sábado, 23 de fevereiro de 2008

Convenção 158: conquista ou engano?

Escrito por Henrique Júdice
22-Fev-2008

Por ato do presidente Lula, o Brasil assinou, nesta semana, a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Ela proíbe que um trabalhador seja demitido sem motivo razoável relacionado à sua conduta, a sua capacidade profissional ou a necessidades estruturais da empresa. É mais flexível que o antigo regime de indenização e estabilidade instituído por Getúlio Vargas e abolido pelo regime de 64, mas é um enorme avanço comparado à atual legislação brasileira, pela qual o trabalhador pode ser demitido por qualquer motivo ou sem motivo algum.
Além de proibir a demissão injustificada, a convenção estabelece algumas causas que não podem ser consideradas justas: atuação sindical, cor, religião, opiniões, gravidez ou situação familiar. Proíbe também que um trabalhador seja demitido por ter entrado na justiça contra a empresa ou por faltar ao serviço quando doente. Boa parte dessas proibições já está na lei brasileira. O que a convenção traz de novo é a possibilidade de elas efetivamente valerem.
Hoje, a empresa não pode, por exemplo, demitir um empregado por tê-la processado, mas pode demiti-lo sem apresentar o motivo. Na prática, isto significa que a empresa demite quem quiser e por qualquer razão, bastando não indicá-la quando se tratar de razão proibida por lei. Ao proibir a demissão imotivada, a Convenção 158 fecha esta porta.
Além disso, ela assegura que todo empregado demitido terá direito de recorrer à justiça contra a demissão. Se a empresa não provar que a causa apontada realmente ocorreu e que é justa, será condenada a reintegrá-lo. Nos casos de demissão em massa ("corte de pessoal", na linguagem dos gerentes) por alegada necessidade econômica da empresa, a justiça poderá examinar se essa necessidade realmente existe e se a dispensa de trabalhadores é de fato necessária. Se concluir que não é o caso, poderá, igualmente, reintegrar os demitidos.
No entanto, nenhuma dessas conquistas valerá sem luta. A assinatura da Convenção 158 pelo governo é apenas o primeiro passo de uma duríssima batalha.
Para valer, a convenção tem que ser aprovada pelo Congresso, o que pode levar anos ou simplesmente não ocorrer. Se aprovada, ela volta ao presidente, que poderá sancioná-la (ou seja, transformá-la em lei), vetá-la (caso em que ela volta ao Congresso) ou simplesmente deixá-la mais alguns anos na gaveta. Mesmo sancionada, sua aplicação dependerá da justiça.
Esta não é, na realidade, a primeira vez que o Brasil adere à Convenção 158. Ela já havia sido assinada anteriormente, tendo sido aprovada pelo Congresso em 1992 e sancionada em 96. No entanto, nunca chegou a vigorar porque o Judiciário – fazendo, como de costume e com as honrosas exceções de sempre, o jogo do grande capital - a declarou incompatível com a Constituição em virtude de um detalhe técnico: os tratados internacionais têm, no Brasil, status de lei ordinária, ao passo que a Constituição prevê que a proteção ao trabalhador contra a demissão imotivada seria regulada em lei complementar. Finalmente, FHC revogou, em 1997, a adesão do Brasil à Convenção 158. Os juízes, em sua maioria, aceitaram a revogação, isto apesar de a própria convenção prever que os países signatários só poderiam abandoná-la após 10 anos da adesão e de a Constituição não conferir ao Executivo o poder de revogar leis, que cabe ao Congresso, e que, para variar, se calou.
Não seria de se esperar, face à índole do Estado brasileiro - nem em 1997, nem agora - comportamento muito diferente por parte de seus Poderes. No entanto, é inevitável pensar que, se as cúpulas sindicais brasileiras fossem menos obtusas e tivessem, na época, mobilizado os trabalhadores para defender a Convenção 158 e outras conquistas, o Brasil talvez não fosse hoje esse paraíso da super-exploração e da rotatividade de mão-de-obra.
Os sindicatos brasileiros têm a sorte histórica de ter na presidência da República um homem que, tendo neles sua origem, tem também todos os seus defeitos, mas é razoavelmente sensível a suas demandas. O fato de o Brasil subscrever a Convenção 158 é uma enorme vitória - sobretudo simbólica, na medida em que se contrapõe a sua criminosa revogação pelo governo anterior. Mas de vitórias simbólicas os trabalhadores brasileiros já estão cheios - a começar pela própria eleição de Lula. Já passou da hora de experimentar também vitórias reais.
O comportamento do Congresso e do Judiciário dependerá, sobretudo, da pressão que recebam das ruas. Ela determinará o caráter de que essa nova assinatura da Convenção 158 se revestirá para os trabalhadores brasileiros: uma grande conquista ou um grande engano.

