Patricia Fachin
Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, o economista defende uma jornada de trabalho de 12 horas semanais. Segundo ele, essa medida é viável uma vez que estamos numa “fase em que aumenta a produtividade imaterial”. Pochmann lembra que esse modelo de produção “beneficia apenas as grandes corporações. As 50 maiores empresas do mundo, por exemplo, têm faturamento superior a cem países do mundo”.
Marcio Pochmann é doutor em Economia e professor do Instituto de Economia da Unicamp. Entre seus livros, destacamos Políticas do trabalho e de garantia de renda – O capitalismo em mudança (São Paulo: Editora São Paulo); E-trabalho (São Paulo: Publisher Brasil, 2002) e Desenvolvimento, trabalho e solidariedade (São Paulo: Cortez, 2002).
IHU On-Line - Para muitos, estamos transitando da sociedade industrial para a pós-industrial, da sociedade fordista para a pós-fordista. Quais são as principais características dessa transição e como ela impacta a realidade do trabalho?
Marcio Pochmann – Nesse início de século, temos vários movimentos que dão conta de uma grande heterogeneidade de situações. Há aqueles que identificam justamente esse marco da construção de uma sociedade associada ao serviço, partindo do pressuposto que nós tivemos uma primeira fase em que a organização econômica se encontrava nas atividades agrárias. Posteriormente, com o avanço do capitalismo tivemos uma melhoria na parte urbana e industrial, na produção de manufaturas. Por conseqüência disso, estaríamos agora numa nova fase em que a maior importância das atividades econômicas e ocupacionais estariam associadas ao serviço. O conceito de sociedade pós-industrial tem a ver com essa dinâmica centrada no setor terciário da economia. É verdade que desde os anos 1950 o centro da economia mundial já apontava essa perspectiva.
Quando olhamos o mundo como um todo, verificamos, com um certo atraso, que até o final do século passado a maioria das ocupações no mundo estavam ainda centradas nas atividades agrícolas. Agora, com a expansão na Ásia, sobretudo, assistimos uma mudança substancial em que a maior parte da ocupação já está pertencendo ao setor urbano. Se usarmos como referência os países do centro do capitalismo mundial, podemos dizer que está ocorrendo uma nova fase de expansão centrada no setor terciário. Mas isso ainda não é tão significativo quando olhamos o conjunto de países, já que muitas regiões se encontram atrasadas no ponto de vista do desenvolvimento econômico.
Marcio Pochmann – Considero importante pensar na mudança da divisão internacional do trabalho. Assistimos, na conjuntura atual, um deslocamento do centro dinâmico da economia concentrada até então nos EUA, que se desloca agora para Ásia, onde a China ganha destaque. Essa situação, guardadas as devidas proporções, pode ser comparada ao que ocorreu na passagem do século XIX para o século XX, quando houve o deslocamento do centro dinâmico da Europa para a América. Esse deslocamento foi importante, porque reconfigurou um novo marco na organização e percepção da condução do emprego.
Agora, em função do modelo de produção asiático, que tem como objeto fundamental a profunda redução dos custos, temos uma incorporação significativa dos segmentos de menor renda em consumo de bens. Ao contrário do que era marca da conjunção fordista, em que um automóvel custava 20 mil dólares, hoje, devido à produção asiática, ele custa quatro mil dólares. Essa mudança faz com que cada vez mais a China se transforme na grande oficina do mundo, enquanto a Índia passa a ser o escritório do planeta e a América do Sul, uma grande fazenda do mundo. Assim, essa divisão ocasional do trabalho impõe constrangimentos para aqueles países que, como o Brasil, pretendem ser uma exceção diferenciada na economia mundial.
IHU On-Line - Alguns setores industriais cresceram e o desemprego parece estar escondido. Entretanto, o sistema industrial brasileiro tem sido refém de um fordismo tardio? A produção industrial alcança padrões de excelência fabril, mas é relativamente retrograda no seu cerne organizativo e tecnológico, como defende Mangabeira?
Marcio Pochmann – Concordo com essa posição. O fordismo é tardio porque a industrialização foi tardia no Brasil. Nós começamos a construir automóveis na segunda metade da década de 1950, quando o homem se preparava para ir à lua. Percebe-se que parte significativa do setor produtivo brasileiro se encontra numa fase pré-fordista e, sobretudo, as micro e pequenas empresas que não têm acesso a crédito, à tecnologia. Por outro lado, o principal centro de condução industrial, ou seja, a região Sudeste está muito identificada com o tipo de produção tardia. Por isso, é necessário estimular que as atividades pré-fordistas realizadas em muitas regiões brasileiras não passem do pré-fordismo para o fordismo e posteriormente para o pós-fordismo. O nosso desafio é construir uma ponte entre o pré-fordismo e as novas formas de organização da produção. Isso implica um conjunto de políticas públicas do ponto de vista industrial, comercial, tecnológico.
IHU On-Line - O senhor propõe uma jornada de trabalho de quatro horas diárias, três vezes por semana. Como mudar essa jornada sem reduzir salários e beneficiar o trabalhador?
