segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

CTB: reduzir jornada com corte salarial não garante emprego

Com longa experiência sindical iniciada nos anos 80, Nivaldo Santana, vice-presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, tem um olhar clínico para analisar a crise pela ótica de quem está no chão da fábrica. Nesta entrevista, ele explica que empresários se anteciparam aos reais efeitos da crise, demitindo e diminuindo salários para continuar aumentando seus lucros. E embora saiba que os efeitos pesam no cotidiano do povo, diz que reduzir jornada e salário não resolve o problema.

Qual o peso da crise para os trabalhadores?
Para os trabalhadores, vale aquele ditado: quando a economia vai bem, os trabalhadores são os últimos a se beneficiarem; e quando vai mal, são os primeiros a pagar o pato. Então, do ponto de vista mais geral, a grande bandeira dos trabalhadores deve ser a luta por um projeto de desenvolvimento com valorização do trabalho, geração de emprego e distribuição de renda. Desse ponto de vista, a crise se apresenta como um problema muito duro para o conjunto dos trabalhadores.

Acredita que existam excessos na avaliação da crise no Brasil?
A crise é real. Começou nos Estados Unidos, se propagou pela Europa e Japão e chegou também aos países emergentes, atingindo sua economia real. Isso é um fato. O outro é que parcelas da mídia e da oposição conservadora procuram exagerar quanto ao tamanho e os efeitos da crise para criar uma situação política mais favorável aos seus interesses tendo em vista a sucessão presidencial de 2010. Ou seja, a crise existe e para os trabalhadores se apresenta por meio do aumento do desemprego e das dificuldades salariais, mas a oposição também aproveita para jogar lenha nessa fogueira com o claro objetivo de politizar esse processo.

As empresas também estão se aproveitando desse momento para impor piores condições de trabalho aos seus funcionários e, assim, aumentar seus rendimentos?
A percepção que a CTB tem é de que as empresas, os bancos, as montadoras e outros setores da economia tiveram lucros muito grandes no período de expansão da economia. Porém, diante das primeiras dificuldades, da diminuição da margem de lucro e das incertezas com o futuro, esses empresários se anteciparam promovendo ajustes em suas empresas, demitindo e reduzindo jornada e salários. Essa é uma política que penaliza duramente aqueles que não têm nenhuma responsabilidade na crise.

No setor automobilístico, a situação é ainda mais delicada...
A indústria automobilística tem papel muito relevante na economia e, em 2008, o Brasil bateu todos os recordes de venda de automóveis. Essas empresas lucraram muito. E, frente às dificuldades, adotaram o velho receituário dos empresários que é preservar os seus ganhos e descarregar o ônus da crise em cima dos trabalhadores. Existem casos como o da GM que, além de ter faturado bastante, recebeu incentivos do governo para facilitar o crédito e para diminuir as alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), entre outros benefícios. E, em vez de compartilharem esses benefícios preservando os empregos dos trabalhadores, acabam remetendo lucros crescentes para suas matrizes no exterior.

Por que diminuir jornada e salário é ruim para os trabalhadores?
Reduzir jornada e reduzir salário pode dar uma aparência inicial de que conseguimos preservar ao menos o emprego mesmo com prejuízo salarial. Mas a redução dos salários comprime o mercado interno e o consumo e acaba prejudicando as políticas de reversão da desaceleração econômica. Então, qualquer economista honesto sabe que para o país crescer e se desenvolver precisa fortalecer o mercado interno, precisa ter mais consumo, mais produção e uma variável estratégica para isso é a ampliação da massa salarial. Se você diminui a massa salarial, não consegue garantir a manutenção do emprego desses trabalhadores que, ainda por cima, estão perdendo salário. O efeito imediato é o recuo nas atividades econômicas e novas possibilidades de ondas de desemprego.

