Fonte: Vermelho
Eclodiu uma crise sistêmica no capitalismo “global” desregulado. A importância das organizações afetadas, a quebra e centralização de capitais no sistema financeiro - Bank of America + Merril Lynch - bem como as características das ações dos bancos centrais são demonstrações suficientes. Quanto a essas, sobretudo as do FED, o “big bank” Americano e as do Tesouro não deixam dúvida de que eles viram a máscara feia do risco sistêmico.
Por José Carlos Braga, para o Valor Econômico*
As evidências sucedem-se: magnitude de recursos oficiais mobilizados, novidades intervencionistas, tipos de instituições apoiadas, número de países importantes envolvidos, afundamento dos cânones da desregulamentação, suprimentos de liquidez, apoios financeiros e reduções de taxa de juros.
O mundo vive há 38 anos, desde o início dos 1970, sem o dólar-ouro, com câmbio flexível e reformas liberalizantes, sob um padrão sistêmico de riqueza, em que ocorre a dominância financeira, o capitalismo liderado pelas finanças. Já é um período maior do que os chamados “gloriosos 30 anos” posteriores à 2ª Guerra do século 20. Nesses 38 anos, instabilidades e crises ocorreram. Porém, nenhuma se tornou profunda e “global”. Agora sim. Os processos que têm sustentado os movimentos financeiros de valorização da riqueza emperram e produzem internacionalmente uma tendência à desvalorização da riqueza de duração indeterminada.
A esse ponto se chegou com a globalização financeira e o movimento de financeirização do capitalismo pelo qual a riqueza de papel se multiplica relativamente independente da valorização dos ativos produtivos, das variáveis reais. Nestas páginas do Valor, já escrevi que é um processo em que todos os atores estão envolvidos, até a corporação produtiva que incorporou a meta financeira em seus objetivos. Preponderam as operações privadas em altos níveis de alavancagem e os bancos centrais e tesouros que viraram reféns dessa dinâmica. Na alta da especulação vale o mercado e na baixa vale o socorro do Estado. Assim tem sido em todas as turbulências que ocorreram nesses 38 anos.
Lembremos que o ambiente regulatório inspira-se nos Acordos da Basiléia composto por índices de capital em relação aos ativos, segundo tipos de riscos, por agências de classificação de risco, por modelos de auto-gestão “armados” pelos grandes “players” bancários, pela supervisão “à distância” por parte dos bancos centrais, e pela suposta disciplina de mercado na prática da transparência das informações etc.
Os bancos centrais deixaram solta a capacidade do sistema em criar riqueza fictícia em escala “global” e com significativa participação direta e indireta dos bancos-via organizações paralelas que criaram. Essas organizações “especiais”, os instrumentos financeiros exóticos, as práticas correspondentes ficaram conhecidas, sabem os “entendidos”, como “sistema financeiro sombra” – shadow financial system. Um mundo de capital fictício a operar, fora dos balanços dos bancos, fora da vista das autoridades reguladoras e monetárias, em auto-expansão descontrolada.
O ex-presidente do FED,Paul Volcker, no The Economic Club of New York em 8 de Abril de 2008, comentou: “Hoje, muito da intermediação financeira verifica-se em mercados distantes da capacidade supervisora podendo implicar descuidos, tudo envolvido em desconhecidos instrumentos derivativos estimados em trilhões. Tem sido um negócio altamente lucrativo, indicando a contabilidade financeira recente algo como 35 a 40 por cento de todos os lucros corporativos”.
Quando inicia a desvalorização aparece o Banco Central que se torna ativo em vez de omisso. É o que temos assistido em suas operações como prestamista de última instância – até mesmo para bancos de investimento, o que não é de sua competência – e “market maker” - quando assegura liquidez diante de um mercado travado. Aceita títulos sem compradores e os troca por títulos do Tesouro que podem em seguida ser transformados em dinheiro.
