terça-feira, 26 de agosto de 2008

Justiça condena Veracel Celulose por desmatar 96 mil hectares de Mata Atlântica


por Michelle Amaral da Silva
Ibama e o órgão ambiental estadual também são punidos por liberarem indevidamente plantios de eucalipto
21/08/2008
Luciana Silvestre, de Eunápolis (BA)

“Apenas agora, quinze anos depois, estamos vendo o resultado das primeiras denúncias que fizemos contra a Veracel. Ficou comprovado que aquele processo de implantação sem os estudos necessários foi ilegal”, diz o padre José Koopmans

Em uma decisão inédita, a Justiça Federal da cidade de Eunápolis (BA) condenou a Veracel Celulose e os órgãos ambientais de âmbito estadual e federal – o Centro de Recursos Ambientais (CRA) e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) – pelo desmatamento da Mata Atlântica. Pela ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF), a empresa terá que restaurar, com vegetação nativa, todas as suas áreas compreendidas nas licenças de plantio de eucalipto liberadas entre 1993 e 1996. As áreas ficam no extremo sul da Bahia.
Isso significa que uma extensão de 96 mil hectares, coberta por eucaliptos, deverá ser reflorestada por árvores da Mata Atlântica – um dos biomas mais diversos do planeta e, ao mesmo tempo, mais ameaçados do mundo. A Veracel também foi condenada a pagar uma multa de R$ 20 milhões pelo desmatamento da Mata Atlântica, com tratores e correntão, nos seus primeiros anos de funcionamento (1991-1993).
O Ibama e o CRA foram condenados por concederem, indevidamente, autorizações para a Veracruz implantar os plantios de eucalipto. O Ibama terá que apresentar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) para licenciamento da Veracel. Já o CRA precisará pagar 10% do total da multa.
Para o padre José Koopmans, de Teixeira de Freitas (BA), que acompanhou todo o processo de implantação da empresa no extremo sul do Estado, a sentença da Justiça foi uma vitória. “Apenas agora, quinze anos depois, estamos vendo o resultado das primeiras denúncias que fizemos contra a Veracel. Ficou comprovado que aquele processo de implantação sem os estudos necessários foi ilegal”.
Padre José reitera que, passados tantos anos, o que ficou para a região foi uma total degradação. “Além da completa destruição da fauna e da flora, houve muitos impactos socioeconômicos. A população foi expulsa do campo, sob falsas promessas de emprego. O que vemos hoje é um crescimento da violência e do desemprego, bem como uma falta de estrutura básica, de saúde e educação nesses municípios onde se instalou a monocultura do eucalipto”, ressaltou Koopmans.
O que mais chama a atenção do Fórum Socioambiental do Extremo Sul, integrado por ONG’s, movimentos sociais, pesquisadores e estudantes, é a facilidade com que a empresa conseguiu se fixar na região. Mesmo sem a realização dos estudos necessários, os órgãos ambientais estaduais (CRA) e federais (Ibama) expediram licenças que continuam sendo liberadas indiscriminadamente até hoje. “Essas empresas sempre contaram com o apadrinhamento do Estado, que continua licenciando o plantio de eucalipto, mesmo admitindo que não tem condições técnicas para acompanhar e fiscalizar um projeto desse porte, e mesmo sabendo que a Veracel não cumpre a maioria das condicionantes para continuar em execução”, explicou Ivonete Gonçalves, coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul (Cepedes).

