quinta-feira, 4 de julho de 2013

MOVIMENTOS SOCIAIS INSPIRAM SINDICATOS

 

As manifestações e greves que as centrais sindicais preparam para a quinta-feira 11 de julho em todo o país são uma iniciativa inédita - talvez a primeira em 20 anos -, em torno de uma pauta de reivindicações definida e que surgiu através de decisão unitária de sindicatos que, historicamente, têm posições políticas diferentes. A ação pode ser, também, uma tentativa de revitalização dessas instituições que, como dezenas de outras, tiveram sua representatividade questionada pelas manifestações que tomaram as ruas do Brasil em junho.
A reportagem é de Daniela Chiaretti e publicada pelo jornal Valor, 04-07-2013.

A análise é do cientista político André Singer, professor da Universidade de São Paulo (USP) e que foi porta-voz da Presidência da República do governo Lula até 2007. "Isso significa uma tentativa de oxigenação dessas instituições, que estão um pouco na berlinda e vêm sofrendo questionamento sobre sua representatividade", disse Singer ontem, durante o segundo encontro da série de debates "UTI Brasil", promovido pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, sobre as manifestações nas ruas e suas consequências. "Mas o caminho é revitalizar estas instituições e não destruí-las, porque não há democracia sem elas."
Sobre as manifestações, Singer lembrou que "é a volta do movimento de massas, que por mais de 20 anos esteve ausente das ruas brasileiras". Questionado pelo bioquímico Hernan Chaimovich, professor titular do Instituto de Química da USP, se o ex-presidente Lula estaria coordenando o movimento das centrais sindicais e "olhando para 2014", Singer respondeu: "Não sei interpretar, mas não creio que seja uma ação deliberada para se colocar em 2014". Lembrou a queda de popularidade do governo Dilma Rousseff e de todos os chefes do Executivo, como indicaram as pesquisas, e disse: "Estamos em um momento de certa dificuldade econômica, mas não de recessão. Todo este movimento é tão inédito, que não há como prever. Mas o nome do ex-presidente está colocado [para 2014]".
"Todas as instituições foram atropeladas pelas ruas", lembrou o professor Eugênio Bucci, da Escola de Comunicações e Artes da USP. "Não há um partido, um sindicato, uma ONG que não tenha ficado para trás", prosseguiu Bucci, que dirigiu a Radiobrás entre 2003 e 2007 e hoje é membro do Conselho de Desenvolvimento Sustentável da Cidade de São Paulo.
Rodeado por colegas da universidade, Bucci falou das contradições da imprensa ao tratar dos protestos e também da acomodação dos intelectuais. "Porque os intelectuais se preocuparam tanto tempo em proteger o poder? A função de problematizar, de buscar o que não é o óbvio, de criticar, que é o papel dos intelectuais, talvez tenha sido negligenciada no Brasil nos últimos anos", analisou.
Singer, Bucci e Matheus Nordon Preis, estudante de Ciências Sociais da USP e representante do Movimento Passe Livre (MPL), foram entrevistados por dez professores universitários de áreas variadas - química, filosofia, história, letras, medicina, psicologia - em evento de formato plural coordenado pelo professor Martin Grossmann, diretor do instituto.
O diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, professor Sérgio Adorno, perguntou ao representante do MPL como via a violência nas manifestações. "Tem força? Tem significado? Do que se trata?"
"A primeira violência foi o aumento da tarifa", argumentou o estudante. "A vida na cidade ficou mais difícil para quem mora longe e não consegue se deslocar", prosseguiu. "O Estado tem a violência legítima, usa a força. Mas não vejo a violência entre os manifestantes como generalizada", rebateu.
Em outra questão, sobre a gênese da corrupção e a esperança de combatê-la, Matheus Preis foi assertivo: "Todo mundo é contra a corrupção, mas o MPL não assume esta bandeira. Temos pautas muito concretas." Citou o exemplo de manifestantes na zona sul de São Paulo, que realizaram protestos na Estrada do M'Boi Mirim, pouco noticiadas pela imprensa. Há cinco anos, contou, a população pede a extensão das linhas de metrô e melhorias na estrada, demandas nunca implementadas. "A população tem reivindicações e o poder público as conhece, mas nada foi feito neste sentido", disse Preis. "As manifestações têm unidade na forma. Não é pelo espetáculo, mas pela ação direta no funcionamento da cidade", explicou. "As pessoas aprenderam que, bloqueando as ruas, têm poder sobre o funcionamento da cidade e conseguem dialogar com o poder estabelecido."
"Justiça social e corrupção são questões de tal ordem que não se resolvem de um dia para o outro, mas a reforma política pode ajudar", acredita Singer. Ele lembrou que o Congresso Nacional hoje é bastante conservador, "haja vista o que foi o processo de votação das mudanças no Código Florestal". Em 2012, quando o que hoje é conhecido como Novo Código Florestal foi votado, pesquisas mostraram que a maioria da população era contra as mudanças, mas não foi o que ocorreu no Congresso. "As propostas de preservação foram derrotadas por interesses de ruralistas, que são legítimos, como de toda a sociedade. Mas o que há é uma sobrerrepresentação ruralista no Congresso. E que ali prevaleceu contra o interesse coletivo, que era da preservação", seguiu. "Mas esses são problemas de tal ordem que não é possível resolvê-los de uma hora para a outra."


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