Ainda assim a crise persiste e há os que acreditam que ela poderá aprofundar-se severamente. A rigor, ninguém sabe o quanto, pois uma das facetas do momento é justamente a sombra sobre as informações relevantes! Mesmo que daqui a 12/18 meses - número “mágico” citado por muitos - ou até em menos tempo - o pior já tenha passado a pergunta relevante é a seguinte: terá começado um processo profundo de redefinição da regulação do sistema ? Ou apenas mudanças paliativas ocorrerão e o padrão persistirá o mesmo?
As reformas necessárias demandam limites à concorrência financeira que está na raiz da multiplicação dessa riqueza de papel. Requerem a criação de disciplina financeira internacional. Isso implica impor limites a muito do que aparecia como virtude: auto-regulação dos atores e mercados financeiros, securitização, derivativos, altos níveis de alavancagem, organizações como supermercados financeiros, permissividade quanto às inovações financeiras etc.
Os bancos centrais e os governos fizeram e farão o que for necessário para salvar suas economias capitalistas em crise sistêmica. Quanto a estabelecer um Capitalismo Regulado já é uma outra conversa difícil, tensa, de duração indeterminada e talvez inconclusa. Foi Paul Volcker que já antecipou no evento antes mencionado:“Ninguém se beneficiará de uma regulação e supervisão que seja indevidamente intrusa e arbitrária. “Venture capital” e “equity funds” têm sido duas partes vitoriosas, criativas e valorosas do mercado de capitais Americano. Por sua natureza elas são dependentes de fortes e sofisticados investidores, portanto implicações sistêmicas de determinados fundos é improvável. Consequentemente o caso seja de um apoio oficial de liquidez seja de uma regulação direta intrusa é insustentável ”.
Adverte-se em vão há muito tempo sobre a necessidade de uma nova arquitetura financeira e monetária internacional. Sem uma verdadeira reforma o cenário é de recorrente ameaça do risco sistêmico e os conseqüentes ônus econômicos e sociais. Problemático nó histórico: desarranjo sob o capitalismo desregulado e capitalismo regulado como miragem.
Eclodiu uma crise sistêmica no capitalismo “global” desregulado. A importância das organizações afetadas, a quebra e centralização de capitais no sistema financeiro - Bank of America + Merril Lynch - bem como as características das ações dos bancos centrais são demonstrações suficientes. Quanto a essas, sobretudo as do FED, o “big bank” Americano e as do Tesouro não deixam dúvida de que eles viram a máscara feia do risco sistêmico.
Por José Carlos Braga, para o Valor Econômico*
As evidências sucedem-se: magnitude de recursos oficiais mobilizados, novidades intervencionistas, tipos de instituições apoiadas, número de países importantes envolvidos, afundamento dos cânones da desregulamentação, suprimentos de liquidez, apoios financeiros e reduções de taxa de juros.
O mundo vive há 38 anos, desde o início dos 1970, sem o dólar-ouro, com câmbio flexível e reformas liberalizantes, sob um padrão sistêmico de riqueza, em que ocorre a dominância financeira, o capitalismo liderado pelas finanças. Já é um período maior do que os chamados “gloriosos 30 anos” posteriores à 2ª Guerra do século 20. Nesses 38 anos, instabilidades e crises ocorreram. Porém, nenhuma se tornou profunda e “global”. Agora sim. Os processos que têm sustentado os movimentos financeiros de valorização da riqueza emperram e produzem internacionalmente uma tendência à desvalorização da riqueza de duração indeterminada.
A esse ponto se chegou com a globalização financeira e o movimento de financeirização do capitalismo pelo qual a riqueza de papel se multiplica relativamente independente da valorização dos ativos produtivos, das variáveis reais. Nestas páginas do Valor, já escrevi que é um processo em que todos os atores estão envolvidos, até a corporação produtiva que incorporou a meta financeira em seus objetivos. Preponderam as operações privadas em altos níveis de alavancagem e os bancos centrais e tesouros que viraram reféns dessa dinâmica. Na alta da especulação vale o mercado e na baixa vale o socorro do Estado. Assim tem sido em todas as turbulências que ocorreram nesses 38 anos.
