Integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizam, neste mês, uma série de manifestações pela Jornada Nacional de Lutas por Reforma Agrária.
Os camponeses cobram o cumprimento dos compromissos assumidos pelo governo federal durante a jornada realizada em agosto do ano passado.
Na época, o governo se comprometeu a assinar a portaria que revisa os índices de produtividade e a investir R$ 460 milhões na desapropriação de latifúndios.
A atualização da portaria, no entanto, não ocorreu, e nem a destinação dos recursos para desapropriações e assentamento de famílias.
Para o professor da American University Miguel Carter, a estagnação nas políticas de reforma agrária reflete a derrota de um projeto progressista para o campo.
Para ele, o governo Lula tentou conciliar dois modelos agrícolas, mas sucumbiu à expansão do agronegócio, ao poder da bancada ruralista no Congresso Nacional e ao impacto dos grandes meios de comunicação no ataque à reforma agrária e seus defensores.
"Lula optou por evitar atritos com a elite rural. Manteve o status quo e limitou-se em apoiar uma reforma agrária conservadora - contida, reativa, feita sob pressão social, num processo administrativo lento e enrolado, que favorece a distribuição residual de terras", afirma.
Carter é organizador do livro: "Combatendo a Desigualdade Social: O MST e a reforma agrária no Brasil", que investiga as causas da desigualdade da estrutura fundiária brasileira e suas conseqüências, assim como as reações populares a essa situação. A entrevista é de Eduardo Sales de Lima e publicada pelo jornal Brasil de Fato, 20-04-2010. Eis a entrevista.
Qual foi o significado dos dois mandatos do governo Lula para um projeto popular de reforma agrária?
O projeto em favor de uma reforma agrária progressista foi derrotado já no primeiro mandato do governo Lula. Foi a terceira grande derrota desse projeto na história do país. A primeira se deu com o golpe militar de 1964. A segunda com o fracasso do plano de reforma agrária lançado em 1985, no inicio da Nova República. A terceira se viu frustrada durante a presidência de Lula, eleito sob a promessa histórica do PT de impulsionar uma ampla redistribuição fundiária.
Essa derrota reflete, antes de tudo, uma correlação de forças muito adversa à realização de uma reforma agrária progressista. Essa reforma poderia ter utilizado diversos instrumentos legais para promover a agricultura camponesa e a transformação das relações de poder no campo. Segundo o Censo Agropecuário, a agricultura camponesa emprega 80% da mão de obra rural, produz a maior parte dos alimentos consumidos no Brasil, mas ocupa só um quarto do território agrícola no país. No entanto, o governo Lula manteve os enormes subsídios públicos voltados para o agronegócio, que recebeu sete vezes mais o valor oferecido aos pequenos agricultores.
O governo Lula achou que podia conciliar os dois modelos agrícolas. Mas herdou um Estado que há séculos vinha protegendo os interesses da elite agrária, de modo especial via o Poder Judiciário e as forças policiais. A esses obstáculos históricos, se soma a forte expansão do agronegócio na última década, a influência da bancada ruralista no Congresso Nacional, e o impacto dos grandes meios de comunicação no ataque à reforma agrária e seus defensores. Diante esse panorama, Lula optou por evitar atritos com a elite rural. Manteve o status quo e limitou-se em apoiar uma reforma agrária conservadora - contida, reativa, feita sob pressão social, num processo administrativo lento e enrolado, que favorece a distribuição residual de terras.
Você acredita que, atualmente, o MST consegue dialogar com mais ênfase junto aos setores urbanos, com a intelectualidade e os sindicatos?
O MST vem dialogando com vários setores urbanos desde a sua origem. Essas relações têm sido fundamentais para o desenvolvimento de sua organização e capacidade de articulação com um amplo leque de aliados. Esse trabalho é um desafio constante.
Além de estender seu apoio aos movimentos de sem teto, o MST poderia estreitar seus laços com as associações estabelecidas nas favelas. Juntos, esses grupos populares poderiam fortalecer a luta pelos direitos humanos, contra a violência, a discriminação racial e a marginalização social.
Outro espaço de articulação com o meio urbano poderia envolver os consumidores da classe média e alta preocupados com a qualidade de seus alimentos e a ecologia. O MST poderia pegar boas idéias de autores como Michael Pollan ("O Dilema do Onívoro") e criar redes alternativas de comercialização de produtos agroecológicos junto a essa população e, assim, promover solidariedade às suas lutas.
Em tudo isso, acho vital empunhar a bandeira do combate à desigualdade social como condição necessária para a democratização do Brasil.
A elite agrária brasileira, por meio da CPI contra o MST, com objetivos eleitoreiros, tem conseguido abafar o processo, ainda que lento, de implementação da reforma agrária no Brasil?
As três CPIs instituídas contra do MST e seus parceiros nos últimos cinco anos refletem um esforço sistemático da elite agrária e seus aliados em criminalizar os movimentos populares no campo e eliminar a reforma agrária da agenda pública nacional. Isso se dá num contexto de ofensiva do capital financeiro e internacional no campo brasileiro, com grandes aquisições de terra e elevados investimentos para produzir etanol, celulose, soja e outros commodities agrícolas voltados para o mercado global. A luta camponesa pela reforma agrária atrapalha o esforço dos empresários do agronegócio em ampliar seu estoque de terra. Trata-se de uma disputa territorial, de classe e de modelo de desenvolvimento.
As CPIs do Congresso contra o MST, junto com diversas ações do judiciário, Ministério Público e Tribunal de Contas da União, mostram como a elite agrária e seus aliados têm conseguido se apropriar de instrumentos democráticos, instituídos na Constituição de 1988, para frear a democratização do Brasil e impedir a extensão e exercício de direitos básicos de cidadania.
Os camponeses cobram o cumprimento dos compromissos assumidos pelo governo federal durante a jornada realizada em agosto do ano passado.
Na época, o governo se comprometeu a assinar a portaria que revisa os índices de produtividade e a investir R$ 460 milhões na desapropriação de latifúndios.
A atualização da portaria, no entanto, não ocorreu, e nem a destinação dos recursos para desapropriações e assentamento de famílias.
Para o professor da American University Miguel Carter, a estagnação nas políticas de reforma agrária reflete a derrota de um projeto progressista para o campo.
Para ele, o governo Lula tentou conciliar dois modelos agrícolas, mas sucumbiu à expansão do agronegócio, ao poder da bancada ruralista no Congresso Nacional e ao impacto dos grandes meios de comunicação no ataque à reforma agrária e seus defensores.
"Lula optou por evitar atritos com a elite rural. Manteve o status quo e limitou-se em apoiar uma reforma agrária conservadora - contida, reativa, feita sob pressão social, num processo administrativo lento e enrolado, que favorece a distribuição residual de terras", afirma.
Carter é organizador do livro: "Combatendo a Desigualdade Social: O MST e a reforma agrária no Brasil", que investiga as causas da desigualdade da estrutura fundiária brasileira e suas conseqüências, assim como as reações populares a essa situação. A entrevista é de Eduardo Sales de Lima e publicada pelo jornal Brasil de Fato, 20-04-2010. Eis a entrevista.
Qual foi o significado dos dois mandatos do governo Lula para um projeto popular de reforma agrária?
O projeto em favor de uma reforma agrária progressista foi derrotado já no primeiro mandato do governo Lula. Foi a terceira grande derrota desse projeto na história do país. A primeira se deu com o golpe militar de 1964. A segunda com o fracasso do plano de reforma agrária lançado em 1985, no inicio da Nova República. A terceira se viu frustrada durante a presidência de Lula, eleito sob a promessa histórica do PT de impulsionar uma ampla redistribuição fundiária.
Essa derrota reflete, antes de tudo, uma correlação de forças muito adversa à realização de uma reforma agrária progressista. Essa reforma poderia ter utilizado diversos instrumentos legais para promover a agricultura camponesa e a transformação das relações de poder no campo. Segundo o Censo Agropecuário, a agricultura camponesa emprega 80% da mão de obra rural, produz a maior parte dos alimentos consumidos no Brasil, mas ocupa só um quarto do território agrícola no país. No entanto, o governo Lula manteve os enormes subsídios públicos voltados para o agronegócio, que recebeu sete vezes mais o valor oferecido aos pequenos agricultores.
O governo Lula achou que podia conciliar os dois modelos agrícolas. Mas herdou um Estado que há séculos vinha protegendo os interesses da elite agrária, de modo especial via o Poder Judiciário e as forças policiais. A esses obstáculos históricos, se soma a forte expansão do agronegócio na última década, a influência da bancada ruralista no Congresso Nacional, e o impacto dos grandes meios de comunicação no ataque à reforma agrária e seus defensores. Diante esse panorama, Lula optou por evitar atritos com a elite rural. Manteve o status quo e limitou-se em apoiar uma reforma agrária conservadora - contida, reativa, feita sob pressão social, num processo administrativo lento e enrolado, que favorece a distribuição residual de terras.
Você acredita que, atualmente, o MST consegue dialogar com mais ênfase junto aos setores urbanos, com a intelectualidade e os sindicatos?
O MST vem dialogando com vários setores urbanos desde a sua origem. Essas relações têm sido fundamentais para o desenvolvimento de sua organização e capacidade de articulação com um amplo leque de aliados. Esse trabalho é um desafio constante.
Além de estender seu apoio aos movimentos de sem teto, o MST poderia estreitar seus laços com as associações estabelecidas nas favelas. Juntos, esses grupos populares poderiam fortalecer a luta pelos direitos humanos, contra a violência, a discriminação racial e a marginalização social.
Outro espaço de articulação com o meio urbano poderia envolver os consumidores da classe média e alta preocupados com a qualidade de seus alimentos e a ecologia. O MST poderia pegar boas idéias de autores como Michael Pollan ("O Dilema do Onívoro") e criar redes alternativas de comercialização de produtos agroecológicos junto a essa população e, assim, promover solidariedade às suas lutas.
Em tudo isso, acho vital empunhar a bandeira do combate à desigualdade social como condição necessária para a democratização do Brasil.
A elite agrária brasileira, por meio da CPI contra o MST, com objetivos eleitoreiros, tem conseguido abafar o processo, ainda que lento, de implementação da reforma agrária no Brasil?
As três CPIs instituídas contra do MST e seus parceiros nos últimos cinco anos refletem um esforço sistemático da elite agrária e seus aliados em criminalizar os movimentos populares no campo e eliminar a reforma agrária da agenda pública nacional. Isso se dá num contexto de ofensiva do capital financeiro e internacional no campo brasileiro, com grandes aquisições de terra e elevados investimentos para produzir etanol, celulose, soja e outros commodities agrícolas voltados para o mercado global. A luta camponesa pela reforma agrária atrapalha o esforço dos empresários do agronegócio em ampliar seu estoque de terra. Trata-se de uma disputa territorial, de classe e de modelo de desenvolvimento.
As CPIs do Congresso contra o MST, junto com diversas ações do judiciário, Ministério Público e Tribunal de Contas da União, mostram como a elite agrária e seus aliados têm conseguido se apropriar de instrumentos democráticos, instituídos na Constituição de 1988, para frear a democratização do Brasil e impedir a extensão e exercício de direitos básicos de cidadania.
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