“O que está unificando o país hoje é um projeto expansionista burguês com vocação grão-burguesa”, afirmou o sociólogo Luiz Werneck Vianna, na entrevista que segue, concedida, por telefone, à IHU On-Line. O Estado traduz este movimento, ele é “ator, mas também é objeto”, afirma Vianna. Não se trata de um “Estado patrão”, esclarece, “o que se tem aí é uma associação, uma vinculação entre política e economia, governo e empresas, governos e atores políticos e empresariais, que, juntos, no Estado e no governo, implementam essa política. As elites econômicas, por exemplo, são partícipes disso”. Os fundos de pensão também têm participação direta nesse processo, e esse é um aspecto complicado, “porque eles atestam que esse movimento não se limita às elites econômicas da indústria, do agronegócio e está envolvendo também, no mínimo, a vida sindical. Basta olhar para a composição desse governo, onde todas as classes e frações de classes se encontram representadas”, menciona.
Luiz Werneck Vianna é professor pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro - Iuperj. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo, autor de, entre outros, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997); A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999); e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002).
IHU On-Line
- O capitalismo brasileiro está passando por uma reorganização? Quais são as principais características desse processo?
Luiz Werneck Vianna – Penso que passa, sim, por uma reestruturação relevante, que já vinha acontecendo, mas que assumiu outro ritmo. Diria que isso traduz uma política no sentido de aprofundar o processo de concentração e de centralização de capitais no país. Estão aí as fusões da Oi, do Unibanco com o Itaú e outras importantes que se referem ao setor industrial. Trata-se de uma passagem para uma dimensão
superior do capitalismo.
O capitalismo no Brasil consiste, hoje, em um empreendimento extraordinariamente bem sucedido, e o governo Lula tem tido muita responsabilidade e iniciativa na realização desse projeto. Diria que, além disso, a sociedade brasileira, hoje, não é apenas uma sociedade burguesa, é uma sociedade grão-burguesa, como atesta a expansão das empresas brasileiras no exterior, não só na América Latina como na África.
O capitalismo brasileiro transcende as suas fronteiras nacionais. A sua política externa, hoje, está a serviço disso. Ela não apenas atua na defesa do território, da identidade nacional, mas diria que, sobretudo, está presente na expansão econômica do país. Isso se manifesta através de diferentes empreendimentos. Do ponto de vista cultural e universitário, essa universidade que acaba de ser criada no Mercosul é mais um indicador dessa presença ampliada da política brasileira em relação ao seu mundo exterior. Essa política traduz o fato capital de que o capitalismo brasileiro tende a se projetar para fora dos seus limites nacionais, assumindo uma vocação internacional. Denomino essa política de grão-burguesa, que está sendo referendada e apoiada por políticas de Estado. Nesse caso, as estatais têm desempenhado um papel muito importante, alavancando essa política de concentração e centralização de capitais e de lançamento do capitalismo brasileiro no mundo.
IHU On-Line - Além das estatais, qual é o papel dos fundos de pensão nesse processo? São eles os “pilares” dessa reestruturação?
Luiz Werneck Vianna – Também. Na verdade, dessa pergunta podemos deduzir a resposta. Se pensarmos na questão dos fundos, é complicado, porque eles atestam que esse movimento não se limita às elites econômicas da indústria, do agronegócio e está envolvendo também, no mínimo, a vida sindical. Basta olhar para a composição desse governo, onde todas as classes e frações de classes se encontram representadas. O agronegócio é um personagem-chave desse Estado brasileiro de hoje, assim como o mundo das finanças, dos serviços, da indústria. Os sindicatos também estão presentes, principalmente as centrais sindicais. Para que não fique só nisso, movimentos sociais que dizem respeito às questões raciais e de gênero também se encontram instalados no interior desse Estado. Na verdade, isso reedita, em um plano mais largo, mais fundo, em outras circunstâncias, o que foi o Estado Novo da época Vargas. Escrevi, há um ano, um pequeno ensaio, dedicado a esse assunto, em que tentava demonstrar que o funcionamento dessa máquina estatal compósita e heteróclita só vinha funcionando a contento em razão da presença do seu grande articulador, que é o Presidente da República. Sem ele, será muito difícil preservar a harmonização de contrários que hoje caracteriza o governo.
IHU On-Line - Assiste-se a uma reconfiguração de classes ou frações de classe a partir desse fenômeno? Se sim, que classes surgem?
Luiz Werneck Vianna – Ainda percebo as velhas classes brasileiras em processo de diferenciação. A representação associativa e sindical delas é muito poderosa, incluindo o MST, mas, infelizmente, suas ações não têm atuado no sentido de uma vitalização do tecido político, muito afetado pela sucessão de escândalos que o tem fragilizado. A intervenção da vida associativa e sindical, ao invés de procurar o espaço da sociedade civil, tem dado preferência a agir no interior do governo.
