sábado, 23 de fevereiro de 2008

Convenção 158: conquista ou engano?

Escrito por Henrique Júdice
22-Fev-2008

Por ato do presidente Lula, o Brasil assinou, nesta semana, a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Ela proíbe que um trabalhador seja demitido sem motivo razoável relacionado à sua conduta, a sua capacidade profissional ou a necessidades estruturais da empresa. É mais flexível que o antigo regime de indenização e estabilidade instituído por Getúlio Vargas e abolido pelo regime de 64, mas é um enorme avanço comparado à atual legislação brasileira, pela qual o trabalhador pode ser demitido por qualquer motivo ou sem motivo algum.
Além de proibir a demissão injustificada, a convenção estabelece algumas causas que não podem ser consideradas justas: atuação sindical, cor, religião, opiniões, gravidez ou situação familiar. Proíbe também que um trabalhador seja demitido por ter entrado na justiça contra a empresa ou por faltar ao serviço quando doente. Boa parte dessas proibições já está na lei brasileira. O que a convenção traz de novo é a possibilidade de elas efetivamente valerem.
Hoje, a empresa não pode, por exemplo, demitir um empregado por tê-la processado, mas pode demiti-lo sem apresentar o motivo. Na prática, isto significa que a empresa demite quem quiser e por qualquer razão, bastando não indicá-la quando se tratar de razão proibida por lei. Ao proibir a demissão imotivada, a Convenção 158 fecha esta porta.
Além disso, ela assegura que todo empregado demitido terá direito de recorrer à justiça contra a demissão. Se a empresa não provar que a causa apontada realmente ocorreu e que é justa, será condenada a reintegrá-lo. Nos casos de demissão em massa ("corte de pessoal", na linguagem dos gerentes) por alegada necessidade econômica da empresa, a justiça poderá examinar se essa necessidade realmente existe e se a dispensa de trabalhadores é de fato necessária. Se concluir que não é o caso, poderá, igualmente, reintegrar os demitidos.
No entanto, nenhuma dessas conquistas valerá sem luta. A assinatura da Convenção 158 pelo governo é apenas o primeiro passo de uma duríssima batalha.
Para valer, a convenção tem que ser aprovada pelo Congresso, o que pode levar anos ou simplesmente não ocorrer. Se aprovada, ela volta ao presidente, que poderá sancioná-la (ou seja, transformá-la em lei), vetá-la (caso em que ela volta ao Congresso) ou simplesmente deixá-la mais alguns anos na gaveta. Mesmo sancionada, sua aplicação dependerá da justiça.
Esta não é, na realidade, a primeira vez que o Brasil adere à Convenção 158. Ela já havia sido assinada anteriormente, tendo sido aprovada pelo Congresso em 1992 e sancionada em 96. No entanto, nunca chegou a vigorar porque o Judiciário – fazendo, como de costume e com as honrosas exceções de sempre, o jogo do grande capital - a declarou incompatível com a Constituição em virtude de um detalhe técnico: os tratados internacionais têm, no Brasil, status de lei ordinária, ao passo que a Constituição prevê que a proteção ao trabalhador contra a demissão imotivada seria regulada em lei complementar. Finalmente, FHC revogou, em 1997, a adesão do Brasil à Convenção 158. Os juízes, em sua maioria, aceitaram a revogação, isto apesar de a própria convenção prever que os países signatários só poderiam abandoná-la após 10 anos da adesão e de a Constituição não conferir ao Executivo o poder de revogar leis, que cabe ao Congresso, e que, para variar, se calou.
Não seria de se esperar, face à índole do Estado brasileiro - nem em 1997, nem agora - comportamento muito diferente por parte de seus Poderes. No entanto, é inevitável pensar que, se as cúpulas sindicais brasileiras fossem menos obtusas e tivessem, na época, mobilizado os trabalhadores para defender a Convenção 158 e outras conquistas, o Brasil talvez não fosse hoje esse paraíso da super-exploração e da rotatividade de mão-de-obra.
Os sindicatos brasileiros têm a sorte histórica de ter na presidência da República um homem que, tendo neles sua origem, tem também todos os seus defeitos, mas é razoavelmente sensível a suas demandas. O fato de o Brasil subscrever a Convenção 158 é uma enorme vitória - sobretudo simbólica, na medida em que se contrapõe a sua criminosa revogação pelo governo anterior. Mas de vitórias simbólicas os trabalhadores brasileiros já estão cheios - a começar pela própria eleição de Lula. Já passou da hora de experimentar também vitórias reais.
O comportamento do Congresso e do Judiciário dependerá, sobretudo, da pressão que recebam das ruas. Ela determinará o caráter de que essa nova assinatura da Convenção 158 se revestirá para os trabalhadores brasileiros: uma grande conquista ou um grande engano.

Henrique Júdice Magalhães é jornalista, ex-servidor do INSS e pesquisador independente em Seguridade Social. Porto Alegre (RS). E-mail: henriquejm@gmail.com
Em: http://www.correiocidadania.com.br/content/view/1460/115/

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