quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Trabalho escravo na erva mate

Entre dez libertados do corte de erva mate, cinco são índios
Trabalhadores eram mantidos por meio de dívidas, contraídas na compra de alimentos e ferramentas. Alojamento era irregular e não havia sanitários. Cinco dos dez trabalhadores eram da Terra Indígena Xapecó, em Ipuaçu (SC)
Por Bianca Pyl
O grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) libertou dez trabalhadores submetidos à escravidão na Fazenda Vista Alegre, em General Carneiro (PR). Cinco deles tinham migrado de Clevelândia, também no estado do Paraná, e os outros cinco, do povo Kaingang, vinham da Terra Indígena Xapecó, em Ipuaçu (SC).
Aliciados por um "gato" - contratador que atua como intermediário dos donos da propriedade - conhecido como Chico, eles eram submetidos a um esquema de endividamento antes mesmo de iniciar o corte de erva-mate. O proprietário mantinha um acordo com o comerciante para o qual os empregados deviam. O "gato" levou os trabalhadores até Ponte Serrada (SC) antes mesmo do início das atividades para que eles próprios adquirissem alimentação e ferramentas.
No final do mês, os trabalhadores "ganhavam uma carona do dono do mercado" para voltar para casa e assim eram obrigados a pagar o que deviam. "Era uma forma de garantir o recebimento mensal dos empregados", relata Luize Surkamp Neves, auditora fiscal e coordenadora da fiscalização. Os funcionários recebiam por produção e, com os descontos da dívida ilegal, os sálarios ficavam bem abaixo do mínimo - em torno de R$ 120 a R$ 200.
Segundo Gláucio Araújo de Oliveira, procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), o dono da fazenda foi autuado no Art. 149 do Código Penal e deverá responder na Justiça pelo crime de trabalho escravo.
Para chegar até o local, os fiscais fizeram um rastreamento prévio das áreas de cultivo das folhas que são utilizadas para o preparo do chimarrão. "Fomos procurando porque sabemos que as condições de trabalho no corte de erva-mate, geralmente, não respeitam a legislaçãobrasileira", conta Luize. O grupo móvel chegou no local dia 18 e só encerrou a ação em 26 de setembro.
Os dez libertados estavam no local desde o início do corte de erva- mate, que começou em junho. Todos ficavam alojados em barracas de chão batido só com a cobertura de lonas plásticas. Dois ou três trabalhadores dividiam cada barraca, que também tinha um espaço com fogão.
Os funcionários improvisavam a cama com madeira encontrada na mata e o colchão era do trabalhador, assim como os equipamentos de proteção individual (EPIs) e as ferramentas. O corte de erva-mate exige o uso de botas de proteção, cinto de segurança e capacete porque os trabalhadores sobem na árvore para colher a erva.
No local também não havia instalações sanitárias e os funcionários usavam a água de um rio próximo para beber, tomar banho e preparar as refeições. Faz muito frio na região: a temperatura chega a cair abaixo de zero.
Segundo Luize, o proprietário da fazenda acompanhou a fiscalização e pagou as verbas rescisórias. Foram lavrados 12 autos de infração. Os trabalhadores voltaram para suas cidades de origem e irão receber o seguro-desemprego para trabalhador resgatado
Muitas empresas não cultivam a erva-mate e a compram de locais onde ela é cultivada na forma nativa, como em General Carneiro. O dono da área vende a erva, mas não se responsabiliza pelo corte. "Mas nós entendemos que é de responsabilidade do fazendeiro retirar a erva vendida", explica Gláucio. O procurador conta que muitas vezes a empresa nem vê a área, ela usa um olheiro para encontrar o local, que também fica responsável por negociar com o fazendeiro e encontrar a mão-de-obra que fará o corte da erva. "Nesse caso, o aliciador era amigo do dono da fazenda. O gato também poderá ter alguma punição criminal, mas não trabalhista", disse.
Segundo a auditora, essa situação se repete nessa atividade. "No ano passado fizemos um trabalho de fiscalização muito focada no corte de erva mate em Santa Catarina. Aí percebemos que muitas empresas passaram a cortar no Paraná para driblar a fiscalização", explica.

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