As
manifestações e greves que as centrais sindicais preparam para a quinta-feira
11 de julho em todo o país são uma iniciativa inédita - talvez a primeira em 20
anos -, em torno de uma pauta de reivindicações definida e que surgiu através
de decisão unitária de sindicatos que, historicamente, têm posições políticas
diferentes. A ação pode ser, também, uma tentativa de revitalização dessas
instituições que, como dezenas de outras, tiveram sua representatividade
questionada pelas manifestações que tomaram as ruas do Brasil em junho.
A reportagem é de Daniela Chiaretti e publicada pelo jornal Valor,
04-07-2013.
A análise é do cientista político André Singer,
professor da Universidade de São Paulo (USP) e que foi porta-voz da Presidência
da República do governo Lula até 2007. "Isso significa uma tentativa de
oxigenação dessas instituições, que estão um pouco na berlinda e vêm sofrendo
questionamento sobre sua representatividade", disse Singer ontem, durante o segundo encontro da
série de debates "UTI Brasil", promovido pelo Instituto de
Estudos Avançados (IEA) da USP, sobre as manifestações nas ruas e suas
consequências. "Mas o caminho é revitalizar estas instituições e não
destruí-las, porque não há democracia sem elas."
Sobre as manifestações, Singer lembrou que "é a volta do
movimento de massas, que por mais de 20 anos esteve ausente das ruas
brasileiras". Questionado pelo bioquímico Hernan Chaimovich,
professor titular do Instituto de Química da USP, se o ex-presidente Lula estaria coordenando o movimento das
centrais sindicais e "olhando para 2014", Singer respondeu: "Não sei interpretar,
mas não creio que seja uma ação deliberada para se colocar em 2014". Lembrou
a queda de popularidade do governo Dilma Rousseff e de todos os chefes do Executivo,
como indicaram as pesquisas, e disse: "Estamos em um momento de certa
dificuldade econômica, mas não de recessão. Todo este movimento é tão inédito,
que não há como prever. Mas o nome do ex-presidente está colocado [para
2014]".
"Todas as instituições foram atropeladas pelas ruas",
lembrou o professor Eugênio Bucci,
da Escola de Comunicações e Artes da USP. "Não há um partido, um
sindicato, uma ONG que não tenha ficado para trás", prosseguiu Bucci, que
dirigiu a Radiobrás entre 2003 e 2007 e hoje é membro do Conselho de
Desenvolvimento Sustentável da Cidade de São Paulo.
Rodeado por colegas da universidade, Bucci falou das contradições da imprensa ao
tratar dos protestos e também da acomodação dos intelectuais. "Porque os
intelectuais se preocuparam tanto tempo em proteger o poder? A função de
problematizar, de buscar o que não é o óbvio, de criticar, que é o papel dos
intelectuais, talvez tenha sido negligenciada no Brasil nos últimos anos",
analisou.
Singer, Bucci e Matheus Nordon Preis,
estudante de Ciências Sociais da USP e representante do Movimento Passe Livre
(MPL), foram entrevistados por dez professores universitários de áreas variadas
- química, filosofia, história, letras, medicina, psicologia - em evento de
formato plural coordenado pelo professor Martin Grossmann, diretor do
instituto.
O diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
da USP, professor Sérgio Adorno,
perguntou ao representante do MPL como via a violência nas manifestações.
"Tem força? Tem significado? Do que se trata?"
"A primeira violência foi o aumento da tarifa",
argumentou o estudante. "A vida na cidade ficou mais difícil para quem
mora longe e não consegue se deslocar", prosseguiu. "O Estado tem a
violência legítima, usa a força. Mas não vejo a violência entre os
manifestantes como generalizada", rebateu.
Em outra questão, sobre a gênese da corrupção e a esperança de
combatê-la, Matheus Preis foi assertivo: "Todo mundo é contra
a corrupção, mas o MPL não assume esta bandeira. Temos pautas
muito concretas." Citou o exemplo de manifestantes na zona sul de São
Paulo, que realizaram protestos na Estrada do M'Boi Mirim,
pouco noticiadas pela imprensa. Há cinco anos, contou, a população pede a
extensão das linhas de metrô e melhorias na estrada, demandas nunca
implementadas. "A população tem reivindicações e o poder público as
conhece, mas nada foi feito neste sentido", disse Preis. "As
manifestações têm unidade na forma. Não é pelo espetáculo, mas pela ação direta
no funcionamento da cidade", explicou. "As pessoas aprenderam que,
bloqueando as ruas, têm poder sobre o funcionamento da cidade e conseguem
dialogar com o poder estabelecido."
"Justiça social e corrupção são questões de tal ordem que
não se resolvem de um dia para o outro, mas a reforma política pode
ajudar", acredita Singer. Ele lembrou que o Congresso Nacional hoje é
bastante conservador, "haja vista o que foi o processo de votação das
mudanças no Código Florestal".
Em 2012, quando o que hoje é conhecido como Novo Código Florestal foi votado, pesquisas mostraram que a
maioria da população era contra as mudanças, mas não foi o que ocorreu no
Congresso. "As propostas de preservação foram derrotadas por interesses de
ruralistas, que são legítimos, como de toda a sociedade. Mas o que há é uma
sobrerrepresentação ruralista no Congresso. E que ali prevaleceu contra o
interesse coletivo, que era da preservação", seguiu. "Mas esses são
problemas de tal ordem que não é possível resolvê-los de uma hora para a
outra."
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