parlamentares norte-americanos em imporem restrições à importação de produtos siderúrgicos “contaminados” pelo trabalho escravo e do desmatamento ilegal. É evidente que é uma medida protecionista maquiada com a responsabilidade social, mas somos obrigados a reconhecer que os motivos realmente existem e por nossa responsabilidade.
Como cidadãos devemos pressionar o presidente da Câmara dos Deputados para que a PEC 438 seja retirada da gaveta e colocada em votação. O país está combatendo o trabalho escravo e os avanços foram significativos, mas ainda há muito que fazer.

‘ESTAMOS A ANOS-LUZ DA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO’, AFIRMA PROCURADORA

"Temos que ter humildade para admitir que estamos a anos-luz da erradicação do trabalho escravo". A declaração de Ruth Vilela, titular da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e personalidade central na repressão ao crime, simboliza, ao mesmo tempo, algum pessimismo e muita noção da realidade.
Em sua participação no I Encontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, realizado semana passada na capital federal, Ruth defendeu uma "guinada" dos esforços de combate à escravidão contemporânea para "um novo patamar". Os instrumentos deste enfrentamento em outro nível, propõe a secretária de inspeção, deve se dar no nível da investigação e da inteligência (especialmente relacionadas aos aspectos econômicos e comerciais vinculados ao crime), por meio da intensificação da troca e do cruzamento de dados apurados por parte de parceiros engajados, bem como do estabelecimento de redes de comunicação mais inteligentes relacionadas à temática.
A reportagem é de Maurício Hashizume e publicado pelo sítio Repórter Brasil, 01-06-2010.

Este novo pacto de "reflexão e compromisso" precisa ser concluído "imediatamente, antes das eleições deste ano", recomenda Ruth, que é auditora fiscal do trabalho de carreira. Os grupos móveis de fiscalização desde 1995 - e mais notadamente a partir de 2003 - têm cumprido o seu papel e garantido visibilidade ao MTE, que acaba de lançar duas novas publicações para difundir informações sobre o trabalho escravo. Para ela, porém, é preciso partir o quanto antes para uma próxima etapa "bem mais sofisticada no trato da prática [de escravidão] que queremos erradicar".
A despeito do empenho, do conhecimento acumulado e dos investimentos dedicados ao combate à exploração de mão de obra escrava até o momento, a secretária avalia ser necessário qualificar melhor as teias complexas e muitas vezes subterrâneas por trás do crime. A perspectiva de extinção do trabalho escravo por meio do diálogo e da negociação decorrentes de ações repressivas está envolta em certa ingenuidade, classifica Ruth. Apenas quando o combate ao problema estiver em outro patamar mais elevado, antecipa a servidora pública, haverá um "melhor equilíbrio das forças".
As libertações, observou a secretária aos participantes do evento, não param apenas na divulgação dos casos na mídia. Com frequência, ela - que está na função desde 2003, mas também já ocupou o mesmo cargo (1994-1999) durante o governo de Fernando Henrique Cardoso - confirma participação em audiências no MTE com representantes de empresas e setores econômicos que, basicamente, alegam que o trabalho escravo é uma invenção das operações fiscais e reclamam dos pretensos "exageros". Segundo Ruth, mesmo detalhados e circunstanciados, os relatórios de fiscalização não vem sendo suficientes para convencer a concentrada classe dos proprietários rurais de maior porte. "Não é fácil mudar uma herança atávica de séculos", pontua. "Não saberia dizer quanto é cinismo e quanto é desconhecimento".
A integração dos bancos de dados, especialmente dos órgãos públicos, também foi defendida por Delano Cerqueira Bunn, chefe da Divisão de Direitos Humanos da Polícia Federal (PF). Uma das demandas colocadas à PF no combate ao trabalho escravo está na atuação do órgão como Polícia Judiciária - coletando provas do crime (por meio de perícias, por exemplo) para processos penais e ações civis públicas. De acordo com ele, o baixo número de efetivo em face das exigências complica esse tipo de intervenção.
Aos participantes do I Encontro Nacional, o integrante da PF sinalizou com a possibilidade de utilizar as mesmas ferramentas do combate ao crime organizado nos casos de escravidão. Por meio de trabalho prévio de inteligência (interceptações de comunicação, análises das cadeias econômicas etc.), seria possível, na visão dele, investigar diversos crimes de forma transversal, inclusive analisando a possível leniência ou cooperação de autoridades, com "materialidade do conjunto probatório".
De 1999 a 2009, mais de 1 mil inquéritos relacionados ao crime foram instaurados no âmbito da PF. Delano manifestou planos de enviar cada vez mais delegados para as missões do grupo móvel. Citou também a intenção de viabilizar uma operação piloto em Marabá (PA) para atacar a via financeira dos responsáveis pela escravidão e desbaratar esquemas de "gatos" (aliciadores de trabalhadores rurais à procura de empreitadas, muitas vezes migrantes). Com esse tipo de preparação, projeta, as fiscalizações in loco ficariam apenas para confirmar o flagrante na conclusão do processo.
Outras indicações no sentido do combate ao trabalho escravo em patamares "superiores" foram dadas pelo juiz Marcus Barberino, do Tribunal Regional do Trabalho da 15a Região (TRT-15). Durante o evento, ele evidenciou as peculiaridades da sociedade contemporânea e as complexas formas de organização das redes que podem se entralaçar à prática da escravidão. "O sistema de Justiça está a dever", assume. Segundo o juiz, existe "técnica civilizatória", com quadros e conhecimentos, para erradicar o crime, mas ainda prevalece a distância entre as exigências do mundo real e os moldes ainda utilizados para as decisões do Poder Judiciário.
Marcus sugeriu uma maior cooperação técnico-jurídica entre a Justiça do Trabalho e a Justiça Federal e realçou medidas como as condenações por danos morais coletivos, o arrendamento judicial (intervenção do domínio econômico) e a ressocialização de egressos da escravidão em atividades associadas ao reflorestamento de áreas desmatadas. "Entre a civilização e a barbárie", acrescentou, "não basta colocar mais policiais". E advertiu: "Não é só Estado que resolve. O envolvimento da sociedade é fundamental".

