E as conseqüências, para a produção de alimentos no Brasil, daexpansão da cana-de-açúcar nos últimos 15 anos, quais são?
A RELAÇÃO entre a expansão dos agrocombustíveis e a produção dealimentos ganhou a agenda política internacional. A agriculturamundial continua passando por transformações profundas. O avanço da"comoditização" dos alimentos e do controle genético das sementesque sempre foram patrimônio da humanidade foi acelerado.
Dois processos monopolistas comandam a produção agrícola mundial. Deum lado, está a territorialização dos monopólios, que atuamsimultaneamente no controle da propriedade privada da terra, doprocesso produtivo no campo e do processamento industrial daprodução agropecuária. O principal exemplo é o setorsucroalcooleiro.
De outro lado, está a monopolização do território pelas empresas decomercialização e processamento industrial da produção agropecuária,que, sem produzir absolutamente nada no campo, controlam, por meiode mecanismos de sujeição, camponeses e capitalistas produtores docampo.
As empresas monopolistas do setor de grãos atuam como "players" nomercado futuro das Bolsas de mercadorias do mundo e, muitas vezes,têm também o controle igualmente monopolista da produção dosagrotóxicos e dos fertilizantes.
A crise, portanto, tem dois fundamentos. O primeiro, de reflexo maislimitado, refere-se à alta dos preços internacionais do petróleo e,conseqüentemente, à elevação dos custos dos fertilizantes eagrotóxicos.
O segundo é conseqüência do aumento do consumo, mas não do consumodireto como alimento, como quer fazer crer o governo brasileiro,mas, isto sim, daquele decorrente da opção dos Estados Unidos pelaprodução do etanol a partir do milho.
Esse caminho levou à redução dos estoques internacionais dessecereal e à elevação de seus preços e dos preços de outros grãos-trigo, arroz, soja.
Assim, a "solução" norte-americana contra o aquecimento global setornou o paraíso dos ganhos fáceis dos "players" dos monopóliosinternacionais que nada produzem, mas que sujeitam produtores econsumidores à sua lógica de acumulação.
Certamente, não há caminho de volta para a crise, pois, no casonorte-americano, os solos disponíveis para o cultivo são disputadosentre trigo, milho e soja. O avanço de um se reflete inevitavelmenteno recuo dos outros. Daí a crítica radical de Jean Ziegler, da ONU(Organização das Nações Unidas), que classificou o etanol como"crime contra a humanidade".
É no interior dessa crise que o agronegócio do agrocombustívelbrasileiro quer pegar carona no futuro fundado na reprodução dopassado. O governo está pavimentando o caminho.
Por isso, a questão dos agrocombustíveis e a produção de alimentosrebatem diretamente no campo brasileiro. A área plantada decana-de-açúcar na última safra chegou perto de 7 milhões de hectarese, em São Paulo, onde se concentra mais de 50% do total, já ocupa aquase totalidade dos solos mais férteis existentes.
Em meio à expansão dos agrocombustíveis, uma pergunta se faznecessária: quais foram as conseqüências, para a produção dealimentos no Brasil, da expansão da cultura da cana nos últimos 15anos?
Os dados do IBGE, entre 1990 e 2006, revelam a redução da produçãodos alimentos imposta pela expansão da área plantada decana-de-açúcar, que cresceu, nesse período, mais de 2,7 milhões dehectares. Tomando-se os municípios que tiveram a expansão de mais de500 hectares de cana no período, verifica-se que, neles, ocorreu aredução de 261 mil hectares de feijão e 340 mil hectares de arroz.
Essa área reduzida poderia produzir 400 mil toneladas de feijão, ouseja, 12% da produção nacional, e 1 milhão de toneladas de arroz, oque equivale a 9% do total do país. Além disso, reduziram-se nessesmunicípios a produção de 460 milhões de litros de leite e mais de4,5 milhões de cabeças de gado bovino.
Embora a expansão esteja mais concentrada em São Paulo, já o estátambém no Paraná, em Mato Grosso do Sul, no Triângulo Mineiro, emGoiás e em Mato Grosso. Nesses Estados, reduziu-se a área deprodução de alimentos agrícolas e se deslocou a pecuária na direçãoda Amazônia Isso deu, conseqüentemente, em desmatamento. Por isso, aexpansão dos agrocombustíveis continuará a gerar a redução daprodução de alimentos.
A produção dos três alimentos básicos no país -arroz, feijão emandioca- também não cresce desde os anos 90, e o Brasil se tornou omaior país importador de trigo do mundo. Portanto, o caminho para asaída da crise e da construção de uma política de soberaniaalimentar continua sendo a realização de uma reforma agrária ampla,geral e massiva.
ARIOVALDO UMBELINO DE OLIVEIRA, 60, é professor titular de geografiaagrária da USP e diretor da Abra (Associação Brasileira de ReformaAgrária). Integrou a equipe que elaborou a proposta do Segundo PlanoNacional de Reforma Agrária para o governo Lula (2003).
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