Fonte: IHU - 6/01/2010
São 20 minutos de almoço, que se somam aos dois intervalos de dez minutos para descanso, que podem ser acionados ao longo das seis horas diárias de trabalho. O supervisor checa, a cada instante, se as chamadas estão sendo solucionadas e, principalmente, se tudo está sendo feito depressa, conforme estipulado. O salário varia de R$ 550 a R$ 700. A única exigência é a conclusão do ensino médio. Apenas no Estado de São Paulo são cerca de 300 mil trabalhadores, que se somam aos quase 750 mil em outros Estados, que formam uma das categorias mais expressivas - e que mais crescem - do mercado de trabalho brasileiro: os operadores de telemarketing.
A reportagem é de João Villaverde e publicada pelo jornal Valor, 06-01-2010.
"É um setor novo, que ainda não atrai os holofotes que a indústria, e mesmo o comércio, atraem. As fábricas estão no Brasil há mais de cem anos, enquanto nós estamos aqui há menos de 20. É difícil competir por atenção da sociedade nesses termos", avalia Stan Braz, diretor-presidente do Sindicato Paulista das Empresas de Telemarketing (Sintelmark).
De acordo com Braz, é preciso "apelar" para a força do mercado de trabalho. Segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), o setor de serviços tinha estoque de 12,6 milhões de trabalhadores no fim de 2008, quase o dobro de indústria e comércio - 7,3 e 7,4 milhões, respectivamente. No ano passado, dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) apontam que, até novembro, o setor de serviços havia registrado saldo líquido de 568 mil vagas, diante de 286 mil do varejo e 177 mil da indústria de transformação. "Não dá para comparar", diz Braz, "porque enquanto uma fábrica emprega 3 mil funcionários, uma empresa média do setor de telemarketing, por exemplo, emprega 10 mil."
O diretor do sindicato patronal aponta também para a "robustez econômica das empresas": só em São Paulo, o faturamento conjunto alcançou cerca de R$ 6 bilhões no ano passado, um crescimento de 6% em comparação com 2008. Mesmo assim, avalia, "o setor não consegue obter incentivos do governo ou atenção da sociedade".
Os serviços de call center se popularizaram no país na década de 1990, quando se ampliaram o número de linhas telefônicas e as táticas de comunicação direta - o telemarketing - de diferentes companhias. O grande boom do setor ocorreu depois da privatização da Telebrás, em outubro de 1998, quando se ampliou o acesso à linhas fixas e móveis. Em 11 anos, os "acessos telefônicos" passaram de 24,5 milhões para 211 milhões, com 41 milhões de aparelhos fixos e 170 milhões de celulares. Foi na década passada que grande parte das empresas de telemarketing surgiu, além dos sindicatos patronal, em 1996, e dos trabalhadores, em 1992.
"Somos um setor jovem em todos os sentidos: as empresas não alcançam duas décadas e os trabalhadores são, em sua maior parte, estudantes universitários", afirma Alexandre Jau, presidente da empresa de call center TMKT, que emprega pouco mais de 10 mil operadores de telemarketing. "A juventude do setor paga um preço caro. A sociedade reclama e até esnoba o uso do gerúndio por parte dos operadores, mas não se pergunta porque isso ocorre", diz Jau, para quem "há um problema na educação básica que não é corrigido pelo Estado e pela sociedade esclarecida, e nós apenas cumprimos o papel de oferecer emprego para essas pessoas", afirma.
O terreno laboral, para estes prestadores de serviços, é diferente de categorias tradicionais, como comerciários e industriais, nos quais o desenvolvimento de estratégias empresariais, práticas sindicais e intervenção do Estado fizeram eclodir um modelo de negócios claro, que envolve discussões anuais acerca de reajustes e concessões, de lado a lado. Os operadores de telemarketing são jovens - idade média de 22 anos -, despolitizados e interessados em ingressar no mercado de trabalho.