Respostas concretas

A postura adotada por outro juiz, Carlos Henrique Borlido Haddad, da Vara Federal de Marabá (PA), se destaca no contexto do combate ao trabalho escravo no país e mereceu espaço no I Encontro Nacional.
Diante dos escassos casos de condenação pelo crime - que pavimentam a impunidade -, ele decidiu instituir o que chama de "Projeto Guardião". Alguns servidores foram selecionados para "cuidar" de 10 a 15 processos prioritários e impedir que fiquem parados nas prateleiras.
"Comecei a viajar para o interior para realizar audiências. Convoquei auditores fiscais para prestar depoimento. Ou seja, estabeleci uma logística possível que foge do padrão", conta Carlos. Até agora, o magistrado já emitiu 45 sentenças referentes a processos de trabalho escravo, com mais de 30 condenações de escravagistas, ainda que em primeira instância.
O juiz federal acredita que determinados processos - trabalho escravo, conflitos agrários, improbidade administrativa, crimes ambientais etc. - merceem ser priorizados em função do interesse público. Atualmente, tramitam na Vara de Marabá (PA) 96 processos de escravidão, dentro da totalidade de 12 mil. Em junho, Carlos prevê a expedição de pelo menos 10 novas decisões. Ele declara que gostaria que os casos diminuíssem, mas os flagrantes continuam comuns - especialmente no "roço de juquira" (preparação de pasto para pecuária extensiva), diante do ambiente de desaquecimento da demanda por carvão vegetal das siderúrgicas do Pólo Carajás.
Apesar da recomendação por parte do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para o julgamento preferencial de casos de conflitos fundiários, incluindo trabalho escravo, as iniciativas nesse sentido ainda são raras. "Isso é terrível. São iniciativas individuais tentanto fazer a diferença, mudar alguma coisa. Mas, embora sejam elogiáveis, elas nunca são ideais. Apenas o trabalho coletivo vai produzir resultados mais abrangentes", coloca Carlos. A experiência em Marabá, complementa, poderia ser reproduzida em qualquer outra Vara com concentração de processos similares. "Basta ter vontade".
As ações inovadoras contra o trabalho em condições análogas à escravidão no meio urbano foram abordadas no mesmo encontro pelo auditor Renato Bignami, da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP). Articulador do Pacto Contra a Precarização e Pelo Emprego e Trabalho Decentes - Setor de Confecções, ele tratou das motivações econômicas - por meio da comparação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), do Produto Interno Bruto (PIB) e da renda per capita - para a migração de bolivianos, paraguaios, peruanos e trabalhadoires de outros países vizinhos à pujante Região Metropolitana de São Paulo.
Esses imigrantes explorados nas chamadas "facções de costura" carregam um forte traço indígena (Guarani, Quechua, Aymara) e estão inseridos no contexto produtivo do conceito "fast fashion" que domina o setor. A condição ideal para a manutenção do fluxo de tráfico internacional de pessoas e de surgimento das chamadas sweat shops (oficinas em condições precárias) é resultado, segundo Renato, da combinação de três fatores principais: flexibilidade de mão de obra; demanda aquecida e voracidade do mercado no país de chegada; e baixa capacidade de absorver trabalhadores no país de origem.
Para desmontar esse quadro (servidão por dívida, ameaças à integridade física, retenção de documentos, jornada exaustiva e condição degradante), o coordenador da Fiscalização do Trabalho da SRTE/SP sublinhou medidas que já vem sendo tomadas nos casos de libertações no meio rural: resgate, registro em carteira, pagamento de verbas rescisórias e Seguro Desemprego do Trabalhador Resgatado, e inclusão na "lista suja" do trabalho escravo - cadastro de empregadores flagrados mantido pelo governo federal.
A chaga das terceirizações e subcontratações que encobre essa situação deve ser combatida, na opinião de Renato, com a responsabilização-chave da cadeia de valores. Normatizar um programa público de intermediação de mão de obra entre países da América do Sul, qualificar estrangeiros para a consolidação como pequenos empresários e punir as máfias responsáveis pelo tráfico de pessoas são ações indispensáveis, adiciona o auditor fiscal, especialmente após o processo de anistia de imigrantes ilegais e o Acordo de Livre Residência do Mercosul (estendido a Chile e Bolívia) do ano passado.
O programa de reinserção de egressos do trabalho escravo em curso no Mato Grosso foi objeto da explanação do suprintendente Valdiney Arruda, da SRTE/MT. Desde 2008, a Comissão Estadual pela Erradicação do Trabalho Escravo do Mato Grosso (Coetrae/MT), formada por membros do poder público e representantes da sociedade civil, tem se dedicado a tornar concreta a experiência de reinserção social e profissional. A iniciativa é chamada de Ação Integrada e capacita trabalhadores para que eles possam superar a condição de vulnerabilidade das potenciais vítimas da escravidão.