Henrique Júdice Magalhães é jornalista, ex-servidor do INSS e pesquisador independente em Seguridade Social. Porto Alegre (RS). E-mail: henriquejm@gmail.com
Em: http://www.correiocidadania.com.br/content/view/1460/115/

JORNALISTA RELATA CASOS DE VIOLÊNCIA CONTRA MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

Recentemente, a jornalista Natália Viana disponibilizou o livro-denúncia "Plantados no chão - Assassinatos políticos no Brasil hoje" (Editora Conrad, 2007) na íntegra para cópia. O livro reporta seis diferentes casos, no espaço rural e urbano, de assassinatos de militantes e pessoas ligadas a alguma luta social, durante o atual período do Estado democrático de direito. Apesar de descrever relativamente poucos casos, o livro coloca em pauta a violência da qual os diversos movimentos sociais são alvos rotineiramente.
Matéria completa:
http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2008/02/412227.shtml

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Desenvolvimento e a nova propriedade

Folha de S. Paulo, 06.02.2007, Artigo

MARCIO POCHMANN
O BRASIL que emergiu da Revolução de 30 caminhou no sentido da modificação importante do conceito tradicional da propriedade. Em vez do clássico entendimento que separa o proprietário do não-proprietário imobiliário (posse da terra) e de demais detentores das fontes de geração de renda e riqueza, passou a ganhar maior relevância a interpretação a respeito da propriedade social mediada pelo trabalho e diversos mecanismos de proteção e segurança social. Justamente em torno dos riscos relacionados ao pleno exercício do trabalho (acidente, doença, invalidez e morte, desemprego e instabilidade contratual, precocidade e envelhecimento, variabilidade e sub-remuneração, despreparo formativo, entre outros) conformou-se a propriedade social, operada, na maioria das vezes, por fundos públicos absorvedores de parcela do excedente econômico nacionalmente gerado pelo conjunto do país. Nesse sentido, deve-se reconhecer o papel pioneiro das ações estabelecidas em 1923, com a Lei Eloy Chaves (base da Previdência Social), e, em 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho, que fundamentaram a propriedade social no Brasil. O financiamento da propriedade social ocorre de forma tanto contributiva (previdência social) como impositiva (tributos e taxas). O resultado final disso tem sido a geração de uma massa expressiva de recursos comprometida originalmente com a promoção e defesa do bem-estar social geral dos detentores da propriedade social. O brasileiro ampliou o tempo de vida para além do exercício exclusivo do trabalho na medida em que avançou a titularidade da propriedade social. Antes da existência da propriedade social, por exemplo, o trabalho comprometia dois terços do tempo de vida de cada cidadão. Por conta disso, o ingresso na vida laboral iniciava-se aos cinco ou aos seis anos de idade e se encerrava somente com a morte, geralmente próxima dos 35 anos, que representava a expectativa média de vida dos brasileiros do início do século 20. Ao se acrescentar ainda a ausência da regulação do tempo de trabalho (48 horas semanais, férias, descanso semanal, feriados) e de medidas de aposentadoria e pensão, o tempo de trabalho podia equivaler a mais de 5.500 horas de trabalho por ano. Com o desenvolvimento urbano e industrial protagonizado desde a década de 1930, parte dos ganhos de produtividade foi carreada para a nova propriedade social. Em conseqüência da difusão da titularidade dos novos proprietários, tornou-se possível reduzir o peso do trabalho heterônomo (realizado em troca de uma remuneração pela sobrevivência) para um quinto do tempo de vida. Isso porque o ingresso no mercado de trabalho foi postergado para os 15 anos de idade, após o acesso ao ensino básico, enquanto a saída para a inatividade se deu a partir da contribuição por 35 anos ao fundo previdenciário. Contando com a duplicação da longevidade da vida ao longo do século 20 (de 35 para 70 anos), percebe-se que o desenvolvimento nacional permitiu à propriedade social alargar o tempo de vida, bem como direcioná-lo à sociabilidade moderna, com mais educação, saúde, consumo e investimento humano. No limiar do século 21, com a perspectiva de elevação da longevidade de vida para acima dos cem anos de idade e a profunda ampliação da produtividade do trabalho, especialmente do trabalho imaterial, abrem-se oportunidades inéditas de o desenvolvimento fortalecer ainda mais a nova propriedade social. Seus detentores possuem cada vez maior influência sobre as decisões públicas e privadas nacionais, como no caso dos fundos de aposentadoria e pensão, FGTS, FAT, entre outros. Tudo isso motiva preparar, em novas bases, as ações estratégicas para o desenvolvimento brasileiro de longo prazo. Para quem vai viver cem anos, com a intensificação da produtividade, ampliam-se as possibilidades de ingresso no mercado de trabalho após os 25 anos de idade -conforme já ocorre para os filhos dos ricos no país-, assim como o tempo de trabalho em menor escala, contando com o seu exercício em diversas modalidades e cada vez mais distante do local de trabalho tradicional. Se, tecnicamente, já é possível, por que não convergir para as condições estruturais necessárias para que isso realmente venha a ocorrer? Somente com a promoção do desenvolvimento nacional os brasileiros universalizarão as possibilidades de acesso à nova propriedade social.
MARCIO POCHMANN, 45, economista, é presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo (gestão Marta Suplicy).