Lembremos que o ambiente regulatório inspira-se nos Acordos da Basiléia composto por índices de capital em relação aos ativos, segundo tipos de riscos, por agências de classificação de risco, por modelos de auto-gestão “armados” pelos grandes “players” bancários, pela supervisão “à distância” por parte dos bancos centrais, e pela suposta disciplina de mercado na prática da transparência das informações etc.
Os bancos centrais deixaram solta a capacidade do sistema em criar riqueza fictícia em escala “global” e com significativa participação direta e indireta dos bancos-via organizações paralelas que criaram. Essas organizações “especiais”, os instrumentos financeiros exóticos, as práticas correspondentes ficaram conhecidas, sabem os “entendidos”, como “sistema financeiro sombra” – shadow financial system. Um mundo de capital fictício a operar, fora dos balanços dos bancos, fora da vista das autoridades reguladoras e monetárias, em auto-expansão descontrolada.
O ex-presidente do FED,Paul Volcker, no The Economic Club of New York em 8 de Abril de 2008, comentou: “Hoje, muito da intermediação financeira verifica-se em mercados distantes da capacidade supervisora podendo implicar descuidos, tudo envolvido em desconhecidos instrumentos derivativos estimados em trilhões. Tem sido um negócio altamente lucrativo, indicando a contabilidade financeira recente algo como 35 a 40 por cento de todos os lucros corporativos”.
Quando inicia a desvalorização aparece o Banco Central que se torna ativo em vez de omisso. É o que temos assistido em suas operações como prestamista de última instância – até mesmo para bancos de investimento, o que não é de sua competência – e “market maker” - quando assegura liquidez diante de um mercado travado. Aceita títulos sem compradores e os troca por títulos do Tesouro que podem em seguida ser transformados em dinheiro.
Ainda assim a crise persiste e há os que acreditam que ela poderá aprofundar-se severamente. A rigor, ninguém sabe o quanto, pois uma das facetas do momento é justamente a sombra sobre as informações relevantes! Mesmo que daqui a 12/18 meses - número “mágico” citado por muitos - ou até em menos tempo - o pior já tenha passado a pergunta relevante é a seguinte: terá começado um processo profundo de redefinição da regulação do sistema ? Ou apenas mudanças paliativas ocorrerão e o padrão persistirá o mesmo?
As reformas necessárias demandam limites à concorrência financeira que está na raiz da multiplicação dessa riqueza de papel. Requerem a criação de disciplina financeira internacional. Isso implica impor limites a muito do que aparecia como virtude: auto-regulação dos atores e mercados financeiros, securitização, derivativos, altos níveis de alavancagem, organizações como supermercados financeiros, permissividade quanto às inovações financeiras etc.
Os bancos centrais e os governos fizeram e farão o que for necessário para salvar suas economias capitalistas em crise sistêmica. Quanto a estabelecer um Capitalismo Regulado já é uma outra conversa difícil, tensa, de duração indeterminada e talvez inconclusa. Foi Paul Volcker que já antecipou no evento antes mencionado:“Ninguém se beneficiará de uma regulação e supervisão que seja indevidamente intrusa e arbitrária. “Venture capital” e “equity funds” têm sido duas partes vitoriosas, criativas e valorosas do mercado de capitais Americano. Por sua natureza elas são dependentes de fortes e sofisticados investidores, portanto implicações sistêmicas de determinados fundos é improvável. Consequentemente o caso seja de um apoio oficial de liquidez seja de uma regulação direta intrusa é insustentável ”.
Adverte-se em vão há muito tempo sobre a necessidade de uma nova arquitetura financeira e monetária internacional. Sem uma verdadeira reforma o cenário é de recorrente ameaça do risco sistêmico e os conseqüentes ônus econômicos e sociais. Problemático nó histórico: desarranjo sob o capitalismo desregulado e capitalismo regulado como miragem.
* José Carlos Braga é professor Livre Docente do Instituto de Economia da Unicamp e autor do livro “Temporalidade da Riqueza-teoria da dinâmica e financeirização do capitalismo.” (Editora IE/UNICAMP, 2000).
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