sábado, 5 de julho de 2008

Perseguição aos movimentos sociais é a contrapartida da adesão ao agronegócio


Escrito por Gabriel Brito e Valéria Nader

Fone: Correio da Cidadania

02-Jul-2008


Com o recrudescimento da violência aos movimentos sociais e as articulações para criminalizá-los - fatos nacionalmente vistos no Rio Grande do Sul através da descoberta do plano do Ministério Público gaúcho para tentar dissolver o MST local -, o Correio da Cidadania conversou com Cedenir de Oliveira, dirigente do movimento exatamente no estado em questão.
Na busca de se analisar a situação relacionando-a com o plano nacional, Cedenir afirma que tais conflitos são inevitáveis, pois opõem distintas maneiras de se promover o desenvolvimento da agricultura, o que gera tensões cada vez mais crescentes. De acordo com o membro do diretório nacional do movimento, o governo fez a opção de se alinhar às grandes empresas multinacionais do setor, o que impossibilita uma política eficiente de assentamentos e, consequentemente, força ainda mais os trabalhadores a exigirem uma mudança no modelo político e econômico.

A entrevista completa pode ser conferida a seguir.


Correio da Cidadania: Primeiramente, como você definiria as recentes atitudes tomadas pelo governo gaúcho, e suas respectivas instituições, contra o MST?

Cedenir de Oliveira: O que temos visto aqui no Rio Grande do Sul é uma das maiores articulações político-econômico-militares após a ditadura, no intuito de desmobilizar e desmembrar as organizações sociais que lutam e questionam esse modelo que está sendo implementado no estado.
Num primeiro momento, achávamos que era somente uma posição política do governo do estado e do comando da brigada militar. Porém, os últimos dias revelaram uma grande articulação política e ideológica instalada no estado para atender aos interesses do capital internacional.

CC: A situação agravada no RS poderia ser vista como um caso mais isolado ou reflete uma forte tendência no sentido de se buscar criminalizar cada vez mais os movimentos sociais no Brasil?

CO: O que vem ocorrendo, em nível nacional, é que nosso processo de luta pela terra cada vez mais ocorre através do enfrentamento com as grandes empresas. Pela forma como foi organizada, é claro que no RS houve uma maior visibilidade, mas não podemos negar que o problema da terra, da disputa do território e da reforma agrária é nacional.


CC: E qual o grau de atuação das empresas estrangeiras na questão?

CO: A verdade é que, ao se avaliar o relatório de quando começaram as reuniões para montar os dossiês, vemos que tais encontros se relacionam muito com as datas e períodos em que se estabelece um processo de luta mais intenso com as empresas aqui no RS.

Para que se tenha uma idéia, a metade sul do estado, que era uma potencial área a ser destinada para assentamentos, já está sendo toda entregue às empresas de celulose para produção de eucalipto, tanto que há uma empresa multinacional, a Stora Enzo, que comprou ilegalmente terras para produção na área de fronteira. Ou seja, quando essas empresas cometem um crime, o que ocorre é um movimento para se reduzir a área de fronteira, e não para punir essas empresas, que cometem atrocidades contra o bioma dos pampas aqui em nosso estado.

CC: Qual a situação das famílias acampadas e como anda o processo de assentamento das famílias gaúchas?

CO: Nos últimos cinco anos, assentamos apenas 850 famílias, sendo que em nenhuma dessas áreas isso se deu por desapropriação, mas sim através de negociações com os proprietários.

É um processo muito lento, temos hoje algo em torno de 2.500 famílias acampadas, das quais muitas se encontram há 5, 6 anos vivendo em barracos. Por outro lado, vemos um movimento onde, em vez de se buscar destinar essas terras para reforma agrária, produção de alimentos, diversificação da propriedade, geração de emprego, renda e desenvolvimento regional, se articula para realizar um processo contrário: produzir matéria-prima para exportação.

CC: Como o movimento encara a omissão do governo Lula em relação aos recentes acontecimentos no RS e à repressão ao movimento?
CO: Temos de compreender que o problema que ocorre aqui está atrelado ao modelo de desenvolvimento implantado em nosso país, sobretudo na agricultura. Houve uma adesão ao agronegócio e percebemos que não existe compatibilidade entre um modelo e outro, entre o agronegócio e a reforma agrária. São dois modelos de desenvolvimento da agricultura que evidentemente se confrontam. E a partir do momento em que se adere ao agronegócio, a reforma agrária vai ficar aquém das necessidades, em número de assentamentos ou de áreas desapropriadas, não somente no RS, mas em todo país.

CC: O MST pretende endurecer sua postura e realizar algum tipo de enfrentamento com o governo federal ou a situação será conduzida de outra forma?

CO: Nosso movimento, ao longo de seus 25 anos, mantém sua autonomia, que se manifesta através da pressão sobre os governos estaduais e federal, independentemente de qual força política esteja no governo.

Portanto, nossa autonomia política permanece a mesma e sem dúvida alguma continuaremos fazendo mobilizações e ocupações de terras em massa, a fim de pressionar o governo a fazer a reforma agrária no país.

CC: Você não teme que dessa maneira o movimento fique mais distante do atual governo e se veja numa situação mais complicada para atuar, ou seria essa justamente a estratégia a ser buscada agora?
CO: Acho que nossa tarefa não se trata de sermos contra ou a favor de determinado governo. Nosso papel, enquanto movimento social, é o de pressionar e denunciar o que não está ocorrendo. Se nos omitirmos em fazer isso, não cumpriríamos com a luta primordial que entendemos encampar.
O MST nasceu e se constituiu como movimento de luta; portanto, essa luta não poderá deixar de acontecer em função de algum governo que eventualmente esteja no poder. Nossa tarefa como movimento é continuar pressionando e fazendo mobilizações em favor da reforma agrária no país.