Sindicato e empresariado

Representante dos sindicatos dos trabalhadores no I Encontro Nacional, Artur Henrique da Silva Santos, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), reafirmou a relevância da responsabilização das cadeias produtivas no combate à escravidão. A erradicação tanto do trabalho escravo quanto do trabalho infantil deveria ser uma preocupação de todos, complementou.
Apesar da aparente concordância de que é fundamental acabar com o crime, algumas pessoas, empresários e proprietários rurais, advertiu Artur, ainda vêm a público contestar o "conceito" de trabalho escravo. "Como se os fatos não fossem mais do que concretos. É um absurdo que ainda haja resistência contra a aprovação da PEC 438/2001 [que determina o confisco de terras onde houver escravidão e detina as áreas para o programa de reforma agrária]".
O presidente da CUT salientou ainda que os agentes econômicos que recebem financiamento público devem oferecer contrapartidas sociais como a adoção de padrões de trabalho decente - mais do que o mero trabalho formal. Como sugestão de mecanismos, Artur eleje esses tipos de medidas mais "positivas" (concessão de crédito mediante condições exemplares de trabalho e benefícios socioambientais) com sanções mais "negativas" (veto de negócios com empregadores da "lista suja" - fundamento do acordo empresarial do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo).
Do ponto de vista do curto prazo, comentou Paulo Mindlin, diretor de sustentabilidade do Walmart Brasil e do Instituto Walmart, o engajamento no combate ao trabalho escravo no Brasil não traz tantas vantagens. Mas desde que a empresa decidiu adotar uma política mais efetiva de sustentabilidade em nível mundial, há cerca de cinco anos, a representação brasileira da companhia norte-americana passou a abraçar causas sociais como o conbate ao trabalho escravo.
A empresa faz parte do Pacto Nacional desde 2005 e vem utilizando o seu peso comercial para isolar empresas incluídas na "lista suja", como no caso da gigante sucroalcooleiraCosan. "Apoiamos e usamos a ´lista suja´", confirmou. O Walmart recolheu ajudou ainda a recolher cerca de 150 mil das 280 mil assinaturas entregues na Câmara dos Deputados pela aprovação da PEC do Trabalho Escravo.
Assim como o diretor da rede varejista, Simone Valladares, que é da Siderúrgica Viena e ocupa a presidência do Instituto Carvão Cidadão (ICC), também fez parte da mesa sobre "Trabalho Escravo e Responsabilidade Empresarial". De 2004 a 2009, o ICC promoveu 2,8 mil auditorias e descredenciou 326 fornecedores de carvão vegetal para o parque siderúrgico instalado na região de mais de 2 mil km2 que se estende por quatro estados (Maranhão, Pará, Tocantins e Piauí) e circunda a mina de ferro de Carajás.
Desde 2005, o ICC mantém ainda um programa de inserção social de egressos do trabalho escravo. A segunda etapa, que conta com o apoio da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do governo da Alemanha, teve início em fevereiro de 2007. Ao todo, 166 trabalhadores saíram do ciclo perverso do trabalho escravo e foram contratados como parte da iniciativa. A entidade também acaba de anunciar um acordo com um grande comprador internacional (a Nucor) para que as compras de ferro-gusa se restrinjam apenas às 11 siderúrgicas que fazem parte do instituto. "O trabalho escravo não é uma questão cultural. Podemos romper", disse Simone.
Superintendente jurídico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Hugo Ferreira esteve no evento para reafirmar as bases da política adotada pelo banco de incentivo a práticas trabalhistas decentes.
Ele assegura que agentes econômicos que fazem parte da "lista suja" não têm acesso a empréstimos e que a instituição faz outras checagens (que envolvem inclusive a análise dos dirigentes da empresa e de possíveis passivos administrativos e sentenças judiciais) relacionadas ao cumprimento de cláusulas sociais.
O gerente de Cidadania Empresarial do Banco do Brasil (BB), Francisco Herculano da Cunha, repetiu que a análise de risco passou a incorporar definitivamente a verificação de itens socioambientais. Segundo o dirigente, o banco - com ativos da ordem de R$ 709,5 milhões, 52,7 milhões de clientes, R$ 300,8 bilhões de carteira de crédito, R$ 337,6 bilhões em depósitos e 104 mil funcionários - passou também a incentivar o crédito ligado a iniciativas de cunho sustentável. O BB também é signatário do Pacto Nacional e faz consultas recorrentes à "lista suja". "Seria bom se outros órgãos também tivessem um cadastro semelhante", declarou Francisco. Juntamente com o Serasa, o banco desenvolve um amplo sistema de varredura de registros sobre potencias clientes.