Projeto de expansão
Com a intenção da empresa de duplicar seu empreendimento com a construção da Veracel II, a liberação de licenciamentos ambientais ganha centralidade. Os órgãos desrespeitam a lei e, sob a influência do poder econômico, concedem autorizações mesmo sem estudos como o Zoneamento Econômico Ecológico. É o que confirma Andréia Bragagnolo, diretora de estudos avançados do meio ambiente do Instituto do Meio Ambiente (IMA), antigo CRA. “Não podemos parar a máquina do Estado para esperar a realização dos estudos. Não podemos parar o licenciamento. Temos que continuar e inclusive agilizar o licenciamento em geral. O que dá pra fazer é intensificar a fiscalização”, afirmou.
Essa relação de favorecimento entre os órgãos licenciadores e a empresa Veracel Celulose é objeto de um inquérito civil, instaurado em junho deste ano pelo Ministério Público Estadual da comarca de Eunápolis (veja entrevista ao lado). Estão sendo apuradas denúncias sobre a omissão do Estado da Bahia e de órgãos ambientais estaduais na realização de estudos imprescindíveis para a implantação de projetos como o da monocultura de eucalipto na região, a fim de favorecer a empresa Veracel Celulose na execução de seu projeto.
“Estamos acompanhando o inquérito do MPE e confirmando o que já suspeitávamos: que a Veracel inaugurou uma forma própria para consolidar seu empreendimento junto ao Estado, envolvendo funcionários públicos para obter benefícios em função do aumento da produção e do lucro”, relatou Ivonete.
O que diz a legislação?
Empreendimentos, atividades ou obras que causem significativa degradação ambiental devem apresentar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) antes do licenciamento pretendido de acordo com a legislação federal vigente:
artigo 225 § 1o. IV da Constituição Federal; Lei nº 6.938, de 31.08.81 e seu decreto regulamentador, o de nº 99.274, de 06.06.90; além das Resoluções CONAMA nº 001, de 23.01.1986, que dispõe sobre diretrizes gerais para uso e implementação da Avaliação de Impacto Ambiental, e 237, de 19.12.97, que estabelece normas sobre o licenciamento ambiental.

Estudos necessários para a implantação de projetos de médio e grande porte
Zoneamento Econômico Ecológico (ZEE): instrumento de gestão do território que estabelece, na implantação de planos, obras e atividades públicas e privadas, diretrizes para a proteção ambiental e a distribuição espacial das atividades econômicas, para assegurar o desenvolvimento sustentável. Tem por objetivo geral organizar as decisões dos agentes públicos e privados quanto a planos, programas, projetos e atividades que, direta ou indiretamente, utilizem recursos naturais, assegurando a plena manutenção do capital e dos serviços ambientais dos ecossistemas.



Organizações sociais denunciam o caso há quinze anos
por
Michelle Amaral da Silva — Última modificação 21/08/2008 15:49


Em meados de 1991, a Veracruz Florestal, na época subsidiária do Grupo Odebrecht, adquiriu 47 mil hectares da empresa Vale do Rio Doce. Foram 85 propriedades situadas nos municípios do extremo Sul da Bahia, sendo que, em pelo menos 28, havia vegetação remanescente de Mata Atlântica.
Em 1992, o Ibama concedeu autorização para operações de limpeza de propriedades e plantio de eucalipto à Veracruz Florestal. No mesmo ano, a empresa obteve, junto ao Conselho de Meio Ambiente do Estado da Bahia (Cepram) e ao Centro de Recursos Ambientais (CRA), licença de localização e implantação do projeto sem a realização de um estudo de impacto ambiental, medida necessária para todos projetos de médio e grande porte.
Desde novembro de 1992, organizações da sociedade civil, como o Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH) de Teixeira de Freitas e o Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul (Cepedes), denunciam que a Veracruz Florestal estava derrubando a Mata Atlântica e retirando a madeira nativa com caminhões para plantar eucalipto.
Após as denúncias, o então ministro do Meio Ambiente, Fernando Coutinho Jorge, embargou o projeto de implantação da empresa e determinou que o Ibama fizesse uma vistoria técnica para apurar a veracidade da denúncia.
O grande problema é que esses estudos, além de realizados depois do início das atividades da empresa, foram feitos às pressas, principal crítica feita pelos auditores independentes. Além disso, foram executados por uma empresa consultora fi nlandesa (Jaakko Poyry) que, depois, ganhou contratos de serviços prestados à empresa Veracel. Ou seja, tinha um grande interesse em fazer um estudo de impacto ambiental favorável à empresa.

Reviravolta
Uma nova vistoria foi feita e foi confirmada a veracidade das denúncias das entidades da sociedade, demonstrando inúmeras irregularidades na execução do projeto da empresa. Mas, ao mesmo tempo, o embargo do projeto da Veracel provocou reação da comunidade regional em favor do empreendimento e de sua promessa de muitos empregos. Pressionado, o próprio ministro Coutinho Jorge presidiu uma audiência pública em Eunápolis, em julho de 1993, e, dois meses depois, libera o projeto com recomendações de ajustes. Exige também a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto de Meio Ambiente (Rima).
A Procuradoria Geral da República, acionada pelas ONG’s Greenpeace, SOS Mata Atlântica e IBASE, encaminhou em outubro de 1993 uma Ação Civil Pública, na Justiça Federal, contra Veracruz, CRA e Ibama. A sentença foi proferida apenas quinze anos depois, em junho de 2008. O veredicto foi a condenação da empresa e dos órgãos ambientais.