Marcio Pochmann – Essa discussão na forma como apresento tem um conteúdo diferente do tradicionalmente evocado. Temos dois tipos de debate sobre a reforma da jornada de trabalho. Um é justamente aquele que propõe a redução de 44 horas para 40 ou 35 horas, como foi feito na França. Desde o século XIX, essa discussão da redução da jornada e o aumento do número de trabalhadores são diferentes daquela feita pelos trabalhadores anarco-sindicalistas, que tinham por objetivo a redução da jornada para reduzir as perdas dos trabalhadores.
O novo sindicalismo defende a redução da jornada como uma medida de ampliação do emprego, entendendo principalmente o lucro como elemento chave para propiciar mais investimentos e, conseqüentemente, elevar o nível de emprego.
Na minha proposta, a redução significativa da jornada de trabalho tem outra fundamentação. Em primeiro lugar, não há razão técnica que justifique a jornada de trabalho tão elevada como temos hoje, em função justamente da expansão da produtividade imaterial. Em segundo lugar, deve-se ao reconhecimento de que estamos numa fase em que aumenta a produtividade imaterial. Assim, estamos diante de uma produtividade gerada pelas novas possibilidades de trabalho, ou seja, fora do local de trabalho. Todos estão trabalhando muito mais. Isso faz com que as pessoas durmam com o trabalho e sonhem com ele. Todo esse esforço com a atividade produtiva imaterial está gerando uma ação brutal da riqueza. Esse trabalho imaterial beneficia apenas as grandes corporações. As 50 maiores empresas do mundo, por exemplo, têm um faturamento que é superior a cem países do mundo. Assim, vejo que a redução drástica da jornada de trabalho seria um elemento chave para compensar o desequilíbrio que estamos assistindo em termos da repartição da renda e da riqueza.
IHU On-Line - Como o senhor percebe a negociação para a aprovação da emenda constitucional que reduz a jornada de trabalho de 44 horas para 40 horas semanais? Segundo a proposta, os trabalhadores abririam mão de aprovar a ratificação pelo Brasil da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) . Essas iniciativas são vantajosas para os trabalhadores?
Marcio Pochmann – Percebo essa situação de forma positiva, já que os patrões estão se colocando como atores de uma negociação. Até agora, o tema da redução da jornada de trabalho era uma vontade dos trabalhadores e, em contrapartida, sem grande condicionamento patronal. Entretanto, ressalto que o fato dos empregadores oferecerem uma proposta é uma indicação clara de que eles estão abertos para negociação. Se cabe ou não aceitar a redução da jornada combinada com outras modalidades, como está sendo levantado agora, é uma decisão dos trabalhadores. Entretanto, cabe a eles perceber que estamos diante de uma oportunidade inédita de repensar todo o sistema trabalhista, já que esse debate propõe rever, além da jornada, as formas de contratação.
IHU On-Line – A elevação dos juros na última semana e o aumento da dívida interna brasileira trazem algum impacto para o mundo do trabalho e especificamente para os trabalhadores?
Marcio Pochmann – Todas as decisões tomadas em relação à política macroeconômica, seja fiscal ou monetária, têm implicações inegáveis no nível de emprego, nas condições de contratação e na remuneração dos trabalhadores. A elevação da taxa de juros tem implicações no âmbito dos custos daqueles que estão endividados. O aumento gasto com o pagamento de juros, em função da elevação da dívida pública, implica um volume de recursos superior ao que o governo vai gastar nesse ano com o Bolsa Família. Então, esse aumento de recursos vai diretamente para os ricos. Isso significa uma piora na distribuição da renda brasileira e um aumento nos gastos do governo. Interessante que o pensamento liberal, sempre contra o gasto do governo, não fala nada em relação aos impactos do aumento dos gastos que o governo vai ter pela simples elevação da taxa de juros.
Há questões também preocupantes com o aumento da taxa de juros, pois passamos a ter o risco de não termos a continuidade do ciclo de investimentos que temos agora, já que se torna cada vez mais interessante deixar o dinheiro no sistema financeiro do que aplicar produtivamente na economia nacional.
IHU On-Line – Como o senhor percebe a relação das centrais sindicais com o governo? O trabalhador ganha vantagens com essa parceria?
Marcio Pochmann – Essa pluralidade da cúpula sindical tem tido uma convergência em termos de ações como a defesa do salário mínimo e a elevação do reajuste da tabela do imposto de renda. Isso mostra que essa convergência na cúpula tem repercutido positivamente não apenas para os sindicatos, mas também para os trabalhadores. No que se refere à transferência de recursos para as centrais sindicais, penso que essa iniciativa seja importante. Entretanto, precisamos considerar que essa verba é inferior ao que é transferido para as entidades patronais, na medida em que elas administram o Sistema S (Sesi, Senai, Senac, Sebrae, Sesc), que apresenta uma soma estimada em torno de R$ 8 bilhões.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - http://www.unisinos.br/ihu/
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