Questões Ideológicas
Fernando Del Corro
Dom, 18 de outubro de 2009 15:05
Buenos Aires (PL) - A Revolução Industrial, no século XVIII, deu lugar à formação de uma nova classe social, que, estruturada como tal, gerou as lutas políticas e econômicas que se desenvolveram durante duas centúrias. A reestruturação do sistema produtivo mudou radicalmente as relações de todo tipo em um passado não tão distante.
Um intento de análise de quais serão os protagonistas das novas confrontações foi o tema de uma conversa com o acadêmico mexicano Enrique de la Garza Toledo, doutor em Sociologia, docente em seu país na Universidade Autônoma do México (UAM) e dono de um frondoso currículo com antecedentes de casas de altos estudos de México, Estados Unidos e Reino Unido.
De la Garza visitou a Argentina no marco das jornadas que se desenvolveram na Cidade de Buenos Aires, organizadas pela Faculdade de Ciências Sociais (FCS) da Universidade de Buenos Aires (UBA). Estas, sob a denominação de "ALAS 2009", corresponderam aos habituais congressos bianuais da Associação Latino-americana de Sociologia (ALAS), nas quais participaram especialistas de numerosos países. Ademais da UBA, nelas tiveram participação outras universidades argentinas, organismos públicos do Cone Sul e a agência de notícias Télam, da Argentina.
Nessas circunstâncias se produziu o seguinte diálogo.
Fernando del Corro: Quando você falou em um painel, referiu-se à degradação do rol do trabalho na produção moderna e a chamou "toyotismo precário". É muito interessante. Fez-me recordar Enrico Berlinger, aquele grande secretário geral do Partido Comunista Italiano (PCI), quando em seu livro "A alternativa comunista", em 1972, sinalizou que a acumulação das chamadas "conquistas" por parte dos trabalhadores sem alterar as relações de poder levaria à ineficiência do capitalismo e a uma contra-ofensiva das corporações, coisa que sucedeu.
Enrique de la Garza Toledo: Entendo a ideia. Os salários nessa época cresciam muito mais rápido do que a produtividade e a renda se transferia, de forma significativa, para o setor laboral. Isso teve que ver com a crise capitalista dos anos 1970, que reverteu a expectativa do chamado "estado de bem-estar". Em boa medida isso deu lugar ao efeito tecnológico, porque se fazia necessário encontrar na tecnologia a forma de resistir à pressão operária. Um exemplo claro disso, já em 1982, foi a grande greve geral na Fiat, quando, com a robotização do processo produtivo, foi dispensada uma grande quantidade de pessoal. Os sindicatos responderam com a paralisação, mas no final foram derrotados.
Fernando del Corro: O caso da Fiat foi paradigmático. Uma grande derrota da classe operária, histórica, que pôs em evidência a chegada de novos tempos. Algo que não se limitou à Itália, senão que adquiriu caráter ecumênico. No caso da América do Sul foi a etapa das ditaduras genocidas que, em geral, foram muito explícitas na matéria, como as do Chile e da Argentina. Desde então, a capacidade aquisitiva dos salários, em nível mundial, se reduziu na ordem de 20%.
Enrique de la Garza Toledo: Foi assim que o processo produtivo se modificou de forma radical e as novas tecnologias já adquiriram muitas outras aplicações. O capital logrou reduzir abruptamente a necessidade de mão de obra ao mesmo tempo que descentralizou as relações de produção mediante a utilização do outsourcing (terceirização) e da facilidade de substituir um trabalhador por outro. A mão de obra muito qualificada tem mais possibilidades para sustentar-se, sobretudo a que tem a ver com as novas tecnologias, com as mais avançadas.
Fernando del Corro: Isso fez cair a versão simplista sobre a luta de classes do marxismo vulgar. (Karl Heinrich) Marx nunca disse que a pugna capitalistas-operários era universal e atemporal. Correspondia a uma etapa e a uma parte do planeta, do mesmo modo, por exemplo, que, na antiga Roma, os patrícios e os plebeus se disputavam o poder, não os escravos, que eram marginais nisso, ainda que em certa época tiveram algumas sublevações sem projeto político, como a mais conhecida de Espártaco. Os atores vão mudando, razão pela qual, retomando o que acaba de dizer, não estamos ante a aparição de novos atores desse histórico combate?
