ENTREVISTA COM RAQUEL RIGOTTO
por Gustavo Colares
Ciência engajada
O Brasil acostumou-se a vitórias e conquistas no Esporte que dão orgulho a qualquer cidadão brasileiro. Desde 2008, porém, o País é dono de um título nada honroso para quem, já na próxima década, deve ocupar a cadeira da 5ª maior economia do planeta. Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), somos a nação que mais consome agrotóxicos e fertilizantes químicos no mundo. É mais de um milhão de toneladas por ano.
Por trás do aquecimento de nossa economia, em que as commodities ocupam lugar de destaque no saldo da balança comercial brasileira, uma realidade nem sempre tangível pelas autoridades: o uso sem medida de agrotóxicos por grandes grupos empresariais e também pequenos agricultores, às vezes esquecidos pelos órgãos que deveriam oferecer capacitação técnica. É o que denunciam ativistas ambientais e pesquisadores como a Profª Raquel Rigotto, do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará.
Ela coordena o Núcleo Trabalho, Meio Ambiente e Saúde para a Sustentabilidade (Tramas), grupo de pesquisa com forte atuação científica e engajada em municípios do interior cearense que recebem grandes empreendimentos industriais. Não foi à toa que o Tramas se envolveu ativamente em estudo sobre os danos da utilização intermitente de agrotóxicos na saúde de trabalhadores e no meio ambiente, depois que José Maria Filho, um dos principais críticos de Limoeiro do Norte ao modelo do agronegócio da Chapada do Apodi, foi morto com 19 tiros nas proximidades do aeroporto de onde saem os aviões para a pulverização dos bananais da região.
Em 2009, Rigotto foi interpelada judicialmente por uma indústria fabricante de fertilizantes, de Maracanaú, por comprovar, numa pesquisa, os males causados à saúde de uma comunidade em virtude da negligência da gestão da empresa em seu sistema de ventilação e exaustão. O apoio das instituições acadêmicas à pesquisadora não tardaria. A Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, o Conselho Nacional de Saúde, o Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará, a Conferência Estadual de Saúde Ambiental e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, entre outras entidades, se manifestaram publicamente em defesa do saber científico.
A seguir, o leitor conhecerá uma ciência comprometida, sem deixar de lado o rigor da produção de conhecimento. Uma ciência transdisciplinar que encontra as classes sociais mais vulneráveis, procura reaprender os tradicionais saberes construídos e reconhece a interdependência entre a Natureza e os seres vivos. Para Raquel Rigotto, um compromisso pela construção de uma sociedade de fato sustentável, que prima pela justiça socioambiental.
UP – Segundo a FAO, o Brasil é o maior consumidor no mundo de fertilizantes químicos. Quantas toneladas de agrotóxicos o brasileiro consome anualmente e onde o Ceará se encaixa nessa realidade?
Raquel Rigotto – O Brasil é o campeão mundial de consumo de agrotóxicos desde 2008. Naquele ano, foram 673 mil toneladas consumidas, mas em 2010 ultrapassamos a casa de 1 milhão de toneladas. Esses dados de 2008 mostram que em torno de 350 mil toneladas são para o cultivo da soja, em torno de 100 mil toneladas são do cultivo de milho e 50 mil toneladas destinam-se às plantações de cana, para o etanol. Só nesses três monocultivos, que são commodities importantes dentro do atual modelo de modernização agrícola e desenvolvimento no campo, nós já temos mais de 70% desse volume de agrotóxicos consumido no País. No Brasil, há mais de mil produtos comerciais de agrotóxicos diferentes, que são elaborados a partir de 450 ingredientes ativos, aproximadamente. O Ceará apareceu no Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2006 como o quarto estado brasileiro em número de estabelecimentos que utilizam agrotóxicos, o que é diferente de ser o quarto que mais consome. Agora, não temos dados muito precisos porque a obrigação do controle, do fluxo de agrotóxicos em cada estado, de acordo com a lei federal, cabe ao órgão estadual de meio ambiente e de agricultura.