Agronegócio: uma face do latifúndio no país. Entrevista especial com Marcos Pedlowski

“Não podemos entender a discussão do agronegócio sem primeiro compreender o que ele estabeleceu do ponto de vista produtivo e qual foi seu impacto na questão da concentração das propriedades de terra em países como o Brasil”. A afirmação é do professor e pesquisador da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Marcos Pedlowski. Em entrevista, concedida, por telefone, à IHU On-Line, Pedlowski explica como a prática, considerada por ele uma maquiagem para a proteção do latifúndio no país, pode ser prejudicial para a sociedade brasileira e mundial.
Segundo ele, “quem mais ganha com o agronegócio são as grandes cadeias de comercialização, que ficam com o grosso do que é gerado mundialmente”. Pedlowski aponta que “isso foge do nosso alcance, porque, geralmente, ficamos só observando a relação entre agronegócio, latifúndio e reforma agrária”. “O agronegócio não é autodestrutivo, é destrutivo só para a nação e para os países que tentam sair dessa dependência histórica e geopolítica dos países ricos”, afirma.
Marcos Pedlowski é professor associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, com atuação no âmbito do Laboratório de Estudos do Espaço Antrópico do Centro de Ciências do Homem da UENF.
Confira a entrevista.

IHU On-Line - Quando, hisoricamente falando, surgiu a ideia de agronegócio?
Marcos Pedlowski
Academicamente, existem artigos que citam o surgimento do termo agronegócio na década de 1950, mas isso não é verídico. O conselho da Revolução Verde, no qual o agronegócio é irmão-gêmeo, nasceu com a concepção de uma nova forma de produzir, menos dependente das intempéries. Por outro lado, isso estabelece a necessidade de uma nova integração no processo produtivo na agricultura.
Porém, uma das promessas que a Revolução Verde trazia, a partir dessa maior cientificidade do processo produtivo, era o fim da fome, além da maior democracia no acesso à terra. Se olharmos no tempo, vemos que a Revolução Verde não acabou com a fome, e tão pouco democratizou a propriedade da terra no mundo. Pelo contrário, essa forma de produzir tem elevado o índice de concentração de terras na maior parte do planeta
.

IHU On-Line - O agronegócio hoje está posicionado dentro de questões fundamentais no Brasil, como no debate do código florestal, e colocando o país como maior consumidor de agrotóxicos no mundo. Como o senhor vê a relação entre esses temas vinculados ao agronegócio?
Marcos Pedlowski
Temos que ligar essa questão da Revolução Verde e do agronegócio às características que o capitalismo tem nos países de periferia como o Brasil. O termo que foi cunhado, a partir da década de 1960, para definir o que acontece em países como o nosso é modernização conservadora. Do ponto de vista da importação ou dos pacotes, hoje falamos em implementos agrícolas, agrotóxicos, sementes geneticamente modificadas, e isso tudo foi feito às custas da manutenção.
Tenho visto alguns números sobre Coeficiente de Gini [1] no Brasil, uma curva que mede a igualdade e desigualdade. Quanto mais próximo o coeficiente está de zero, maior será a igualdade, quanto mais próximo de um, maior a desigualdade. Os últimos dados que temos são de 2006, e registram 0.87 no Brasil. Isso, na escala do coeficiente, é uma concentração bastante forte. O interessante é que, em 1996, o número era 0.856. Entre esses anos, tivemos um acréscimo de dois pontos, o que significa que aumentou a concentração da terra no país.
Não podemos entender a discussão do agronegócio sem primeiro compreender o que ele estabeleceu do ponto de vista produtivo e qual foi seu impacto na questão da concentração das propriedades de terra em países como o Brasil, onde essas propriedades já eram muito concentradas. Normalmente, a faceta mais ideológica e que ficou muito mais popularizada a partir da década de 1990, no Brasil, do agronegócio como algo moderno, e da agricultura familiar como algo atrasado, não é fortuita, já que corre na onda neoliberal.
A questão da maior dependência do mercado e a maior inserção no mercado mundial virou quase uma religião. De lá para cá, temos usado o agronegócio como símbolo de modernidade, quando, na verdade, temos um maior nível de contaminação de solos e recursos hídricos, contaminação de trabalhadores por agrotóxicos e por dispersão de sementes geneticamente modificadas, os desmatamentos no centro-oeste e na Amazônia e a questão do trabalho escravo. Tudo isso está concentrado no agronegócio, que é apenas uma faceta ou maquiagem para a manutenção do latifúndio no país.