Em ano eleitoral, governo acelera ritmo de desapropriações de terra

Estadão, 06.02.2008

Só nos meses de janeiro e fevereiro, Lula destinará mais áreas para reforma do que em todo o ano passado
Roldão Arruda
Só nos meses de janeiro e fevereiro deste ano - um ano eleitoral - o governo federal deve desapropriar mais terras para a reforma agrária do que fez durante os 12 meses de 2007. Em janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já destinou para a reforma, por meio de decretos de desapropriação, 107 mil hectares de terra - o que representa mais da metade dos 207 mil hectares obtidos durante todo o ano passado. Em fevereiro haverá outro salto. De acordo com informações do ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, o presidente deve assinar neste mês mais decretos de desapropriação, com 148 mil hectares. No total, serão 255 mil hectares em dois meses. De acordo com levantamentos preliminares, essa terra pode abrigar cerca de 8 mil famílias. No ano passado inteiro, programas semelhantes do governo beneficiaram 5.300 famílias. Para Cassel, que tem sido criticado pelo Movimento dos Sem-Terra (MST) pelos resultados do ano passado, o salto previsto para os dois primeiros meses de 2008 está exclusivamente relacionado com a greve dos servidores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 2007. Reivindicando salários e melhores condições de trabalho, eles ficaram parados durante 90 dias - fato que represou de maneira pesada as ações da reforma. A pressa de janeiro e fevereiro nada mais seria, portanto, do que a retomada do que não pôde ser executado em 2007 - ano em que o governo Lula destinou mais recursos para a reforma agrária desde que tomou posse pela primeira vez, em 2003. Vale notar, no entanto, que a retomada coincide com o recrudescimento das críticas ao governo pelo MST - que declarou apoio a Lula no segundo turno das eleições de 2006 - e às vésperas de uma acirrada disputa eleitoral nos municípios. De maneira geral, os assentamentos têm reflexos imediatos nos municípios, com a injeção de recursos federais na economia local. Cada família recebe em média R$ 11 mil para se instalar. O deputado Raul Jungmann (PPS-PE), que ocupou a pasta do Desenvolvimento Agrário no governo de Fernando Henrique Cardoso, estranhou a pressa neste período do ano, quando a máquina burocrática anda mais devagar. De acordo com suas observações, os números podem de fato indicar um estoque de ações que ficaram de 2007 para 2008. Mas podem também revelar a pressa do governo em executar assentamentos neste ano: “O decreto de desapropriação não significa família sobre a terra. Ainda há um longo processo até lá.” QUALIFICAÇÃO O governo insiste em que, embora trabalhe para a ampliação das áreas reformadas no País, sua maior preocupação é com a qualificação dos assentamentos já existentes. De acordo com números oficiais, no ano passado foram construídos e recuperados 6.708 quilômetros de estradas em áreas de assentados, beneficiando 43 mil famílias. Por outro lado, o Programa Luz para Todos levou energia elétrica a 3.291 assentamentos. Os sem-terra apóiam tais realizações, mas exigem mais rapidez nas desapropriações, especialmente nas Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste - onde estão os principais focos de tensão. Em 2007, São Paulo encabeçou a lista dos Estados com mais conflitos agrários. Um caso emblemático nessa disputa é o da Fazenda Guerra, no município gaúcho de Coqueiros. Por meio de marchas e invasões, o MST reivindica a desocupação da área, que considera improdutiva. Mas, como os laudos periciais apontam o contrário, resta ao governo a opção de comprar a propriedade, o que está fora de cogitação, segundo as autoridades. Se a fazenda fosse comprada, o custo do assentamento de cada família poderia chegar a R$ 250 mil.