Enrique de la Garza Toledo: Haverá novos atores do mesmo modo que os houve cada vez que os modos de produção foram mudando. A questão é ver que tipo de atores aparecerão. Talvez, em nossos países, tão abundantes em mão de obra excedente, possam ser os setores informais, hoje setores despolitizados, os que em seu momento foram caracterizados por Marx como lumpem-proletariado. São os mais numerosos e não são privilegiados pelo sistema, ainda que tendam ao clientelismo político. Pode-se repensar o conceito de classe a partir da gente que vive na rua, dos pobres que morrem nas ruas?
Fernando del Corro: Parece que não. As confrontações sempre se deram entre classes com certas possibilidades de manejar o poder. Os outros setores acompanharam ou foram funcionais. Na Revolução Francesa, por exemplo, os sans coulotes (sem culotes, massas de necessitados) foram funcionais à direita para provocar a queda de Maximiliano Robespierre.
Que pensa da perspectiva de que sejam os setores altamente qualificados, os engenheiros de informática, para tomar um exemplo, que liderem as novas políticas de mudança? Se uma fábrica de automóveis, hoje, sofre uma paralisação do pessoal da linha de montagem pode resolvê-la com facilidade, sobretudo no marco da terceirização, mas, se o conflito é com os programadores, as coisas são diferentes, aí pode chegar a ser extremamente perigoso.
Enrique de la Garza Toledo: Há que se ver se essa gente pode agrupar-se, aí está o problema, ainda que não há dúvida do rol que terá a tecnologia em tudo isso. O novo sistema permite dispersar o pessoal e não tê-lo, necessariamente, concentrado num lugar. Esse pessoal se comunica, cada vez mais, à distância. Então, em vez de cara a cara, temos gente distante. Claro que se essa gente se chateia, e não só entre amigos, pode falar de coisas pessoais. Também o faz para as tarefas conjuntas e para ajudar-se diante dos problemas. A Suécia tem alguma experiência de organização que resulta das comunicações virtuais. Quer dizer, parece que se vão criando sistemas de solidariedade. A questão é ver que capacidade há para aprofundar a solidariedade à distância. Então a pergunta é: será possível que esse trabalhador informatizado, em todo seu amplo espectro, possa gerar uma consciência de classe?
Fernando Del Corro é jornalista, historiador, docente, assessor do Congresso argentino e colaborador da Prensa Latina.
Fonte: Prensa Latina
Tradução: Sergio Granja
Fernando Del Corro
Dom, 18 de outubro de 2009 15:05
Buenos Aires (PL) - A Revolução Industrial, no século XVIII, deu lugar à formação de uma nova classe social, que, estruturada como tal, gerou as lutas políticas e econômicas que se desenvolveram durante duas centúrias. A reestruturação do sistema produtivo mudou radicalmente as relações de todo tipo em um passado não tão distante.
Um intento de análise de quais serão os protagonistas das novas confrontações foi o tema de uma conversa com o acadêmico mexicano Enrique de la Garza Toledo, doutor em Sociologia, docente em seu país na Universidade Autônoma do México (UAM) e dono de um frondoso currículo com antecedentes de casas de altos estudos de México, Estados Unidos e Reino Unido.
De la Garza visitou a Argentina no marco das jornadas que se desenvolveram na Cidade de Buenos Aires, organizadas pela Faculdade de Ciências Sociais (FCS) da Universidade de Buenos Aires (UBA). Estas, sob a denominação de "ALAS 2009", corresponderam aos habituais congressos bianuais da Associação Latino-americana de Sociologia (ALAS), nas quais participaram especialistas de numerosos países. Ademais da UBA, nelas tiveram participação outras universidades argentinas, organismos públicos do Cone Sul e a agência de notícias Télam, da Argentina.
Nessas circunstâncias se produziu o seguinte diálogo.
Fernando del Corro: Quando você falou em um painel, referiu-se à degradação do rol do trabalho na produção moderna e a chamou "toyotismo precário". É muito interessante. Fez-me recordar Enrico Berlinger, aquele grande secretário geral do Partido Comunista Italiano (PCI), quando em seu livro "A alternativa comunista", em 1972, sinalizou que a acumulação das chamadas "conquistas" por parte dos trabalhadores sem alterar as relações de poder levaria à ineficiência do capitalismo e a uma contra-ofensiva das corporações, coisa que sucedeu.