Quem é a Veracel Celulose?
É uma joint venture de duas das maiores empresas do ramo de papel e celulose do mundo: a sueca-finlandesa Stora Enso e a Aracruz Celulose, cada uma detentora de 50% das ações.
Área: possui cerca de 205 mil hectares de terras no extremo Sul da Bahia, sendo cerca de 96 mil hectares de monocultura de eucalipto.
Produção: mais de um milhão de toneladas de celulose destinadas à exportação, sendo que metade pertence à Aracruz Celulose.
Financiamento público: BNDES (R$ 1,43 bilhões)
Quem a Veracel financia: Jaques Wagner, atual governador da Bahia (R$ 100.000 para sua campanha em 2006).

Empregos para quem?
- gera apenas 410 empregos diretos na fábrica. Possui mais de 180 empresas terceirizadas; há mais de 800 ações movidas contra a empresa por direitos trabalhistas;
- Hoje, em 146.927 hectares da Veracel, moram apenas 71 pessoas, e são gerados apenas 1 emprego em cada 156 hectares de terras;
- Mais de 800 pessoas tiveram que sair das suas casas por causa da Veracel, perdendo seu meio de sustento;
- Em Santa Cruz de Cabrália, dos 193 trabalhadores e empregados que existiam nas terras compradas pela Veracel, apenas 56 trabalhadores restaram, e dos 240 moradores, restaram apenas 14;
- No município de Porto Seguro, o número de trabalhadores/empregados passou de 88 para dois, e o de moradores passou de 138 para nove.

Empregos terceirizados e sem garantias
O principal argumento utilizado pelas empresas de papel e celulose para convencer a população local dos benefícios de sua implantação é a criação de novos empregos. No entanto, essa propaganda esconde a real situação dos trabalhadores dessas companhias: a progressiva precarização do trabalho por meio da terceirização.
“Quando se fala em geração de emprego, é fundamental tratar da qualidade do emprego,não apenas da quantidade. Há muita gente trabalhando para as empreiteiras das empresas de celulose e que não ganha sequer um salário mínimo”, relatou Fábio Moraes, do Sindicato dos trabalhadores nas indústrias de celulose da Bahia (Sindicelpa).
Segundo dados do sindicato, a Veracel possui apenas 410 trabalhadores diretos em sua fábrica e cerca de 9 mil terceirizados, além de contar com serviços terceirizados de 180 empresas.
A lógica da terceirização prejudica profundamente o trabalhador, pois, além de ele não ter a total garantia aos direitos trabalhistas, também é sobrecarregado no cotidiano. Com o passar do tempo, as empresas de celulose foram reduzindo o número de trabalhadores, ao mesmo tempo em que aumentavam a produtividade. “O que era feito por 20 trabalhadores antes, é feito por 4 hoje. Isso é a causa de tantos acidentes de trabalho e de lesões por esforço repetitivo”, explica Fábio.
Diante do anúncio da duplicação da Veracel, o Sindicelpa apresentou sua preocupação. “O aumento da capacidade de produção da empresa ocorrerá pela criação de empregos com vínculo empregatício terceirizado, num processo desenfreado de precarização”, argumentou Carlos Ribeiro Monteiro, do Sindicelpa. Ele ainda ressaltou que teme que o Brasil se transforme totalmente em um paraíso de mão-de-obra barata, o que já vem ocorrendo.
Concomitante a esse processo no Brasil, ocorre o fechamento dessas fábricas na Europa, aumentando o desemprego lá também.

Stora Enso projeta duplicação da Veracel
A Stora Enso anunciou, em maio, a construção de mais uma empresa de celulose no extremo Sul da Bahia, a Veracel II. A previsão é de que a área de plantação de eucalipto seja duplicada.
Jouko Karvinen, um dos principais executivos da transnacional, informou também que a nova fábrica produzirá mais de 1 milhão de toneladas de celulose. Para assegurar a matéria-prima para a segunda linha de produção, serão necessários, pelo menos, 70 mil novos hectares de plantio de eucaliptos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Nunca fui ao sul da Bahia, más como engenheiro florestal, basta ler as primeiras linhas e vêr o tanto que esta noticia é fora da realidade, pra não dizer falsa ou no mínimo mal feita.