ESCRITO POR FERNANDO SILVA
25-NOV-2008 – FONTE: Correio da cidadania
A entrada em cena de uma crise na economia capitalista mundial, e com a velocidade com a qual ela chega ao Brasil, recoloca obrigatoriamente a necessidade de se debater um projeto de poder ou de superação da crise do ponto de vista da classe trabalhadora.
Desafio para partidos, sindicatos e movimentos populares que querem pensar em agir no sentido da superação do capitalismo.
Pois no caso do Brasil não é isto que se pode esperar do governo Lula, do PT e de instrumentos como a CUT, que não vão além de inserir-se em uma busca de políticas e medidas para evitar a bancarrota do capitalismo.
Uma crise do porte da que já se anuncia nos países centrais e que rapidamente se instala no Brasil vai produzir enorme queima de capitais e naturalmente, no âmbito do capital, gerar quebras, fusões, reordenamentos e tensões geopolíticas.
No mesmo sentido, projetando não apenas conjunturas curtas, mas tempos históricos mais longos, é possível trabalhar com o cenário de mudanças na relação de forças entre as classes onde os trabalhadores, os povos oprimidos e explorados do mundo possam retomar o caminho da resistência na ação, abrindo espaço para que um projeto de superação do capitalismo volte a polarizar a luta de classes.
Tal é o desafio que se coloca para os que estão no campo da defesa da idéia da revolução.
Acertar contas com o passado
Mas pensar no futuro é rever e acertar contas com o passado, para evitar a repetição dos mesmos erros que levaram ao fracasso dos instrumentos construídos no período anterior como ferramentas para uma transformação social.
Um dos aspectos que mais vale a pena refletir é a separação entre o sindical/econômico do político na própria ação e consciência, não apenas da classe trabalhadora como também de grande parte das suas próprias camadas dirigentes.
Prevaleceu na ampla maioria da esquerda brasileira a assimilação da idéia de que os sindicatos fazem a luta sindical e econômica e os partidos fazem a política, ou no sentido mais rebaixado desta aceitação, os partidos fazem apenas a disputa institucional/eleitoral/parlamentar.
Como muito bem observou István Mészáros em seu balanço histórico das derrotas das revoluções no século 20, este limite - sindicatos fazem lutas salariais e não se metem em ações e decisões políticas e os partidos fazem a disputa institucional e parlamentar e não se metem a organizar saídas de poder extra-parlamentares - foi o possível de o capital tolerar e foi aceito pelas direções políticas e sindicais de massas da classe trabalhadora nos países centrais desde o final da 2ª guerra (1).
Infelizmente este paradigma chegou ao Brasil pela via de um projeto onde as lutas sindicais serviam de acumulação para a disputa de poder pela via eleitoral/institucional. Separação entre luta sindical e política que terminou em enorme rebaixamento programático, concessões ao jogo da ordem institucional e que derrotou o acúmulo anterior produzido pelo movimento operário e popular no Brasil.
Resgatar a totalidade de uma estratégia de ruptura
O primeiro que devemos buscar neste debate é uma definição de estratégia para os tempos futuros que nos aguardam de graves tensões econômicas, sociais e políticas.
Portanto, não se deve conceber um novo projeto de poder para os trabalhadores que repita de forma talvez caricatural a acumulação pela via eleitoral, ainda que amparada em lutas sociais que sejam, neste sentido, "táticas" ou subordinadas a este fim.
Mas isto também significa uma rejeição da via do economicismo, ou da tese de que as lutas e greves econômicas por si só vão produzir uma consciência de poder para a classe trabalhadora sem a interferência de instrumentos políticos e/ou partidários.
As lutas salariais e ações setoriais são importantes para despertar a consciência da classe, mas, se não estão balizadas por um projeto de poder político, de superação do capital e seu estado, por mais radicais que elas sejam, se esfumam em enormes gastos de energias que em geral podem ser relativamente tolerados e assimilados (ainda que contidos e reprimidos) pelo sistema se não avançam para questionar a ordem, o poder e a propriedade do capital.
A construção deste projeto pressupõe também não rejeitar instrumentos políticos e partidários que visem à disputa do poder, mas que pensem projeto de poder político para mudar as bases da sociedade.
Um parâmetro estratégico para se poder construir um projeto de poder é a busca do enraizamento nas lutas sociais, que se organize com o objetivo de gestar uma tremenda auto-organização que acumule condições de ser este o caminho para a disputa de poder.
A partir deste balizamento estratégico, todos os meios e espaços de participação e divulgação desta idéia são legítimos e válidos: a luta sindical e popular, a disputa pelos sindicatos, a participação nos processos eleitorais.
Estamos entrando em uma crise de desdobramentos históricos e a oportunidade para colocar em marcha a construção deste tipo de projeto de poder e estratégia não deve ser desperdiçada.