Enrique de la Garza Toledo: Entendo a ideia. Os salários nessa época cresciam muito mais rápido do que a produtividade e a renda se transferia, de forma significativa, para o setor laboral. Isso teve que ver com a crise capitalista dos anos 1970, que reverteu a expectativa do chamado "estado de bem-estar". Em boa medida isso deu lugar ao efeito tecnológico, porque se fazia necessário encontrar na tecnologia a forma de resistir à pressão operária. Um exemplo claro disso, já em 1982, foi a grande greve geral na Fiat, quando, com a robotização do processo produtivo, foi dispensada uma grande quantidade de pessoal. Os sindicatos responderam com a paralisação, mas no final foram derrotados.
Fernando del Corro: O caso da Fiat foi paradigmático. Uma grande derrota da classe operária, histórica, que pôs em evidência a chegada de novos tempos. Algo que não se limitou à Itália, senão que adquiriu caráter ecumênico. No caso da América do Sul foi a etapa das ditaduras genocidas que, em geral, foram muito explícitas na matéria, como as do Chile e da Argentina. Desde então, a capacidade aquisitiva dos salários, em nível mundial, se reduziu na ordem de 20%.
Enrique de la Garza Toledo: Foi assim que o processo produtivo se modificou de forma radical e as novas tecnologias já adquiriram muitas outras aplicações. O capital logrou reduzir abruptamente a necessidade de mão de obra ao mesmo tempo que descentralizou as relações de produção mediante a utilização do outsourcing (terceirização) e da facilidade de substituir um trabalhador por outro. A mão de obra muito qualificada tem mais possibilidades para sustentar-se, sobretudo a que tem a ver com as novas tecnologias, com as mais avançadas.
Fernando del Corro: Isso fez cair a versão simplista sobre a luta de classes do marxismo vulgar. (Karl Heinrich) Marx nunca disse que a pugna capitalistas-operários era universal e atemporal. Correspondia a uma etapa e a uma parte do planeta, do mesmo modo, por exemplo, que, na antiga Roma, os patrícios e os plebeus se disputavam o poder, não os escravos, que eram marginais nisso, ainda que em certa época tiveram algumas sublevações sem projeto político, como a mais conhecida de Espártaco. Os atores vão mudando, razão pela qual, retomando o que acaba de dizer, não estamos ante a aparição de novos atores desse histórico combate?
Enrique de la Garza Toledo: Haverá novos atores do mesmo modo que os houve cada vez que os modos de produção foram mudando. A questão é ver que tipo de atores aparecerão. Talvez, em nossos países, tão abundantes em mão de obra excedente, possam ser os setores informais, hoje setores despolitizados, os que em seu momento foram caracterizados por Marx como lumpem-proletariado. São os mais numerosos e não são privilegiados pelo sistema, ainda que tendam ao clientelismo político. Pode-se repensar o conceito de classe a partir da gente que vive na rua, dos pobres que morrem nas ruas?
Fernando del Corro: Parece que não. As confrontações sempre se deram entre classes com certas possibilidades de manejar o poder. Os outros setores acompanharam ou foram funcionais. Na Revolução Francesa, por exemplo, os sans coulotes (sem culotes, massas de necessitados) foram funcionais à direita para provocar a queda de Maximiliano Robespierre.
Que pensa da perspectiva de que sejam os setores altamente qualificados, os engenheiros de informática, para tomar um exemplo, que liderem as novas políticas de mudança? Se uma fábrica de automóveis, hoje, sofre uma paralisação do pessoal da linha de montagem pode resolvê-la com facilidade, sobretudo no marco da terceirização, mas, se o conflito é com os programadores, as coisas são diferentes, aí pode chegar a ser extremamente perigoso.
Enrique de la Garza Toledo: Há que se ver se essa gente pode agrupar-se, aí está o problema, ainda que não há dúvida do rol que terá a tecnologia em tudo isso. O novo sistema permite dispersar o pessoal e não tê-lo, necessariamente, concentrado num lugar. Esse pessoal se comunica, cada vez mais, à distância. Então, em vez de cara a cara, temos gente distante. Claro que se essa gente se chateia, e não só entre amigos, pode falar de coisas pessoais. Também o faz para as tarefas conjuntas e para ajudar-se diante dos problemas. A Suécia tem alguma experiência de organização que resulta das comunicações virtuais. Quer dizer, parece que se vão criando sistemas de solidariedade. A questão é ver que capacidade há para aprofundar a solidariedade à distância. Então a pergunta é: será possível que esse trabalhador informatizado, em todo seu amplo espectro, possa gerar uma consciência de classe?
Fernando Del Corro é jornalista, historiador, docente, assessor do Congresso argentino e colaborador da Prensa Latina.
Fonte: Prensa Latina
Tradução: Sergio Granja
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