CC: O que você tem a dizer sobre as acusações feitas e tornadas públicas pelo Ministério Público gaúcho, a respeito das atuações e métodos do movimento?

CO: As acusações são infundadas, inverídicas e revelam o teor político-ideológico desses procuradores. Nenhuma das acusações procede. A sociedade gaúcha e brasileira, conhecendo nossos assentamentos e escolas, sabe que somos um movimento que ao longo desses anos teve total transparência em sua trajetória.

O problema é que muitas vezes os procuradores não conhecem a realidade, a própria mídia não conhece os assentamentos, nossas escolas e acampamentos. Então, aquilo que tanto falam a respeito do MST pode acabar parecendo verdade.

De toda forma, estamos aqui abertos para demonstrar na prática que a reforma agrária pode dar certo neste país.

CC: Em relação à truculência e métodos utilizados pelas autoridades nos despejos e no tratamento para com as pessoas acampadas, qual a sua opinião?

CO: Podemos afirmar que a brigada militar tem se comportado muito violentamente, não só com o MST, mas também com outras organizações e movimentos que passam por um processo de mobilização.

Fizemos uma denúncia na Comissão dos Direitos Humanos do Senado revelando que a truculência para com os movimentos sociais não se dá somente com o MST. Só aqui, no sul, temos casos de assassinatos de companheiros sapateiros, repressão ao movimento dos professores, dos metalúrgicos e também à Via Campesina.

Portanto, o processo de repressão aos movimentos sociais no RS pela brigada militar não ocorre somente conosco, mas com todo e qualquer movimento que ouse se posicionar contrariamente a este projeto político que está sendo implementado no estado.

CC: Que articulações o movimento tem feito na sociedade organizada para se defender desses ataques e angariar um maior apoio público?

CO: Nesse último período, temos procurado estabelecer um diálogo maior com as demais organizações, recebemos muitas manifestações de solidariedade, inclusive internacionais, e temos tentado utilizar todos os mecanismos possíveis para que se leve à sociedade as verdadeiras informações sobre o MST, nossa luta e o que acontece aqui no RS, que é uma perseguição político-ideológica, pois nos posicionamos contrariamente ao modelo aplicado.

Por conta de tudo isso, onde encontramos espaço para dialogar, apresentar nossas idéias e conclusões, nossas propostas têm sido aceitas.

CC: Você mencionou acima que, no âmbito nacional, o processo de luta pela terra ocorre cada vez mais através do enfrentamento com as grandes empresas. Nesse sentido, como você analisaria o atual momento de lutas e tensões vividas pelo MST, houve uma reversão na prioridade anteriormente dada às ocupações de terra na luta contra o latifúndio improdutivo?

CO: O que se apresenta é um período de bastante enfrentamento e disputa. A reforma agrária tem frequentemente saído da pauta do desenvolvimento e temos permanecido firmes em nossas posturas, reafirmando que ela é um instrumento de desenvolvimento de nossa sociedade. O que a impede de se realizar é o atual modelo que vem sendo implementado.
Portanto, é uma disputa grande e temos ciência de que hoje não se pode fazer apenas o enfrentamento com o latifúndio improdutivo, mas também com essas grandes empresas que estão se apropriando de nossas terras e riquezas para produzir matéria-prima para os países centrais.


CC: Na medida em que você faz sempre questão de frisar que os acontecimentos do RS estão atrelados ao modelo de desenvolvimento implantado em nosso país, sobretudo na agricultura, com adesão ao agronegócio, não é lógica a conclusão de que o governo Lula não deu andamento à política de reforma agrária em nosso país?

CO: O que ocorre no Brasil, não somente no governo Lula, é que não existe realmente uma política de reforma agrária para o país. O que há são políticas de assentamentos em determinadas regiões para resolver algum conflito estabelecido pelos trabalhadores.

Em nosso país, nunca tivemos nenhum programa efetivo de distribuição de terra, no qual se enfrente de uma vez por todas a sua concentração. Isso simplesmente não ocorre, são somente políticas de assentamento. As desapropriações têm diminuído e o que acontece são somente negócios com fazendeiros.

Portanto, em nosso país, podemos afirmar que foi feita a opção pelas grandes empresas no desenvolvimento da agricultura. E o que temos visto, cada vez mais, além da internacionalmente notória falta de alimentos, é o desemprego e problemas ambientais cada vez maiores.

Já denunciamos há muito tempo que esse modelo, que não gera emprego, serve somente para agredir o meio ambiente e produzir matéria-prima para o capital internacional. Não tem nenhum compromisso com as comunidades locais, com o desenvolvimento regional e muito menos com o meio ambiente.

CC: Além do RS, que outros pontos do país podem ser tidos como em ebulição?

CO: Podemos verificar alguns estados nos quais historicamente o conflito está mais avançado e os dados da CPT têm nos trazido informações sobre onde está mais iminente.

No Paraná, houve dois assassinatos nos últimos meses; no Pará, ainda permanece um grau de violência e impunidade muito grandes, tanto que os mandantes do crime da Irmã Dorothy foram libertos; no Nordeste, há uma tendência de aumento nos conflitos, sobretudo em Pernambuco e Alagoas.
Portanto, nada nos parece isolado. Onde há essa contradição entre o capital internacional e as organizações existe uma tendência natural de enfrentamento.


CC: Podemos temer, portanto, pelo aumento da violência aos movimentos sociais nos próximos meses?

CO: O que vem ocorrendo é o aumento dessa violência por parte dos proprietários e das grandes empresas, articulados com as respectivas polícias de cada estado. O que vimos aqui no RS nos últimos três anos é de um grau de violência jamais visto na história do MST e das organizações sociais. É comparável ao tempo da ditadura militar.

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