Fonte: O POVO
Dalviane Pires da Redação
De longe, a crise do sistema financeiro norte-americano, agravada ao longo da semana, é acompanhada com curiosidade. Por mais que se especule, não existe uma definição certeira e imutável sobre o rumo que a economia da maior potência mundial irá tomar - e com ela as economias do resto do mundo. Nos corredores universitários, a temática ganha força nas teorias do filósofo alemão Karl Marx. Alguns falam sério ao argumentar uma suposta "ruptura do capitalismo", sistema extremamente criticado por Marx. Para entender de que forma o mundo vai se comportar durante e após essa crise, O POVO conversou com Aécio Alves de Oliveira, coordenador do curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Ceará (UFC) e professor de Pensamento Econômico Marxista.
O POVO - Já tem gente falando em "ruptura do capitalismo". Como Karl Mark ressurge nesse momento?
Aécio Oliveira - Marx já fazia referência à idéia de capital fictício. Hoje, a gente fala em capital virtual. Na verdade, é uma circunstância na qual os rentistas (investidores, agiotas) procuravam valorizar o dinheiro que possuíam a partir do próprio dinheiro. Dentro da lógica do sistema capitalista, que se volta para o lucro, para o dinheiro. A finalidade do sistema é produzir dinheiro em uma escala em uma escala sempre aumentada e quanto mais rápido, melhor. Uma valorização acelerada. Quando se monta uma fábrica, por exemplo, lucrar leva tempo, enquanto de forma especulativa, como acontece hoje, é mais rápido. O sistema financeiro foi tomando corpo, sendo que antes havia um equilíbrio entre o capital bancário e o industrial. Os bancos já emprestavam, mas havia um equilíbrio. Com a evolução dos bancos, corretoras, seguradoras, os próprios financistas (investidores) passam a ter uma interferência maior, passando a controlar várias empresas através de ações. Daí, o capital financeiro vai ganhando mais importância do que o produtivo. A criatividade dos financistas leva ao surgimento de vários produtos financeiros, como seguros, previdência, poupanças.
OP - É aí que fica evidente o domínio financeiro americana?
Oliveira - Alguns autores tratam o momento como sendo de dominância financeira ou financeirização da economia, onde o financeiro torna-se mais importante do que a produção. Daí surge a governança financeira, com total atenção aos acionistas. Tudo para que eles pensem que as empresas estão em um processo de valorização permanente. É uma espécie de ilusão para que o mercado fique sempre em movimento, frenético. A gente sabe que a ficção que está por trás disso não se segura por muito tempo. Marx falava que no capitalismo tudo o que é sólido se desmancha. O Lehman Brothers (quarto maior banco dos EUA que pediu concordata agravando a crise americana) aos 180 anos, quem poderia imaginar que o sólido iria se desmanchar?
OP - E como o senhor vê a intervenção do estado norte-americano na crise ao injetar dinheiro em algumas instituições? Seria uma estatização?
Oliveira - Sim! É exatamente uma estatização do sistema financeiro. Eles falam que se não fizerem isso vai ser pior. E a gente não pergunta: pior para quem? Quem vai pagar essa conta? A sociedade. O que há é uma farra com o dinheiro público para salvar o sistema. Estamos diante do quê? A primeira observação é quanto à fragilidade do sistema. Há uma espécie de terrorismo para salvaguardar o sistema. É dinheiro para salvar o sistema que produz dinheiro.
OP - Mas outras economias também dependem do bem-estar dos EUA...
Oliveira - Os EUA criam problemas para outros países que vão ser afetados na medida que os EUA vão comprar menos. Haverá um freio, vão comprar menos petróleo. Até o caráter especulativo em cima do petróleo está caindo.
OP - Mas é possível falar em "ruptura do capitalismo"?
Oliveira - Ruptura é uma palavra muito forte. Vamos passar por um processo de reestruturação da economia capitalista. De redefinições. É um momento interessante na percepção da necessidade da diversificação de mercados, de não depender tanto dos outros.
OP - E a conseqüência dessa crise pode fazer com que os EUA percam um pouco essa dimensão de império?
Oliveira - É possível, sim, que no futuro não se veja os EUA como essa potência que é agora. É possível que o cenário aponte cada vez mais para a formação de blocos, como é o caso da União Européia. Seria uma espécie de regionalização da economia. Mas como os EUA vão reagir ainda é uma grande interrogação.
OP - O mundo tende a ficar economicamente mais homogêneo?
Oliveira - Não homogêneo, mas talvez menos desigual.
OP - É possível fazer uma relação com a crise de 29 (iniciada com uma crise de superprodução onde os preços dos papéis na Bolsa de Nova York, um dos maiores centros capitalistas da época, despencaram)?
Oliveira - Sim. A crise de 29 foi uma exuberância. A ficção pintou e bordou. Em 29, houve uma grande queda nas bolsas. Agora, nos EUA está havendo também uma certa deflação. Quando junta papéis saindo e preços caindo, isso é o que chamamos de recuo de demanda, de compra. Um bom combustível para a estagnação. Em 29, não havia salvaguardas e diagnosticaram que era fundamental o estado interferir na economia, como também acontece agora. Do ponto de vista estrutural, o sistema de produção em massa exigia também consumo em massa. Eles produziam muito para depois vender, depois viram que era importante vender para depois produzir e evitar uma nova crise.
OP - E como os EUA reagiram na época?
Oliveira - Se reergueram por causa da guerra (Segunda Guerra Mundial). A guerra proporciou um crescimento de quase 30 anos no capitalismo americano.
OP - Mas os EUA ainda têm uma força bélica incrível...
Oliveira - Sim, o poderio bélico dos EUA é inquestionável. O complexo industrial militar é fortíssimo e envolve muita gente. Na pior da hipóteses, os EUA ainda têm essa força produtiva...é aquela coisa do destruir o capital ou ser destruído pelo capital.
Nenhum comentário:
Postar um comentário