MST ocupa 14 fazendas em 2 dias no Pontal

Estadão, 05.02.2008
Carnaval vermelho’ é para cobrar assentamentos, dizem líderes
Sandro Villar

Dez fazendas foram invadidas ontem por centenas de sem-terra no Pontal do Paranapanema, no interior de São Paulo. Com isso subiu para 14 o total de propriedades ocupadas em dez municípios da região desde domingo, na operação denominada de “carnaval vermelho”. É um número maior do que o registrado no ano passado, quando 12 fazendas foram invadidas no mesmo período de carnaval. Os números foram divulgados pelo Movimento dos Sem-Terra (MST), que liderou as invasões, com o apoio do Movimento dos Agricultores Sem-Terra (Mast). Até a noite de ontem, porém, a Polícia Militar não havia divulgado nenhum relatório oficial sobre as ações. Na lista das dez áreas invadidas estão as Fazendas Beira Rio, no município de Teodoro Sampaio, Estrela da Laranja Doce, em Martinópolis, e Cobra, em Dracena. No domingo já tinham sido invadidas as Fazendas Iara, em Euclides da Cunha Paulista, Boa Esperança, em Martinópolis, Guarani, em Presidente Bernardes, e Santa Lurdes, em Flora Rica. Em nenhum caso houve registro de violência, mas o dono da Boa Esperança, Luiz Egídio Constantino, chegou a ser impedido temporariamente de deixar a propriedade. Um balanço final das ocupações deverá ser divulgado hoje pelo MST. Ontem, o coordenador do movimento na região, Claudemir Silva Novais, destacou algumas ações. “A Fazenda Cobra tem 550 hectares e lá estão 70 famílias. Na Beira Rio são 48 famílias; e na Estrela da Laranja Doce, 60.” As outras fazendas ficam nos municípios de Caiuá, Presidente Venceslau e Presidente Epitácio. Segundo Novais, o objetivo das invasões é pressionar as autoridades para que assentem cerca de 500 famílias que há três anos estão acampadas na beira da estrada. “Também estamos protestando contra a lentidão do governo José Serra na condução da reforma agrária.”

PROJETO
O governador paulista também foi criticado por José Rainha, um dos principais líderes do MST na região. Na opinião dele, Serra tem deixado de aplicar o dinheiro que recebe do governo federal para a reforma agrária, com o objetivo de prejudicar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva num ano eleitoral. “O Serra não comprou as terras para fazer a reforma agrária. Recebeu R$ 11 milhões em 2007 e preferiu construir presídios e Febens. O Itesp não prestou contas ao governo federal.” Rainha acredita que a reforma agrária deveria ser executada exclusivamente pelo governo federal, sem a participação dos Estados. Ontem ele também criticou o projeto do governo estadual de regularização das propriedades do Pontal - região do oeste do Estado onde os conflitos têm prosperado em decorrência da ausência de títulos legais de propriedade em muitas áreas. Pelo projeto do governo, os fazendeiros receberiam títulos definitivos, em troca da entrega de uma parte das terras que ocupam. Segundo Rainha, o governo só pretende requisitar 15% das terras dos fazendeiros - índice que ele considera inaceitável. “A Justiça já provou que são terras sem donos, com escrituras duvidosas.” O Estado tentou localizar representantes do Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) e do governo estadual, na sede das instituições e por celular, mas eles não foram encontrados.