E aqui, no Ceará, infelizmente, não estamos tendo esse controle. O que se tem é um cadastro dos produtos que são autorizados de serem vendidos e dos estabelecimentos comerciais autorizados, mas não um controle anual ou trimestral do consumo, das vendas, da circulação, de onde está sendo usado, os implicativos e em quais cultivos. Isso, do ponto de vista da saúde, é lamentável. Faltam informações até mesmo sobre em que capacitar os profissionais de saúde, porque cada produto tem a sua nocividade.
Foi por causa disso que decidimos buscar algum tipo de informação na Secretaria da Fazenda do Estado do Ceará, pensando que, pela taxação, poderia haver, pelo menos, uma informação de volume. Lá conseguimos algo mais grave: descobrir que no Ceará os agrotóxicos são isentos de impostos. Há uma legislação federal que reduz esse imposto a 60%, mas os estados podem ampliar esse “benefício” às empresas.
UP – Quando se fala em isenção fiscal, lembramos do lobby das empresas (fabricantes e das que utilizam agrotóxicos) junto a parlamentares e governos. Como combater isso?
RR – É importante compreendermos que os agrotóxicos hoje se caracterizam como problema de saúde pública, exatamente porque eles são a expressão de um modelo de desenvolvimento para o campo baseado numa agricultura empresarial, tecnificada, centrada no monocultivo em grande escala, voltado para a exportação e químico-dependente, no que diz respeitos aos fertilizantes e agrotóxicos. Trata-se de mostrar que os agrotóxicos não são apenas um risco químico que deve ser controlado, mas que eles são parte da lógica de um modelo de desenvolvimento que precisa ser, pelo menos, explicitado para a população.
E também é necessário “desocultar” os danos desse modelo, porque ele é apresentado como o que tem alta produtividade, aquele que vai resolver o problema da fome – e hoje se fala com a boca cheia em segurança alimentar, quando na verdade estão sendo produzidos commodities, e não alimentos para a população –; e também compreender os impactos que geram para o meio ambiente e para a saúde. No caso do meio ambiente, há contaminação das águas, por exemplo.
UP – Nesse sentido, o Núcleo Tramas realizou um estudo na Chapada do Apodi, na região do Baixo Jaguaribe.
RR – Colhemos 23 amostras de água, tanto superficiais quanto profundas e subterrâneas do Aquífero Jandaíra, como também a água que abastece as casas das comunidades. E, infelizmente, não encontramos nenhuma amostra sem agrotóxico – as análises foram feitas pelo Departamento de Química Orgânica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A Companhia de Gestão de Recursos Hídricos (Cogerh) também fez análise de águas lá. Ela colheu dez amostras de água do Aquífero apenas, mas seis delas estavam contaminadas; 60% de um aquífero que se estende de Limoeiro do Norte até quase Touros, no Rio Grande do Norte. Essa contaminação da água é muito grave.
UP – José Maria Filho, um dos principais críticos do agronegócio jaguaribano, foi morto com 19 tiros nas proximidades do aeroporto de onde saem os aviões para a pulverização dos bananais da região.
RR – De fato, outra questão é a pulverização aérea, que culminou com o assassinato do Zé Maria, liderança do Tomé, de Limoeiro do Norte. A pulverização aérea, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), apresenta uma deriva técnica própria. Por exemplo, 32% do que é pulverizado adere às folhas do cultivo a que se destina, 49% cai no solo e os 19% restantes permanecem no ar, que vai para o que está em volta, dependendo da direção e da velocidade dos ventos, da temperatura, de uma série de fatores. Quando você vê o mapa da Chapada do Apodi, verá uma contiguidade entre empresas de monocultivo de frutas para exportação e comunidades que estão lá há muito tempo. Então, a contaminação pelo ar dessas comunidades leva a muitas queixas, como problemas respiratórios, dermatológicos e até aborto.
UP – Que doenças são observadas a partir do contato com agrotóxicos?