IHU On-Line – Essa reorganização do capitalismo pode desestabilizar as forças políticas do país?
Luiz Werneck Vianna – Desestabilizar, não, mas elas já tiraram muita força da política institucionalizada. Essas grandes corporações têm tido um peso muito forte e independente dos partidos, e elas estão no governo e nas câmaras do Estado. Enfim, a política é a grande derrotada nesse processo.
IHU On-Line - Como avalia o Estado enquanto investidor e financiador de grandes investimentos como as obras do PAC? O Estado deve ou não intervir na economia desta maneira?
Luiz Werneck Vianna – O Estado é como a central de inteligência de todo esse processo, na medida em que é ele que orienta o movimento de expansão da ordem burguesa e de concentração e verticalização do capital, de racionalização do sistema produtivo e se empenha em otimizar todas as possibilidades de expansão internas e externas. Mas ele não está atuando acima das partes. Não se trata de um Estado patrão como na construção clássica do bonapartismo de que Marx tratou no 18 Brumário. Na verdade, o que há é uma associação, uma vinculação entre política e economia, governo e empresas, governos e atores políticos e empresariais, que, juntos, no Estado e no governo, implementam essa política.
IHU On-Line - Esse projeto é positivo ou negativo para o país pensando num projeto de nação a longo prazo? Quais as implicações sociais e econômicas da reestruturação do capitalismo?
Luiz Werneck Vianna – Esse projeto é um aprofundamento da experiência burguesa brasileira, inclusive, encarando a questão social de frente. Ao mesmo tempo em que tutela os movimentos sociais, mantém a sociedade desorganizada, com políticas de clientela de massa. Por onde a política vai passar? Ela tem passado por esse “parlamento” das grandes corporações, que tem sua sede no interior do próprio governo. então, o ministro da agricultura pode perfeitamente conviver com o ministro do meio ambiente e o do desenvolvimento agrário. Cada um deles é portador de interesses determinados, mas esses conflitos são retidos no interior do governo, e apenas residualmente se manifestam no plano da sociedade. O que está unificando o país hoje é um projeto expansionista burguês com vocação grão-burguesa.
Na questão social, a incorporação social aumenta, as políticas se tornam mais abrangentes, embora sejam lastimavelmente de pouco alcance. A educação é de péssima qualidade, e não há indicadores de mudança próxima.
IHU On-Line - E o que dizer do fortalecimento do sistema financeiro nacional?
Luiz Werneck Vianna – Conforme se observa, o sistema financeiro está cada vez mais concentrado. O fato de o Banco do Brasil ter passado bem nessa prova de fogo que foi a crise de 2008 veio reforçar esse processo de concentração. Com a forte representação que tem o presidente do Banco Central, na política brasileira de hoje, o sistema financeiro conseguiu de fato, embora isso ainda não tenha expressão legal, a autonomia do Banco Central quanto aos decisores políticos.
IHU On-Line - Que Brasil está se configurando após o segundo governo Lula?
Luiz Werneck Vianna – Sem dúvida, pelo prisma social é uma geração perdida. A sociedade está mais organizada, educada? Definitivamente não está. Sua economia está mais vibrante, potente? Está, sem dúvida. O Estado brasileiro está forte? Está. Então, temos que fazer esse balanço. Os resultados dependem muito dos valores de quem realiza esse balanço. Eu gostaria de ver uma sociedade mais organizada, instituída, mais potente, com partidos fortes, representativos, com sindicatos autônomos, com movimentos sociais desvinculados do Estado, com um processo de discussão amplo, aberto às raízes da vida social. A minha opção seria essa. Mas o mundo gira do jeito dele.
IHU On-Line – Dependendo do resultado das eleições deste ano, o atual modelo econômico pode mudar?
Luiz Werneck Vianna – Dilma e Serra têm perfis muito parecidos. Vejo dificuldades para a preservação desse modelo, mas algo dele vai subsistir.
Tome, por exemplo, a questão da legislação social e trabalhista, onde há projetos que se antagonizam na sociedade. Todos esses conflitos latentes muito poderosos vêm sendo administrados no sentido de serem resolvidos no interior do governo. A questão toda é que quando isso não for possível, quando esses conflitos tomarem as ruas, quando cada lado procurar se impor na sociedade pela sua capacidade de pressão e intervenção, não haverá o Lula para administrá-los. Na mesma direção está a questão da reforma tributária, a questão agrária e todas as outras.
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