Sindicatos, esquerda e jornalismo: as batalhas da guerra por hegemonia

Por Sérgio Domingues. Segundo a mais clássica formulação de Lênin, os sindicatos “são centros organizadores de luta, são escolas de socialismo”. Antes dele, Engels afirmara algo parecido. Em “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra”, referiu-se aos sindicatos como “escolas militares”, cuja melhor arma era a greve (...). Leia mais

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Agricultura familiar - Editorial do Jornal do Commercio, PE - 01/02/2008

A Secretaria de Agricultura do Estado e o IPA estão anunciando investimentos de R$ 8 milhões na primeira edição de um programa denominado Terra Pronta, que vai preparar o solo de 44 mil mini-propriedades pertencentes a pequenos agricultores, espalhados por 127 municípios pernambucanos.
Essas terras deverão receber tratamento técnico adequado para o plantio de lavouras de subsistência - milho, feijão, mandioca - antes de começar o inverno, com cada agricultor recebendo o benefício de pelo menos um hectare de seu terreno completamente arado. O programa contempla, num primeiro momento, os Sertões do Araripe, Pajeú, Moxotó, Central e do São Francisco. O objetivo é unir a preparação antecipada da terra de plantio, com a distribuição de sementes feita anualmente pela Empresa Pernambucana de Pesquisa Agropecuária.
Chuvas já começaram a cair no oeste do Estado, como se espera sempre que aconteça no mês de janeiro. E, ainda que a informação governamental somente tenha sido distribuída na semana passada, consta dela que a chamada aração já começou. “Em março, quando terminarmos os trabalhos no Sertão, daremos início às ações nos Agrestes Meridional, Central e Setentrional”, destaca o diretor de Assistência Técnica e Extensão Rural do IPA à reportagem do nosso caderno de Economia.
Sabe-se que essa é uma medida paliativa, que a melhoria da agricultura familiar não resolve o problema do desamparo em que vive o sertanejo - mas pelo menos é alguma coisa que se faz, até que políticas mais consistentes resolvam encarar o grave problema fundiário que se perpetua no País.
A pequena propriedade é uma das bandeiras geralmente atribuídas à esquerda brasileira mais extremada (ainda que o Estatuto da Terra tenha sido promulgado no período militar, por iniciativa do general Castelo Branco). Num livro que já citamos neste espaço de jornal, polêmico mas bem fundamentado, o estudioso paraibano Otávio Sitônio Pinto cita o caso de pequenos proprietários da Serra do Teixeira (que se limita com a Serra de Triunfo, em Pernambuco) que exploraram a terra até a exaustão, nos minifúndios daquela região comum aos dois Estados. E conclui, generalizando, que o minifúndio “não serve de suporte nem à miséria de seus proprietários, donos apenas de sua pobreza, freqüentemente obrigados a alugar o seu braço para sobreviverem nas entresafras mais prolongadas”.
Talvez resida mesmo nessa constatação negativista a importância relativa de um programa como o que é agora anunciado pelo governo do Estado - e que para a oposição parece ter conteúdo “paternalista” e eleitoral. Vale lembrar que também foi considerado paternalista, em seus começos, a proposta para levar luz elétrica a todas as residências rurais, mesmo as mais isoladas. Como Pernambuco se antecipou ao governo federal, nesse item, pode hoje se orgulhar de ser o primeiro Estado do Nordeste a aproximar-se de uma universalização no uso de energia fornecida pela Chesf.
Além da alegria pessoal de poder contar com lâmpadas acesas à noite (em vez do velho candeeiro) e um rádio ou aparelho de televisão, os moradores dos grotões têm agora, também, a possibilidade de possuir um refrigerador, que pode até ser acionado como uma fonte de renda extra, com a produção de picolés, feitos das frutas existentes no seus próprios quintais. Uns poucos até instalaram bombas para recolher água da cacimba, substituindo a força dos braços pela mecânica. Enfim, mudaram de vida.
Certamente, é muito fácil lamentar a infelicidade dos que nada têm, e reclamar medidas governamentais, sem indicar quais são as verdadeiras prioridades. Mais difícil, é persistir num trabalho sério, governo após governo, como fazem os técnicos do IPA e de outras repartições ligadas ao campo, seja na área da agricultura ou da pecuária leiteira.
Como Pernambuco vive uma fase de otimismo, em que foram desencadeadas algumas ações estruturais que vêm tendo andamento satisfatório, parece-nos conveniente salientar também ações pontuais como esta agora anunciada pela Secretaria da Agricultura do Estado.