RR – Os agrotóxicos têm dois grandes grupos de impactos sobre a saúde. O primeiro é o das intoxicações agudas, aquelas que acontecem logo após a exposição ao agrotóxico, de período curto, mas de concentração elevada. Por exemplo, quando se pulveriza uma plantação com aplicador costal, trator ou aérea. Esse tipo de intoxicação gera um quadro clínico que pode variar da dor de cabeça, náusea, alergias cutâneas e ardor na pele e nas mucosas das vias áreas superiores até convulsão, coma e morte. Fizemos um estudo epidemiológico com uma amostra composta de 545 trabalhadores, estratificados de acordo com o segmento do agronegócio – empregados do agronegócio, pequenos agricultores e seus empregados e trabalhadores do assentamento Bernardo Marinho, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e de uma comunidade em transição agroecológica, chamada Lagoa dos Cavalos, ambos situados no tabuleiro de Russas. Observamos que 33% desses trabalhadores têm relatos de quadros compatíveis com uma intoxicação aguda em algum momento de sua história pregressa. Desses, 54% sequer procuraram assistência médica, trataram-se sozinho em casa: tomando leite, tomando água, benzendo-se, o que nos aponta a fragilidade das estatísticas oficiais sobre intoxicação.
O segundo grande grupo de impactos dos agrotóxicos sobre a saúde é o dos chamados efeitos crônicos, que são muito ampliados. Temos o que se chama de interferentes endócrinos, que é o fato de alguns agrotóxicos conseguirem se comportar como se fossem o hormônio feminino ou masculino dentro do nosso corpo; enganam os receptores das células para que aceitem uma mensagem deles.
Com isso, se desencadeia uma série de alterações – inclusive má formação congênita; e hoje está provado que pode ter a ver com esses interferentes endócrinos.
Pode ter a ver com os cânceres de tireóide, pois implica no metabolismo. E cada vez temos visto mais câncer de tireóide em jovens. Pode ter a ver com câncer de mama. E também leucemias, nos linfomas. Fizemos um estudo com base nos dados do Instituto do Câncer do Ceará, de 2000 a 2006, separando todos os casos de câncer do Estado, entre agricultores e não agricultores. Para esses dois grupos, consideramos 23 localizações anatômicas de câncer e os agricultores apresentaram mais câncer em 15 delas.
Tem alguns agrotóxicos que já são comprovadamente carcinogênicos. Também existem problemas hepáticos relacionados aos agrotóxicos. A maioria deles é metabolizada no fígado, que é como o laboratório químico do nosso corpo. E há também um grupo importante de alterações neurocomportamentais relacionadas aos agrotóxicos, que vão desde a hiperatividade em crianças até o suicídio.
UP – E os alimentos que compramos nos supermercados? É feito algum tipo de controle?
RR – A Agência Nacional de Vigilância Sanitária tem o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA). Desde 2008, ele cobre todos os estados do Brasil. São analisados cerca de 30 produtos – frutas, legumes, verduras e cereais mais comuns na alimentação do brasileiro –, colhidos, em amostras, nos supermercados. O Programa busca nesses alimentos em torno de 120 ingredientes ativos de agrotóxicos. As amostras são analisadas em cinco laboratórios de referência no País e os resultados são publicados anualmente, que apontam dois grandes grupos de problemas. Um são aqueles alimentos que têm um teor de agrotóxico superior ao que é considerável aceitável. A outra alteração que pode aparecer é a presença de princípios ativos não adequados àquele cultivo.
Em 2010, os resultados informaram que 29% das amostras analisadas foram consideradas inadequadas e o alimento mais contaminado foi o pimentão. Mas o PARA tem um ponto frágil. Se uma cenoura tem mais veneno do que pode, quem produziu ela? Que na mesma semana o produtor saiba e que essa cenoura seja retirada do supermercado para que ele sinta uma consequência. É preciso construir toda a rastreabilidade disso.
UP – Que tipo de assistência técnica deveria ser dado a agricultores e trabalhadores do campo?