IHU On-Line - Qual é o discurso dos latifundiários acerca do trabalho escravo?
Marcos Pedlowski
Isso tem sido liderado pela senadora Kátia Abreu, que fala que devemos discutir à exaustão o que é trabalho escravo. Também já ouvi o deputado do PPS de Rondônia, Rubens Moreira Mendes, no Encontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo em Brasília. Ele fala que se fôssemos cumprir todos os critérios da legislação vigente, nenhum pequeno produtor cumpriria as normas. Por isso, é complexo falar o que é trabalho escravo, o que deveria ser feito é um diálogo exaustivo para ajustar a realidade do campo à legislação.
Quando temos documentação explícita e uma proposta de legislação mais rígida parada no congresso por força do latifúndio e do agronegócio, a PEC 438, quando sabemos exatamente o que é trabalho escravo, a escravidão por dívida ou a escravidão por não cumprimento da legislação trabalhista, não precisamos nos ater a normas mais estritas. O código civil e a constituição são suficientes para determinar e punir trabalho escravo, não há discussão. Sabemos que a legislação rediscutiu o que é trabalho escravo, o que é uma atitude de procrastinação das medidas que devem ser tomadas contra os escravocratas. É lamentável que a Banca Ruralista do Congresso esteja protegendo os produtores que viabilizam a sustentabilidade da agricultura agroexportadora nos países desenvolvidos. Não só se fala em rotular socialmente o álcool, mas também a soja e tudo mais.
Enquanto existir desconfiança, ou certeza, o trabalho escravo permanecerá no Brasil, e hoje ele está espraiado por todas as regiões. O estado com maior apreensão de trabalho escravo atualmente é Santa Catarina. Não existe escravidão em pequenas propriedades familiares, quando encontramos esta prática, é em latifúndios e empresas do agrobusiness. É esta a discussão que deve ser feita. Rediscutir o trabalho escravo é dizer que não sabemos quando alguém está preso, quando existem capatazes e jagunços, quando o trabalhador está com os documentos retidos ou não sabe o quanto ganhou por um dia de trabalho.


IHU On-Line - Analisando as propostas colocadas em jogo em relação às eleições deste ano, quando a reforma agrária, no Brasil, será realizada?
Marcos Pedlowski
A Reforma Agrária não será realizável enquanto não se entender que o que está em jogo é o apoio que as administrações federais dão ao agronegócio. O agronegócio representa uma possibilidade de articulação com o mercado globalizado, o que, do meu ponto de vista, é uma aposta equivocada se considerarmos que os preços das principais commodities estão em depressão histórica. Porém, existe a insistência no financiamento do agronegócio. Este ano, por exemplo, a agricultura está recebendo um aporte financeiro do governo federal de 12 bilhões de reais para colocar em safra. Deste dinheiro, 10 bilhões estão indo para o agronegócio.
No entanto, a dívida acumulada do agronegócio em 2008, é de 75 bilhões de reais, sendo que destes, 27 bilhões são dívidas da década de 1990. Essa é uma aposta que nos mantêm financiando o latifúndio, dependentes de uma agricultura globalizada em que temos uma depressão contínua dos valores reais dos produtos. E ainda há algo pior. Neste momento, com a crise na Europa e a ameaça de crise hipotecária na China, o Brasil pode ter um colapso em sua balança comercial por causa da aposta no agrobusiness.
Por outro lado, quando lembramos, objetivamente, o que já havia sido feito pelo FHC e pelo Lula em termos de agronegócio, percebemos que não houve reforma agrária. O que tem acontecido, principalmente na Amazônia, é o Programa de Regularização de Posses de caráter muito precário e que não mexe no centro do problema, que é o Coeficiente de Gini. Este coeficiente aumentou durante o governo Lula, isto significa que não houve nenhuma reforma. Isso é interessante. O agronegócio é feito por um número pequeno de proprietários.
Sabemos que proprietários com mais de mil hectares no Brasil, que são 1% dos proprietários, controlam 43% das terras no país. Não há, nesse horizonte, nenhuma proposta que reaja pela reforma agrária. Mas, na minha visão, quando analisamos especialmente os resultados surpreendentes que aparecem no censo agropecuário em 2008, e que causam certa estupefação, vemos que o grosso da produção, não apenas de alimentos, mas de commotidies, é da agricultura familiar. Isto nos mostra que a opção correta para o Brasil seria fazer uma corajosa reforma agrária e modernizar o campo brasileiro do ponto de vista das relações sociais e produtivas. Essa modernidade de agrotóxicos, desmatamentos, escravidão é falsa.

IHU On-Line - E como a Revisão dos índices de produtividade pode colaborar com o início da reforma agrária efetiva no Brasil?
Marcos Pedlowski
Certamente, essa é outra falácia. O latifúndio, toda vez que faz uma aposta ruim, vai correndo pro estado pedir renegociação e mais dinheiro. Ao mesmo tempo, quando vemos que nenhum esforço objetivo tem sido feito nas regiões brasileiras, não temos uma mudança de produtividade. Dizem que hoje somos 75% mais produtivos, mas 75% mais produtivos em relação a quê? Certas culturas têm sua produção estabilizada quando a área aumenta muito, como no caso da Amazônia. Ou seja, o que tivemos de aumento na produção está ancorado no aumento da área em produção, não existe um aumento de produtividade. Por isso que o latifúndio é contra a ausência de produtividade, porque sabe que, se esses índices estiverem defasados, deve investir muito mais, melhorar a capacidade dos trabalhadores e aperfeiçoar os investimentos públicos.
Na verdade, esse apoio à safra não passa de subsídios disfarçados. Ogoverno Lula reclama dos subsídios da União Europeia, mas, ao permitir essa rolagem eterna da dívida do latifúndio, não faz nada mais do que subsidiar. Acredito que essa questão da revisão dos índices de produtividade é uma necessidade, não apenas do ponto de vista da reforma agrária. Quando fica escancarado que determinados proprietários não estão preocupados com produtividade, e estão fazendo especulação fundiária, torna-se evidente que precisamos de uma mudança muito grande. Assim eles seriam obrigados a fazer um esforço para se adequar a uma realidade em termos de observação da função social da terra.
Por outro lado, se eles continuarem não querendo trabalhar na terra de forma mais produtiva, podemos usar isso para fazer uma reforma agrária. Como é apresentado, parece que só se quer a revisão para fazer a reforma agrária, isso não pode ser o único motivo. Um motivo a mais, e talvez a prioridade, é que termos muita terra improdutiva no país. E, convenhamos, o latifúndio não tem uma competência real para ser produtivo, especialmente se não tiver os subsídios que recebem do estado.

IHU On-Line - O que vem a ser o Neolatifúndio?
Marcos Pedlowski
O neolatifúndio é o que estão chamando de agronegócio. O problema é que ninguém gosta de ser chamado de latifundiário. É mais chique ser chamado de agroboy ou agro qualquer coisa. Eu pelo menos entendo a expressão como latifúndio com cara moderna, mas que continua sendo o latifúndio de sempre. Na literatura mexicana, quando se fala na questão da reforma agrária, usa-se o termo neolatifúndio como um filão para agronegócio. Mas quando se fala em agronegócio, não temos mais aquele latifundiário que forma sua empresa agrícola.
Não é somente a questão local que influencia, temos ligação direta entre as grandes multinacionais de produção de sementes, de agrotóxicos, e essa ligação não para por aí. Temos quem recolhe a safra, - um exemplo são os produtos da Monsanto que vão para a Bunge - depois alguém exporta e vai parar no Carrefour, em Paris, ou no Walmart, em Washington. Se observarmos os cálculos, quem mais ganha com o agronegócio são as grandes cadeias de comercialização, que ficam com o grosso do que é gerado mundialmente. Isso foge do nosso alcance, porque, geralmente, ficamos só observando a relação entre agronegócio, latifúndio e reforma agrária. Esse seria moderno, tecnológico. A defesa desse novo latifúndio, na verdade, é outra forma de falar que não precisamos mais de reforma agrária
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IHU On-Line - A estratégia adotada pelo agronegócio, levando em conta o desmatamento, o trabalho escravo e degradante, uso de agrotóxicos, é autodestrutiva?
Marcos Pedlowski
Não, ela só nos destrói. Na lógica, que é globalizada, aqueles que são responsáveis pelo funcionamento não estão onde os grandes problemas vão se manifestar. O agronegócio não é autodestrutivo, só para a nação e para os países que tentam sair dessa dependência histórica e geopolítica dos países ricos. Um exemplo é Campos dos Goytacazes. Quando se fecham as usinas, os usineiros vão construir hotéis, grandes prédios comerciais e vão vender terreno na rua.
A empresa jurídica vai falir, e a pessoa física vai estar na boa. Temos situações em que a fábrica falida de um usineiro, que estava escravizando pessoas, é transferida para outro lugar. Não vemos estes trabalhadores escravos procurarem seus direitos. Essa mobilidade do agronegócio traz a impunidade. O latifúndio quer falar que trabalho escravo só pode ser punido se julgado, mas existem causas trabalhistas que duram 30 anos. Se pensarmos em projetos de desenvolvimento nacional, isso é destrutivo para o país. O agronegócio se recicla
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Notas:
[1] Coeficiente de Gini é uma medida de desigualdade desenvolvida pelo estatístico italiano Corrado Gini. É comumente utilizada para calcular a desigualdade de distribuição de renda mas pode ser usada para qualquer distribuição. Ele consiste em um número entre 0 e 1, onde 0 corresponde à completa igualdade de renda (onde todos têm a mesma renda) e 1 corresponde à completa desigualdade (onde uma pessoa tem toda a renda, e as demais nada têm). O índice de Gini é o coeficiente expresso em pontos percentuais (é igual ao coeficiente multiplicado por 100).

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Boletim Notícias da Terra e da Água ed 09


III Congresso Nacional da Comissão Pastoral da Terra
Entre os dias 17 e 21 de maio, mais de 800 pessoas de todo o país, trabalhadores e trabalhadoras rurais de diversas entidades, movimentos sociais, quilombolas, indígenas e agentes de pastoral se reuniram em Montes Claros, MG, para o III Congresso Nacional da Comissão Pastoral da Terra. o Congresso é o momento e o espaço em que a CPT ouve os trabalhadores, para definir suas ações nos próximos anos. Durante o Congresso havia uma mistura de cores, ritmos, crenças, sotaques e culturas, e houve a oportunidade de conhecer e debater muitas experiências de resistência e luta. Houve também muitas denúncias de inúmeros casos em que o poder judiciário executa e legaliza a espoliação, despejando todo ano milhares de famílias. Convidados apresentaram ainda análises de conjuntura sociopolítica, ambiental e eclesial, e diante de todas essas trocas de experiências e conhecimentos a CPT assumiu:
- o enfrentamento ao modelo predador do ambiente e escravizador da vida de pessoas e comunidades, baseado em monocultura e mega-projetos impostos a toque de caixa, como a transposição do Rio São Francisco, a hidrelétrica de Belo Monte e outras;
- a formação para uma espiritualidade, centrada no seguimento radical de Jesus que nos dê força para não servir a dois senhores e que testemunhe os valores do Reino;
- a necessidade de contribuir com a articulação e o fortalecimento das organizações populares, do campo e da cidade;
- a incorporação na luta contra o agronegócio das atuais exigências de convivência com a diversidade dos biomas e povos que ali vivem e resistem, buscando formar comunidades sustentáveis. Como sinal concreto, a CPT assumiu, junto ao Fórum Nacional pela Reforma Agrária, a realização, em setembro próximo, do Plebiscito Popular para se colocar um limite à propriedade da terra. Maiores informações sobre tudo que aconteceu no Congresso, acesse http://www.cptnacional.org.br/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&id=32&Itemid=82. (Fonte: CPT)

MINUSTAH invade Universidade e prende estudante no Haiti
Tropas brasileiras da MINUSTAH invadiram na noite de 24 de maio último, a Universidade Estatal do Haiti (UEH), em Porto Príncipe, utilizando cassetetes e gás lacrimogêneo. Sequestraram livros, cadernos e laptops de vários estudantes, além de prender o universitário Mathieu Frantz Junior. A ação ocorreu sob o pretexto de que uma pedra teria sido atirada contra um dos veículos da tropa. Em solidariedade ao estudante preso, na manhã seguinte universitários interditaram algumas ruas nas imediações da UEH e as tropas brasileiras não tardaram em dispersar a manifestação com nova sessão de golpes de cassetete e gás lacrimogêneo. A ação militar ocorrei exatamente quando os estudantes da UEH junto com diversas organizações populares vinham realizando manifestações públicas de repúdio à presença das tropas de ocupação da ONU. O próprio Representante Especial da Secretaria Geral da MINUSTAH, Edmond Mulet, classificou a ação dos soldados brasileiros como “hostil” e se desculpou publicamente em pronunciamento oficial à imprensa local. (fonte: Brigada Dessalines)

I Encontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo
De 25 a 27 de maio, representantes do governo, de organizações de empregadores e da sociedade civil se reuniram em Brasília para debater formas de combate ao trabalho escravo. Promovido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, pela Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE) e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), o evento se propôs a discutir temas como “Por que o trabalho escravo persiste?”, “O Papel do Congresso Nacional no Combate ao Trabalho Escravo”, “Trabalho Escravo e Responsabilidade Empresarial”. O evento contou com a presença de quatro ministros, Paulo Vannuchi, Carlos Lupi, Guilherme Cassel, e Wagner Rossi, além do Diretor da Organização Internacional do Trabalho para a América Latina e o Caribe, Jean Maninat. Da CPT participaram também como palestrantes Frei Xavier Plassat e o advogado José Batista Afonso.

Ato político pela aprovação da PEC do Trabalho Escravo
Na tarde da última quinta-feira, 27 de maio, em frente ao Congresso Nacional mais de 300 manifestantes de movimentos sociais, da Via Campesina e do Movimento Humanos Direitos, fincaram cruzes no gramado com o nome dos 161 escravagistas do Brasil, que tem seus nomes na lista suja do Ministério do Trabalho. Durante o ato, que marcou o encerramento do Encontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, apresentou-se o resumo das resoluções aprovadas no Encontro, e nos discursos se exigia que a Câmara dos Deputados aprove a PEC 438 que prevê o confisco das terras onde for flagrada a prática de trabalho escravo e a distribuição delas para os trabalhadores vítimas dos escravagistas. (Fonte: Portal Vermelho)