Governo amplia prazo para pagamento da dívida rural

Produtor com dívida que vence no 1º trimestre tem até 31 de março para quitar José Múcio (Relações Institucionais) reabriu na semana passada a discussão para renegociar R$ 140 bilhões de dívida do setor DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O governo aprovou ontem a ampliação para 31 de março do prazo de pagamento das dívidas rurais, mas só para os financiamentos que vencem no primeiro trimestre deste ano. Desde o ano passado, os produtores agrícolas, apoiados pelo ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, e a bancada agrícola do Congresso pediram ao presidente Lula a renegociação destas dívidas. As negociações estavam quase fechadas, mas foram suspensas pelo governo com a perda de arrecadação da CPMF. Na semana passada, as conversas foram reabertas pelo ministro José Múcio (Relações Institucionais), a pedido do presidente Lula, para agradar os parlamentares ruralistas. A dívida rural total é estimada em R$ 140 bilhões, dos quais 70% foram concedidos pelo Banco do Brasil. Múcio defendeu a renegociação da dívida. No dia 24, ele se reuniu com os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e da Agricultura, Reinhold Stephanes, além do presidente da Comissão de Agricultura da Câmara, Marcos Montes (DEM-MG), para discutir o assunto. Segundo o secretário-adjunto de Política Econômica da Fazenda, Gilson Bittencourt, a dívida a ser paga no primeiro trimestre não passa de R$ 200 milhões. Ele disse que até o fim de março, o governo pretende concluir um projeto para refinanciar as dívidas dos produtores agrícolas. Mas, por enquanto, estes continuam na lista negra de inadimplentes, o que significa que não podem tomar novos empréstimos. Bittencourt disse que o maior problema se concentra nas dívidas acumuladas nas décadas de 80 e 90, que somam R$ 30 bilhões. Outros R$ 10 bilhões venceram nos últimos sete anos. Ele negou que a renegociação das dívidas dos produtores agrícolas atenda a necessidades políticas do governo. As dívidas que tiveram o prazo prorrogado para 31 de março são as com risco ancorados em títulos do Tesouro, ou tomadas nos fundos constitucionais, como o FNE (Fundo do Nordeste). A CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária) informou que não iria se pronunciar porque os técnicos acharam a medida confusa e preferiam esperar a publicação no "Diário Oficial" da União. Procurado, o ministro da Agricultura não se pronunciou. A assessoria disse que ele estaria incomunicável durante o dia. (JULIANA ROCHA)

Juiz veta faculdade para assentado

Suspenso no RS convênio que criava curso especial de Medicina Veterinária na Universidade Federal de Pelotas
Elder Ogliari, PORTO ALEGRE
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) suspendeu o convênio que criava curso especial de Medicina Veterinária a assentados da reforma agrária na Universidade Federal de Pelotas (UFPel). A decisão foi tomada segunda-feira pelo juiz federal João Batista Lazzari, que acolheu um recurso do Ministério Público Federal contra decisão da 1ª Vara Federal de Pelotas, que negava a liminar.
O convênio foi assinado pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), vinculado ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), com a UFPel em setembro do ano passado. O curso começaria em março deste ano, com 60 vagas, para estudantes que passaram por um processo seletivo e que portem um comprovante, emitido pelo Incra, de que são assentados da reforma agrária. O Pronera tem acordos semelhantes com outras 13 universidades do País, onde está formando 20 turmas de assentados em áreas como pedagogia, letras, agronomia, história, ciências agrárias, educação do campo e geografia. O objetivo é qualificar o público da reforma agrária dentro de ações afirmativas a exemplo do que ocorre com as cotas raciais e sociais nos cursos regulares das universidades. IGUALDADE Em Pelotas, o procurador da República Max dos Passos Palombo decidiu contestar o convênio. Ele encaminhou uma ação civil pública à Justiça, na qual alegou que a criação de cursos exclusivos para assentados fere o princípio da igualdade previsto na Constituição - o mesmo argumento que tem sido usado para contestar cotas raciais. O pedido de liminar, rejeitado no primeiro grau, acabou sendo aceito pelo Tribunal. O mérito da questão ainda não foi julgado. Por não terem sido notificados formalmente, o Incra e a UFPel não quiseram comentar a decisão. Os cursos especiais estão se multiplicando devido, principalmente, às pressões do Movimento dos Sem-Terra (MST). Seus líderes defendem a idéia de que os assentados precisam de currículos especiais, voltados para as necessidades das comunidades onde vivem, e também de horários especiais. Os estudantes costumam intercalar períodos de permanência na escola com outros de trabalho rural. A preocupação inicial do MST foi com a formação de professores para atender crianças de seus acampamentos e assentamentos. Pela lógica do movimento, os professores indicados pelas prefeituras não entendem a realidade dos sem-terra. No governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva mais escolas federais foram estimuladas a celebrar acordos para a formação de turmas especiais, em diferentes áreas, com recursos provenientes do Pronera. COLABOROU ROLDÃO ARRUDA