E diante de toda essa situação, que alternativas a CTB vê para os trabalhadores?
A CTB, como central sindical classista que defende os interesses mais profundos dos trabalhadores e tem como perspectiva o socialismo, tem a clara compreensão de que essa crise do capitalismo foi provocada pela própria lógica do sistema. Dentro do capitalismo, não se consegue uma saída efetiva e duradoura. Mas, do ponto de vista mais imediato, nossa compreensão é de que é preciso construir uma ampla frente política e social no Brasil para forçar a adoção de medidas econômicas que revertam essa situação de desaceleração do crescimento.
Ao mesmo tempo, o movimento sindical tem uma pauta básica que engloba a luta pela redução dos juros e do spread bancário, por mais investimentos em infra-estrutura e nas áreas sociais, pelo fortalecimento do mercado interno – que tem na valorização do salário um componente fundamental –, pela adoção de políticas imediatas de redução da jornada de trabalho sem a redução salarial, pela aprovação da convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e por medidas do governo que condicionem o uso de dinheiro público à manutenção do emprego. Afinal, é totalmente descabido que os empresários usem dinheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ou do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e não adotem como contrapartida a manutenção do emprego.

Foi noticiado recentemente que o governo estaria estudando medidas de flexibilização dos direitos trabalhistas. Acha que o cerco está se fechando?
O setor produtivo tem razão quando pede a diminuição da taxa de juros e do spread bancário como medida importante para enfrentar a crise. Dentro desse contexto, o setor que mais vem ganhando dinheiro no Brasil é o financeiro. Mas, aproveitar-se da crise e da preocupação dos trabalhadores com o emprego para adotar medidas que diminuam as vagas e rebaixem os salários é um grande erro. Todos sabem que o mercado de trabalho no Brasil é bastante fragmentado. Metade da população economicamente ativa não está no mercado formal e mesmo quem está enfrenta o problema da alta rotatividade, das jornadas extenuantes e da diminuição do salário. Para se ter uma ideia, segundo o Dieese, o salário mínimo necessário para um trabalhador com família de quatro pessoas seria cinco vezes maior que o oficial.

Há quem defenda medidas –
como o Fundo de Compensação Salarial e o Fundo de Aval – como forma de levar o auxílio do Estado para os trabalhadores, e não para os empresários. Como vê esse tipo de alternativa?
Medidas que visem preservar empregos, salários e direitos dos trabalhadores e incrementar a economia são sempre positivas. Achamos que o governo pode adotar um conjunto de propostas como essas para desonerar a folha de pagamento de alguns setores econômicos com a contrapartida da preservação do emprego, dos salários e dos direitos. A preservação dos investimentos do PAC, a continuidade da política de valorização do salário mínimo, a ampliação dos benefícios do Bolsa Família são também medidas anticíclicas, que jogam água no moinho do crescimento e do desenvolvimento.

Recentemente foi assinado o Pacto da Ação Sindical, mas parece que há dificuldades de unir as centrais neste momento...
As propostas do Pacto são consensuais no movimento sindical. O que há de divergência é que alguns setores sindicais, diante da crise e das dificuldades, recuam no sentido de aceitar o rebaixamento de direitos para assim preservá-los. Em nossa opinião, é uma atitude precipitada e equivocada fechar um acordo de três, cinco meses, que não dá segurança nem estabilidade ao trabalhador. Claro que cada sindicato, em cada região e categoria, tem autonomia para ver quais os caminhos possíveis para a manutenção do emprego. Mas as centrais sindicais, na opinião da CTB, não podem adotar essa política de rendição à chantagem patronal.

Você se refere à Força Sindical?
Não quero citar nominalmente nenhuma central. Acho que aquelas que adotarem esse caminho estarão abrindo uma brecha e tornando vulnerável a luta de resistência dos trabalhadores. A CTB trabalha pelo fortalecimento da unidade das centrais sindicais. Independentemente de divergências, achamos que nesse momento é fundamental a união não só das centrais, mas de outras forças sociais e políticas para fazer um movimento no país de combate à crise, à possibilidade de recessão e em prol do desenvolvimento. E o desenvolvimento, para ser justo e ter qualidade, precisa valorizar o trabalho, defender e gerar empregos e distribuir renda. Esse é o desenvolvimento duradouro e que abre perspectivas novas e melhores para o país.

De São Paulo,Priscila Lobregatte

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