É importante que nenhum dos atores, setores e forças políticas que estejam engajados nesta construção tenha a arrogância de pretender para si a paternidade do debate ou a auto-proclamação das saídas prontas.
Pois, nas atuais condições que herdamos de derrotas e fragmentação - mesmo entre os melhores componentes da esquerda socialista -, não se improvisará da noite para o dia um projeto de poder socialista; e nem isoladamente qualquer uma das forças ou partidos desta esquerda que resiste conseguirá empalmar ou polarizar um projeto e uma resistência de massas aos efeitos da crise que já se fazem sentir em nosso país.
Será um caminhar juntos na ação prática contra o capital e seus governos ao lado de uma construção coletiva de um projeto estratégico - ainda que saudavelmente conflitiva dentro da pluralidade legítima de experiências e posições - que permitirá polarizar novamente o cenário político do país do ponto de vista de uma saída dos trabalhadores para superar o capital.
(1)"Com a constituição dos partidos políticos operários – sob a forma da divisão do movimento em um `braço industrial´ (os sindicatos) e um braço político (os partidos social-democratas e vanguardistas) -, a defensiva do movimento se arraigou ainda mais, pois os dois tipos de partido se apropriaram do direito exclusivo de tomada de decisão, que já se anunciava na setorialidade centralizada dos próprios movimentos sindicais. Essa defensiva agravou-se ainda mais pelo modo de operação adotado pelos partidos políticos, cujos sucessos relativos implicaram o desvio do movimento sindical de seus objetivos originais. Pois na estrutura parlamentar capitalista, em troca da aceitação da legitimidade dos partidos operários pelo capital, tornou-se absolutamente ilegal usar o braço industrial para fins políticos. (...) É compreensível, portanto, em vista da experiência histórica infeliz com os dois tipos principais de partido político, que não haja esperança de rearticulação radical do movimento socialista sem que se combine completamente o `braço industrial´ do trabalho com seu `braço político`, o que se fará, de um lado, conferindo poder de decisão política significativa aos sindicatos (incentivando-os assim a ser diretamente políticos), e de outro fazer os partidos políticos adotarem uma atitude desafiadoramente ativa nos conflitos industriais como antagonistas irredutíveis do capital, assumindo a responsabilidade por sua lutadentro e fora do parlamento."
Istvan Mészáros, O século XXI, Socialismo ou Barbárie?
Fernando Silva, jornalista, é membro do Diretório Nacional do PSOL e do Conselho Editorial da revista Debate Socialista.
25-NOV-2008 – FONTE: Correio da cidadania
A entrada em cena de uma crise na economia capitalista mundial, e com a velocidade com a qual ela chega ao Brasil, recoloca obrigatoriamente a necessidade de se debater um projeto de poder ou de superação da crise do ponto de vista da classe trabalhadora.
Desafio para partidos, sindicatos e movimentos populares que querem pensar em agir no sentido da superação do capitalismo.
Pois no caso do Brasil não é isto que se pode esperar do governo Lula, do PT e de instrumentos como a CUT, que não vão além de inserir-se em uma busca de políticas e medidas para evitar a bancarrota do capitalismo.
Uma crise do porte da que já se anuncia nos países centrais e que rapidamente se instala no Brasil vai produzir enorme queima de capitais e naturalmente, no âmbito do capital, gerar quebras, fusões, reordenamentos e tensões geopolíticas.
No mesmo sentido, projetando não apenas conjunturas curtas, mas tempos históricos mais longos, é possível trabalhar com o cenário de mudanças na relação de forças entre as classes onde os trabalhadores, os povos oprimidos e explorados do mundo possam retomar o caminho da resistência na ação, abrindo espaço para que um projeto de superação do capitalismo volte a polarizar a luta de classes.
Tal é o desafio que se coloca para os que estão no campo da defesa da idéia da revolução.
Acertar contas com o passado
Mas pensar no futuro é rever e acertar contas com o passado, para evitar a repetição dos mesmos erros que levaram ao fracasso dos instrumentos construídos no período anterior como ferramentas para uma transformação social.
Um dos aspectos que mais vale a pena refletir é a separação entre o sindical/econômico do político na própria ação e consciência, não apenas da classe trabalhadora como também de grande parte das suas próprias camadas dirigentes.
Prevaleceu na ampla maioria da esquerda brasileira a assimilação da idéia de que os sindicatos fazem a luta sindical e econômica e os partidos fazem a política, ou no sentido mais rebaixado desta aceitação, os partidos fazem apenas a disputa institucional/eleitoral/parlamentar.
Como muito bem observou István Mészáros em seu balanço histórico das derrotas das revoluções no século 20, este limite - sindicatos fazem lutas salariais e não se metem em ações e decisões políticas e os partidos fazem a disputa institucional e parlamentar e não se metem a organizar saídas de poder extra-parlamentares - foi o possível de o capital tolerar e foi aceito pelas direções políticas e sindicais de massas da classe trabalhadora nos países centrais desde o final da 2ª guerra (1).