II Assembleia Popular Nacional
De 25 a 28 de maio, cerca de 600 lutadores e lutadoras do povo se reuniram em Luziânia (GO) para a II Assembleia Popular Nacional, que se propõe a construção de um novo modelo de desenvolvimento, um verdadeiro Projeto Popular para o Brasil. Diversos movimentos oriundos de todas as regiões do país elencaram os desafios para a consolidação deste Projeto e aprofundaram o estudo sobre os direitos a serem conquistados pelo povo, nos eixos dos direitos ambientais, sociais, políticos, culturais, civis e econômicos. A Assembleia repudiou, ainda, através de Moções aprovadas pela Plenária, a demora no julgamento do processo referente à Terra Indígena Pataxó Hã-Hã-Hãe, o projeto de construção da hidrelétrica Belo Monte, no rio Xingu, em Altamira (PA) e o processo de criminalização dos movimentos sociais. Repudiou veementemente a prisão, exigindo a libertação imediata, dos militantes sociais do MST em vários estados - como é o caso da Bahia (12 presos), São Paulo (2 presos e 9 com preventiva), Paraná (1 preso e 17 com preventiva), Tocantins (1 preso) - e da liderança indígena Rosivaldo Ferreira da Silva (Babau). Outra moção pediu, ainda, a liberdade imediata do indígena Pataxó Joel Braz, da aldeia Barra Velha (BA). Os participantes da Assembleia também aprovaram moção contra a violência e extermínio de jovens e divulgaram, no dia 27 de maio, uma Nota em solidariedade aos estudantes haitianos, vítimas da ação truculenta da MINUSTAH na última semana. Para maiores informações acessar www.assembleiapopular.org. (Fonte: Assembleia Popular Nacional)

Jornada de lutas da Via Campesina
A Via Campesina iniciou na quarta-feira (26) uma jornada de lutas em vários estados para reivindicar o fortalecimento da agricultura camponesa e a Reforma Agrária. Com as atividades, a organização propõe um novo modelo de agricultura com produção de alimentos sem agrotóxicos e em equilíbrio com o meio ambiente. Para dar início à jornada já na quarta, uma comissão formada por integrantes de movimentos sociais, artistas, autoridades e parlamentares entregaram ao presidente da Câmara e pré-candidato a vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), um abaixo-assinado com mais de 280 mil assinaturas pela aprovação da "PEC do Trabalho Escravo". Na quinta feira (27), em ato público no Congresso Nacional, a Via Campesina se juntou aos participantes do Encontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, para fincar as 161 cruzes com os nomes dos atuais escravagistas brasileiros. A Via Campesina condena, ainda, a produção agrícola sob o controle de grandes proprietários de terra e empresas transnacionais, e reitera que é o agronegócio que recebe mais incentivos governamentais (cerca de 80% do que é destinado à agricultura), mesmo gerando desemprego no meio rural e a expulsão do camponês de suas origens. (Fonte: MST)

Sem Terra é assassinado em Pernambuco
O dirigente sindical e líder do acampamento de reforma agrária da usina Nossa Senhora do Carmo, no município de Pombos (PE), Zito José Gomes (58), foi assassinado na manhã do dia 19 de maio, quando ia à igreja. Um homem não identificado disparou à queima roupa um tiro em sua cabeça. Zito era um dos acampados na falida usina Nossa Senhora do Carmo e reivindicava há sete anos, junto aos demais trabalhadores coordenados pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar de Pernambuco (FETRAF-PE), a desapropriação das terras da usina, motivo pelo qual vinha recebendo várias ameaças de morte. Nesta quarta-feira, 2 de junho, o presidente nacional do INCRA, Rolf Hackbart está reunido com a FETRAF-PE, na superintendência do INCRA em Recife, para encaminhar o processo de desapropriação das terras da Usina. (Fonte: CPT Pernambuco)

Câmara dos Deputados dá a plenário nome de Adão Pretto
Em homenagem ao falecido deputado Adão Pretto (PT-RS), foi aprovado hoje, 2 de junho, em plenário, um projeto de resolução (PRC 150/09) que denomina o plenário 9, onde funciona a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, com o nome do deputado, falecido em fevereiro de 2009. Proposta pelos deputados Beto Faro (PT-PA) e Eduardo Amorim (PSC-SE), a nomeação do plenário fará parte de homenagens que serão feitas a Adão Pretto neste mês pelas comissões às quais se dedicou. "É a primeira vez que a Câmara homenageia dessa forma uma personalidade que teve como bandeira a reforma agrária, que dedicou sua vida à causa da agricultura familiar e ao trabalhador rural", ressaltou o deputado Eduardo Valverde (PT-RO). (Fonte: MST)

Polícia Federal despeja quilombolas na Bahia
Na manhã do dia 26 de maio, a comunidade quilombola de Barra do Parateca, no município de Carinhanha, na região Sudoeste da Bahia, sofreu a intervenção da Polícia Federal, que destruiu casas, roças e expulsou animais em área ocupada pela comunidade, com 250 famílias, há mais de cem anos. A operação ocorreu por ordem do Juiz da Vara Federal de Guanambi, que deferiu liminar de reintegração de posse em favor de João Batista Pereira Pinto, Juiz Estadual do mesmo município. O beneficiário da decisão nunca comprovou a posse da área em litígio e essas terras integram a Reserva Legal do Projeto de Colonização de Serra do Ramalho, de propriedade do INCRA, e também fazem parte da área a ser titulada em nome da comunidade através do procedimento em curso na referida autarquia, por serem terras ocupadas por remanescentes de quilombos. O Poder Judiciário continua operando como uma máquina de construção da miséria. (Fonte: CPT Bahia)