RR – O IBGE mostrou que a assistência técnica pública cobriu apenas de 20% a 30% dos estabelecimentos e, em média, estabelecimentos que têm 220 hectares, ou seja, os enormes. Os pequenos agricultores, que também produzem alimentos que vão à mesa, não têm tido acesso a essa assistência técnica. Eles chegam ao balcão da loja, que empurra para eles o agrotóxico que está pagando a comissão maior. Não posso acusar ninguém, mas o receituário agronômico – previsto na legislação federal, que indica a visita de um agrônomo a uma plantação, identifica a praga, o cultivo, o endereço, o proprietário, prescreve a primeira e segunda escolhas em termos de agrotóxicos, a forma de aplicação, a concentração, a frequência e a duração e os cuidados que devem ser tomados – não tem sido seguido. O que existe hoje no Brasil? Se você tem R$ 5 ou R$ 100 mil no bolso e quer comprar tudo em veneno, você chega em uma loja e compra. E as grandes empresas passam fora desse circuito, pois compram direto da fábrica, em grande escala, têm o seu agrônomo e não há lei que as obriguem a cumprir o receituário agronômico.
UP – O Tramas também realizou pesquisas no Pecém. O que motivou a ir até lá?
RR – Em 2007, quando o Governo Lula lançou o primeiro Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), eu participava do Conselho Nacional de Saúde. Quando vi o projeto do PAC, a primeira coisa que pensei foi nos impactos em termos da saúde ambiental e da saúde do trabalhador, e na fragilidade das instituições e políticas públicas para dar suporte àquilo tudo. A partir disso, fizemos um projeto de pesquisa pegando uma situação concreta do PAC aqui no Ceará, o Complexo Industrial e Portuário do Pecém. Coincidiu que nesse momento o Tramas foi solicitado pelo Ministério Público Federal (MPF) a fazer uma avaliação do termo de referência para o estudo de impacto ambiental de uma termelétrica de carvão mineral que seria instalada lá. Lá existe uma comunidade anacé importante, onde metade das 750 famílias
se reconhece como indígena. Quando vimos a ameaça de não só uma termelétrica a carvão mineral, mas quatro, que é a pior alternativa de combustível para uma termelétrica – e isso é aceito pelo órgão ambiental –, começamos a pautar esse estudo também para ajudar o sistema de saúde local a enxergar, antecipar e informar riscos que podem acontecer.
A gente acompanhou a chegada de uma dessas termelétricas, o processo de ameaça de remoção das comunidades, como isso implicou em crises depressivas e hipertensivas, em acidentes vasculares cerebrais. E também toda a chegada dos novos trabalhadores – alojados em casas com 30, 40 homens –; as condições de trabalho; e toda a questão do carvão mineral,
que está vindo da África e está sendo transportado por correia, construída causando desmatamento, passando por cima de dunas, aterrando lagoas. A poeira que sai do carvão mineral é altamente nociva, não somente para quem trabalha na mina como para quem o manipula e para quem também está no entorno e respira essa poeira. Sem falar no ruído que as máquinas geram, a contaminação atmosférica – inclusive de gases do efeito estufa – e de efluentes líquidos, principalmente a partir de metais como mercúrio, cádmio e tungstênio, que irão sair desse carvão mineral e podem contaminar os ecossistemas marinhos, biomagnificando peixes e comprometendo também o ser humano, na cadeia alimentar.
UP – Que outros estudos foram feitos no Interior do Estado?
RR – Recebemos, ano passado, umchamado da Cáritas, da Diocese de Sobral, para discutir sobre o urânio, pois eles ficaram sabendo que a mina de Itataia, na região centro-norte do Estado, seria ativada e queriam conhecer esse tema. Então iniciamos um diálogo mais para compartilhar as informações, participando de um seminário e de uma audiência pública na região. Também fizemos de uma disciplina de pós-graduação um laboratório coletivo junto a alunos e atores locais que convidamos à participação, como lideranças do MST, da Cáritas etc. Foram três eixos. O primeiro referiu-se ao licenciamento ambiental da mina, que está em curso, em contrapartida a uma proposta da Rede Brasileira de Justiça Ambiental que se chama Avaliação de Equidade Ambiental, uma metodologia para introduzir a perspectiva dos impactados pelo empreendimento no Estudo de Impacto Ambiental (EIA). O segundo eixo foi o das políticas publicas de saúde, de novo pensando no que cabe ao SUS e aos agentes comunitários de saúde fazer com essas comunidades. E um terceiro que dizia respeito à comunicação de risco, como se discute com as comunidades do entorno esse risco, afinal o urânio não tem cor, não tem cheiro, não é palpável, é uma radiação, uma energia. Em atividade de campo, fomos a uma comunidade do entorno da mina, chamada Riacho das Pedras, e passamos dois dias conversando com ela sobre aquele território, as águas, os rios, as possibilidades de fluxos de contaminação, as estradas. O EIA diz que não mora ninguém lá perto, mas nós identificamos 19 comunidades. É preciso evitar que isso seja um impacto muito
negativo sobre aquelas pessoas, mas não somente dessa região, mas também de Santa Quitéria, Itatira, Canindé, Madalena... O yellowcake, o licor do urânio, será transportado de lá para o Porto do Pecém – não se sabe ainda se por rodovia ou ferrovia, mas são cerca de 200 km de risco de um derramamento.