Empresários e sindicalistas do setor afinam o discurso quando dizem que, para os trabalhadores do setor, o call center é a porta de entrada - e temporária. Não há maiores vínculos com outros profissionais - que dividem as mesmas perspectivas - ou com o empregador.
"O jovem que começa a trabalhar como operador já entra pensando em sair, o que cria uma enorme rotatividade no setor", afirma Wagner Gomes, presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), órgão que une, entre outros, o sindicato dos metroviários de São Paulo, dos metalúrgicos da Bahia e dos bancários de Sergipe. "Não há promoção, então é difícil construir qualquer coisa", afirma Gomes, acrescentando que "mesmo pensar no futuro é difícil numa situação dessas". "O jovem sabe que ali ele não vai ficar muito tempo, seja porque não vai aguentar, seja porque vai se formar e seguir carreira em outra função", diz. Para Gomes, esse perfil da categoria dificulta a ação sindical, uma vez que, para a empresa, há grande oferta de mão de obra para primeiro emprego.
A TMKT, segundo Jau, faturou cerca de R$ 180 milhões em 2009, 4,5% mais que em 2008. Ele estima crescimento maior este ano, mas critica a "ausência de planos e estratégias, por parte do governo", para o setor de telemarketing. "Não temos política tributária. Parece que só existe indústria automobilística neste país. Poderíamos também contar com um 'sistema S', semelhante ao que a indústria tem à sua disposição para capacitação profissional", afirma.
Jau, que foi o primeiro presidente do sindicato patronal do setor, estima que 72% dos custos das empresas de telemarketing são com folha de pagamento e encargos trabalhistas. Assim, diz, uma negociação com o sindicato dos trabalhadores acerca de condições salariais é sempre "complicada". Mesmo assim, "o sindicato dos trabalhadores ganhou maturidade nos últimos anos, porque está mais flexível e sabe negociar", avalia.
A data-base da categoria, em São Paulo, é entre abril e maio, quando são decididos os reajustes salariais. Em 2009, a demanda dos operadores foi de 5,5% de aumento real, enquanto as empresas apenas concordavam em repor a inflação - no fim, fecharam com aumento real de 4%, mesmo índice conquistado pelo tradicional sindicato dos metalúrgicos do ABC, onde, no entanto, o salário médio é cinco vezes maior (R$ 3.434, segundo oDieese) que os verificados no call center.
Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Telemarketing (Sintratel) de São Paulo, Marco Aurélio Oliveira, é preciso combinar estratégias para comover os jovens operadores. Não basta, afirma, promover assembleias na sede do sindicato, mas mesclar a conscientização política com o "divertimento que os jovens querem". Assim, os encontros dos sindicato são realizados em forma de festas. "Vamos às portas das empresas e distribuímos chamados, que são muito semelhantes aos 'flyers' de festas universitárias, e reunimos cerca de 1,5 mil a 2 mil trabalhadores. Em determinado momento da festa, interrompemos a música para, em 15 minutos, transmitir mensagens". E elas surtem efeito? "Cumprem um papel significativo, ao lado do blog, do twitter e do nosso site na internet", diz. "Precisamos falar a língua da categoria, não adianta ficarmos presos em modelos antigos."
Oliveira é favorável à criação, por parte do Estado, de um sistema de treinamento e capacitação de trabalhadores para o telemarketing, num modelo semelhante ao sistema S, para a indústria. "É preciso preparar o jovem para os serviços, até porque o número de jovens na indústria é irrisório perto do número de jovens em telemarketing, e, mesmo assim, o investimento que se tem com o jovem da indústria é astronômico", diz Oliveira, para quem a qualificação e requalificação do profissional é "uma bandeira urgente do sindicato".
O Sintratel se apoia numa categoria em expansão para ampliar sindicalizados e fortalecer sua legitimidade em campanhas salariais. O sindicato está atento - e ativo - para aumentar a base de membros: segundo Oliveira, "quem se filiar concorre a prêmios, como celulares, MP3, MP4, utensílios domésticos e de beleza, que serão sorteados no sindicato".
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