Infelizmente este paradigma chegou ao Brasil pela via de um projeto onde as lutas sindicais serviam de acumulação para a disputa de poder pela via eleitoral/institucional. Separação entre luta sindical e política que terminou em enorme rebaixamento programático, concessões ao jogo da ordem institucional e que derrotou o acúmulo anterior produzido pelo movimento operário e popular no Brasil.
Resgatar a totalidade de uma estratégia de ruptura
O primeiro que devemos buscar neste debate é uma definição de estratégia para os tempos futuros que nos aguardam de graves tensões econômicas, sociais e políticas.
Portanto, não se deve conceber um novo projeto de poder para os trabalhadores que repita de forma talvez caricatural a acumulação pela via eleitoral, ainda que amparada em lutas sociais que sejam, neste sentido, "táticas" ou subordinadas a este fim.
Mas isto também significa uma rejeição da via do economicismo, ou da tese de que as lutas e greves econômicas por si só vão produzir uma consciência de poder para a classe trabalhadora sem a interferência de instrumentos políticos e/ou partidários.
As lutas salariais e ações setoriais são importantes para despertar a consciência da classe, mas, se não estão balizadas por um projeto de poder político, de superação do capital e seu estado, por mais radicais que elas sejam, se esfumam em enormes gastos de energias que em geral podem ser relativamente tolerados e assimilados (ainda que contidos e reprimidos) pelo sistema se não avançam para questionar a ordem, o poder e a propriedade do capital.
A construção deste projeto pressupõe também não rejeitar instrumentos políticos e partidários que visem à disputa do poder, mas que pensem projeto de poder político para mudar as bases da sociedade.
Um parâmetro estratégico para se poder construir um projeto de poder é a busca do enraizamento nas lutas sociais, que se organize com o objetivo de gestar uma tremenda auto-organização que acumule condições de ser este o caminho para a disputa de poder.
A partir deste balizamento estratégico, todos os meios e espaços de participação e divulgação desta idéia são legítimos e válidos: a luta sindical e popular, a disputa pelos sindicatos, a participação nos processos eleitorais.
Estamos entrando em uma crise de desdobramentos históricos e a oportunidade para colocar em marcha a construção deste tipo de projeto de poder e estratégia não deve ser desperdiçada.
É importante que nenhum dos atores, setores e forças políticas que estejam engajados nesta construção tenha a arrogância de pretender para si a paternidade do debate ou a auto-proclamação das saídas prontas.
Pois, nas atuais condições que herdamos de derrotas e fragmentação - mesmo entre os melhores componentes da esquerda socialista -, não se improvisará da noite para o dia um projeto de poder socialista; e nem isoladamente qualquer uma das forças ou partidos desta esquerda que resiste conseguirá empalmar ou polarizar um projeto e uma resistência de massas aos efeitos da crise que já se fazem sentir em nosso país.
Será um caminhar juntos na ação prática contra o capital e seus governos ao lado de uma construção coletiva de um projeto estratégico - ainda que saudavelmente conflitiva dentro da pluralidade legítima de experiências e posições - que permitirá polarizar novamente o cenário político do país do ponto de vista de uma saída dos trabalhadores para superar o capital.
(1)"Com a constituição dos partidos políticos operários – sob a forma da divisão do movimento em um `braço industrial´ (os sindicatos) e um braço político (os partidos social-democratas e vanguardistas) -, a defensiva do movimento se arraigou ainda mais, pois os dois tipos de partido se apropriaram do direito exclusivo de tomada de decisão, que já se anunciava na setorialidade centralizada dos próprios movimentos sindicais. Essa defensiva agravou-se ainda mais pelo modo de operação adotado pelos partidos políticos, cujos sucessos relativos implicaram o desvio do movimento sindical de seus objetivos originais. Pois na estrutura parlamentar capitalista, em troca da aceitação da legitimidade dos partidos operários pelo capital, tornou-se absolutamente ilegal usar o braço industrial para fins políticos. (...) É compreensível, portanto, em vista da experiência histórica infeliz com os dois tipos principais de partido político, que não haja esperança de rearticulação radical do movimento socialista sem que se combine completamente o `braço industrial´ do trabalho com seu `braço político`, o que se fará, de um lado, conferindo poder de decisão política significativa aos sindicatos (incentivando-os assim a ser diretamente políticos), e de outro fazer os partidos políticos adotarem uma atitude desafiadoramente ativa nos conflitos industriais como antagonistas irredutíveis do capital, assumindo a responsabilidade por sua lutadentro e fora do parlamento."
Istvan Mészáros, O século XXI, Socialismo ou Barbárie?
Fernando Silva, jornalista, é membro do Diretório Nacional do PSOL e do Conselho Editorial da revista Debate Socialista.
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