UP – De que forma o Núcleo Tramas se articula na sociedade e como pensa a ciência?
RR – Tratar de doenças é algo necessário, que será sempre feito e que bom que há pessoas com essa vocação! Mas compreender que boa parte das doenças é produzida a partir da maneira como a sociedade se organiza, se relaciona com a natureza e promove as relações entre as classes sociais, é algo que dá para a gente a possibilidade de trabalhar para reduzir o sofrimento humano e produzir saúde. O Tramas nasce exatamente da necessidade em compreender que a saúde tem uma inter-relação muito profunda com o trabalho, com o meio
ambiente, com o modelo de desenvolvimento, com os processos de produção e consumo, com a cultura. Portanto, para promover saúde numa perspectiva mais ampliada, dependemos de um diálogo muito profundo com outros campos do conhecimento, por meio de um diálogo com outros saberes, outras cosmovisões.
Temos tido um retorno muito positivo desse tipo de ciência que temos tentado fazer, uma ciência engajada. Nas articulações com os movimentos sociais, procuramos compreender qual o nosso papel enquanto academia, que entende a sua função enquanto universidade pública, estando sempre ligada à produção do conhecimento.
UP – Em relação ao estudo feito em Maracanaú, a senhora e a Islene Rosa, outra pesquisadora do Tramas, foram interpeladas judicialmente devido às conclusões dessa pesquisa.
RR – A comunidade lutou de 1993 a 2004 para descobrir que existia o Ministério Público. Sentia cheiro de rato podre nas latas de alimentos, sem conseguir jantar, com gente utilizando máscara em casa. O MP, então, fez um pedido de estudo à Semace, que concluiu que estava
tudo bem. Depois, solicitou outro estudo à UFC, e o Reitor René Barreira assinou uma portaria designando os professores Jeovah Meireles e Auri Pinheiro e eu para fazermos. Islene Rosa estava entrando no mestrado, e eu propus a ela nos ajudar. O laudo, contendo o estudo do processo de trabalho na empresa e seus riscos, com as informações geradas na comunidade, nos permitiu planejar a investigação dentro da empresa, feita com a força do MP. Concluímos que o sistema de ventilação e de exaustão de gases funcionava precariamente, para economizar energia. A empresa enchia os silos durante a noite com o produto que ia ser embalado no dia seguinte, para não perder tempo quando os trabalhadores chegassem de manhã. Só que ela desligava o sistema de exaustão dos silos.
Alguns contaminantes têm uma pressão de vapor que volatiliza naturalmente, sem precisar esquentar. Esses iam passando pela tubulação, formavam-se bolsões ao final e, quando o vento batia, o cheiro era jogado para a comunidade.
Entre esses contaminantes, havia duas substâncias, sendo uma delas cancerígena para animais – já comprovado –, e com suspeita de carcinogênese para humanos. Os efeitos dessas substâncias para a saúde humana se encaixam como uma luva com as queixas de saúde que a comunidade se referia: cefaleia, náusea, irritação nos olhos, alergia etc. A empresa soube e a partir daí entrou com a ação, em 2009. Atualmente somos protegidas pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. A comunidade acadêmica reagiu de uma forma muito bonita. O Ministério Público do Trabalho, no plano federal, fez uma nota de desagravo a nós, mostrando com base na legislação do servidor público, como nós cumprimos totalmente a nossa obrigação. Foram pelo menos 12 ações de apoio fortes. Hoje o processo encontra-se parado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário